segunda-feira, 22 de outubro de 2018

MESSIANISMO NEOCOLONIAL E PEQUENA-BURGUESIA




José Paulo





As interpretações da profunda transformação do Brasil estão eivadas de subjetivismo ou pseudo-objetivismo. A radical transmutação do país tem como sintoma as eleições 2018. O eleitor criou um partido do pó (o PSL de Jair Messias Bolsonaro), elegeu vários governadores do PSL e elege Messias para a presidência da República, no último domingo de outubro.   



Fernando Henrique Cardoso diz que a fala do chefe do PSL na Câmara de deputados nacional (filho de Messias) tem “cheiro de fascismo”. O PSL e Bolsonaro fazem um discurso político associado à extrema-direita. Os desejos políticos dessa tropa política são claramente signos do neofascismo no Brasil.



O subjetivismo da ciência política ao jornalismo não chega a atribuir o surgimento do messianismo neofascista à aversão sexual olfativa que a maioria da população desenvolveu a Lula e ao lulismo. Há um elemento subjetivo das massas eleitorais associado ao antilulismo . Mas agora é preciso explicar o fenômeno político em tela como junção de subjetividade e objetividade.    



A provinciana cultura política brasileira não gramaticalizou o dito do Le Figaro: no último domingo de outubro o Brasil elege o “pequeno Hitler tropical”. No entanto, o que a elite democrática europeia ocidental não sabe que sabe é que as eleições 2018 brasileiras dão um passo à frente  na política, pondo em questão a teoria e a prática da gramática da soberania, e propondo um novo gramático soberano.



O deputado nacional Eduardo Bolsonaro é o chefe real do PSL - partido do pai Jair Messias Bolsonaro. Em um vídeo circulando nas redes sociais, Eduardo diz que para fechar o STF basta um cabo e um soldado. O dito de Eduardo põe e repõe a questão  da soberania da democracia 1988. Eduardo diz que o Pai é o soberano que pode fechar o STF com uma ordem militar cumprida por um cabo e um soldado. Alias, a reação do STF, do Congresso e do presidente Temer diz tudo sobre o desejo de alterar o fenômeno da soberania no Brasil.



Temer não é um democrata: então se calou e legitimou a fala  de Eduardo. Os presidentes da Câmara nacional de deputados e do senado fizeram ouvido moucos. O presidente do STF foi indigno para o cargo que ocupa ao dizer que não comentaria para não pôr mais lenha na fogueira neofascista. No momento, o STF ameaça dizer algo, mas não diz que vai agir contra o deputado. Os mass media não consideram o fato tão grave quanto o último assassinato de um morador do Rio. Cientistas políticos não sabem como tratar o problema. O Pai diz que a fala do filho foi descontextualizada.



Sem saber sabendo, Eduardo pôs em questão a democracia 1988 contida, virtualmente, na Constituição 1988. No Brasil, o juízes do STF se autodefinem como guardiões da Constituição; eles não falam de si como guardiões da democracia 1988. O presidente Toffoli vem de uma formação ideológica totalitária de esquerda (lulismo); ele parece desconhecer o que seja moralidade política democrática.



Vamos ao que interessa!



Na concepção do messianismo quem é o soberano da República?



O messianismo é uma forma embrionária de pensamento político, na teoria, e se desenvolvendo na prática (a partir da realidade do fatos em si e de artefatos discursivos) como efeito da soberania popular na política brasileira: eleição de Jair, construção do PSL neofascista, instituição da família Bolsonaro como centro do poder político brasileiro, ou mais exatamente, como potência soberana:

“République est un droit gouvernement de plusieurs ménages et de ce qui leur est commun, avec puissance souveraine”. (Chevallier: 271).



Tendo a família Bolsonaro no centro do poder brasileiro, trata-se do :“Gouvernement de plusiuers ménages (mesnages) , ou familles”. (Chevallier: 271). A ideologia dos costumes conservadores familial foi uma catapulta da eleição de Bolsonaro e da eleição de seus filhos. O Rio elegeu um filho para representa-lo como senador e de quebra elege um juiz-agregado da família Bolsonaro, um  messiânico de quatro costados para governador.



O messianismo introduz no Brasil o fenômeno da substituição da elite política. Generais, coronéis, majores e juízes compõem a nova elite do poder. A elite do poder messiânica altera, pelo simples fato de sua existência, a ideia de uma sociedade de direito liberal clássica, em sua, essência:

“On notera également que la loi est le commandement du souverain usant de as puissance et ne droit pas être confundue avec le Droit, qui emporte l’équité et rien qu’elle, non le commandemant”. (Chevallier: 272).



A lei é o comando do soberano - do gramático da política que detém o poder nacional -  que não se confunde com o estado de direito (com a gramática do direito). A sede da soberania é aquilo que determina a forma do Estado, ou melhor, a gramática da soberania distingue as formas de Estado:

“c’est monarchie lorsqu’un seul possède la souveraineté, et le reste du peuple n’y a ‘que voir’; c’est aristocratie lorsque la moindre partie du peuple a la souveraineté en corps et donne loi au reste; c’est démocratie lorsque tout le peuple ou la plupart ˂d’icelui en corps˃ a la puissance souveraine”. (Chevallier: 273).



A citação acima serve para mostrar que a alteração profunda da política significa a mudança da gramática da soberania. Na idade moderna, a gramática democrática define o poder como sendo fundado pela  soberania popular. O fascismo mudou a gramática abolindo a soberania popular como fonte legítima da conservação do poder. Ditaduras militares como a brasileira não aboliram a soberania popular, como a ditadura militar argentina. Ditaduras recorrem a mecanismos populares (plebiscito) para se conservarem como forma de Estado, como a ditadura de Pinochet.  



O que fará o neofascismo tropical? Ele começa pondo em questão a democracia 1988. Ele diz que os partidos não participarão do poder no aparelho de Estado. Trata-se de um paroxismo lógico, pois, o sistema político presidencialista não governa sem os partidos que governam o Congresso e o aparelho de Estado. Os partidos que governam o aparelho de Estado o fazem para os interesses das classes e frações de classe da sociedade de classes gramatical. O equilíbrio da sociedade gramatical de classes se expressa no governo dos partidos conforme o Artigo 17 da Constituição 1988.



O laço gramatical de interesses entre partidos e classes depende do governo do Estado material pelos partidos. Logo, o messianismo é portador de uma ideologia política que põe em curto-circuito a relação entre o governo federal e o Congresso nacional. Isto tudo é dito pela ciência política. Então, o que não é dito?



Um governo que tem como núcleo dirigente generais e quejandos extraídos da alta burocracia militar. A alta burocracia militar tem um pertencimento de classe burguês ou pequeno-burguês?  



A pequena-burguesia tradicional (pequena produção e pequena propriedade) e moderna (sociedade salarial) formam a direção ideológica da soberania popular. Ao conquistar tais classe, Bolsonaro se tornou imbatível. Naturalmente, a pequena-burguesia se torna a classe reinante detentora do governo do aparelho de Estado sem ser a classe hegemônica no bloco-no-poder. A pequena-burguesia não faz parte do bloco-no-poder (ela estabelece uma aliança com o bloco-no-poder. (Poulantzas. 1975: 75). A pequena-burguesia fornece o alto pessoal burocrático-militar, enquanto a grande burguesia detém a hegemonia. O governo Bolsonaro  começa com a pequena-burguesia ocupando o lugar de classe ˂governante˃  e ˂classe dirigente˃. (VEJA: 40-45).

                                                                          II



É preciso evitar o  erro  crasso do neofascismo como ditadura da pequena-burguesia, assim como fascismo não foi a ditadura da pequena-burguesia.  (Poulantzas. 1978: 260).  A pequena-burguesia é classe-apoio do Estado neofascista por crença ideológica e não por interesse econômico. Sendo afetada, negativamente, em seus interesses econômicos, ela apoia o bloco-no-poder capitalista neocolonial do terceiro-mundo até o fim, por desejo ideológico.



A pequena-burguesia tem uma fração ligada ao Estado-cientista. (Châtelet: 235). Trata-se de uma classe simbólica pública que se tornada classe reinante poderia conduzir o país para uma via  de desenvolvimento capitalista neocolonial com um novo modelo industrial. Claro que seria necessário aplicar força  gramatical sobre a classe simbólica para que ela tomasse o lugar de classe dirigente do Estado cientista.



O neofascismo significa a destruição da classe simbólica como via de desenvolvimento do capitalismo neocolonial fazendo pendant com o capitalismo neocolonial emergente asiático: China e Índia. O Brasil de Bolsonaro é a via para o capitalismo neocolonial subemergente.  



                                                                           III

A soberania popular precisa ser nomeada com um nome conjuntural. A ideologia da pequena-burguesia reinante se caracteriza pelo desejo social: de um Estado forte; Estado-arbitro acima das classes sociais  gramaticais, uma espécie de cesarismo social;  estadolatria (núcleo dirigente do aparelho de Estado formado por generais); ideologia corporativa pelo alto; Estado neutro com autonomia absoluta em relação ao  bloco-no-poder;  burocratismo, ou seja, um estado de identificação das massas pequeno-burguesas com as “cúpulas”, hierarquização e estabelecimento de uma autoridade burocrática soberana.



A ideologia em tela é aquela da soberania popular como soberania do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. Como são dadas condições de possibilidade ao fenômeno supracitado em uma era e ciberespaço e cibercultura no comando da economia, política e cultura tout court?  



O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo neocolonial associa o cibercapitalismo neocolonial com uma crise do capitalismo industrial dependente e associado. A pequena-burguesia é afetada nas suas aspirações de uma vida confortável e de felicidade com empregos criativos e férias na Europa e nos EUA. O Sudeste é a região mais afetada e que se passa inteira para o lado messiânico.



A crise do Sudeste se traduz como crise do bloco-no-poder sob a hegemonia da grande indústria paulista e carioca. O neofascismo é fruto de uma  crise combinada da pequena-burguesia fazendo pendant com a crise do bloco-no-poder. A crise de hegemonia industrial afeta o funcionamento do Estado capitalista 1988. Ela provoca uma desorientação ideológica e política na economia de commodities de São Paulo ao Centro-oeste. O bloco-no-poder crê que a solução é a destruição do Estado getulista 1988.



A destruição do Estado getulista é visto como um ponto tático necessário para transformar o Estado brasileiro em um Estado fiscal e de segurança pública, Estado de polícia. A grande burguesia quer ao mesmo tempo, um Estado ultraliberal e intervencionista. Este xifópago capitalista usaria a mais-valia - que faz o aparelho social do estado funcionar – em investimento no mundo privado reerguendo a velha economia capitalista. De quebra, a privatização das empresas estatais fechariam a equação capitalista em retrocesso.  



O governo Bolsonaro parte da garantia de que a Reforma Trabalhista permanecerá intacta. Ás vezes, promete fazer uma Reforma da Previdência (ponto da política messiânica que estabelece uma aliança com os mass media em geral) sem tocar nos privilégios de militares, policiais e juízes. Trata-se de uma Reforma da Previdência oligárquica, pois, faz dos grupos em tela oligarquias burocráticas incrustadas no aparelho de Estado.



Tal política bolsonarista significa a construção de um Estado capitalista neocolonial do terceiro-mundo. O capitão Jair não admirava o Estado venezuelano do coronel Hugo Chaves sem motivo. O totalitarismo chavista constrói o Estado das oligarquias militar e judicial. Aliás, o Estado chavista se sustenta hoje graças as suas relações econômica e política com a China, principalmente. O Estado messiânico procura sua base de sustentação internacional nos EUA de Donald Trump. A ligação da Okhrana  brasileira com a Okhrana americana (CIA, FBA, complexo industrial militar etc.) parece ser o caminho mais curto para o Brasil se tornar o capitalismo neocolonial  do terceiro-mundo da periferia do poderoso capitalismo neocolonial americano.           



O messianismo é um ser político que segue o movimento inercial do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. Esse capitalismo se sustenta, repito, na autoilusão burguesa de um retorno do capitalismo industrial dependente e associado. O messianismo não se caracteriza por possuir uma ideologia econômica capitalista do século XXI. Sua ideologia econômica é aquela velha ideologia do capitalismo dependente e associado do século XX.



A política econômica do messianismo quer ser conforme a ideologia do Mercado Financeiro e da esperança do grande capital de que a mágica destruição do Estado getulista 1988 faça retornar  o velho modelo industrial paulista. Para convencer o Mercado e o grande capital de que o seu governo desmontará o Estado getulista e o embrião de Estado-cientista, Bolsonaro entregará um  superministério da economia para um homem do Mercado Financeiro, um chicago boy que trabalhou na ditadura ultraliberal de Pinochet.



Como fundamento da sociedade de classes gramatical, a soberania pequeno-burguesa capitalista neocolonial  é o fenômeno ideológico que sustenta o messianismo como fenômeno político.



Sobre a questão do Estado neofascista tropical, isso abordaremos em um outro ensaio. 



CHÂTELET & DUHAMEL & Pisier-Kouchner. Histoire des idées politiques. Paris; PUF, 1982

CHEVALLIER, Jean-Jacques. Histoire de la pensée politique. Paris: Payot & Rivages, 1993

POULANTZAS, Nicos. Pouvoir politique et classes sociales. V. 2. Paris: Maspero, 1975

POULANTZAS, Nicos. Fascismo e ditadura. SP: Martins Fontes, 1978



OUTROS

Revista VEJA. 24 de outubro de 2018.

              







          

 





                

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