segunda-feira, 18 de abril de 2016

POLÍTICA E ESPANTO (thaumazein)

18/04/2016
Sou um anão intelectual que sobe nos ombros de um Deus (Hannah Arendt) para escrever mal traçadas linhas. Mas antes me socorro no pensamento de Nietzsche que me é um espanto aporein (o estar perplexo devido à própria ignorância, que pode ser rompida pelo conhecimento): “Nossas mentes rechaçam a ideia do nascimento de uma coisa que pode nascer de uma contrária, por exemplo: a verdade do erro, a vontade do verdadeiro da vontade do erro; o ato desinteressado do egoísmo ou a contemplação pura do sábio da cobiça”. Mais adiante a citação vai revelar todo o seu poder bárbaro! 
Lendo Hannah descubro que a política só é possível com o dom da fala, e, com ele, o dom do argumento racional e o da resposta argumentada. Trata-se da cultura política oral da democracia grega (politeia). O mensageiro dos deuses semelhante a Íris trouxe para o homem tais dons. 
A política foi uma doação dos deuses como a filha daquele que espanta, aquilo que liga a terra ao céu. A paixão da política (pathos) é o espanto (thaumazein) admirativo que na cultura política da polis (politeia) é o espantar-se com os homens semelhantes a deuses (sofistas). Na cultura política aristocrática era o espantar-se, o admirar-se com o aparecimento de um deus. O espanto não é algo que os homens possam evocar por si mesmos, como os agentes políticos que conjuram espectros do passado para lhes dar uma força que eles não possuem, em épocas revolucionárias. O espanto é um pathos, algo sofrido, e não-produzido. Em Homero, a ação é algo reservado aos deuses, e aos homens cabe suportar sua aparição, e não dela fugir. Deuses nos religa ao Grande Outro (campo simbólico) condensado na sociedade de significantes - à ação de poder do significante. 
O espanto é admiração pela maravilha da fala, o dom de Íris. Para a cultura política grega, o logos não era apenas a fala, mas o dom do argumento racional que os distinguia da cultura política bárbara. Trata-se do espanto da manifestação da harmonia do invisível no reino das aparências do mundo sensível desarmônico. Quando a política religa a terra ao céu, ela faz isso se autoconstruindo como das Ding Bela. Se a terra é o mundo das aparências sensíveis (da lógica particular dos interesses egoístas, por exemplo), o céu é o invisível harmonioso e belo.  O bárbaro se definia como o ser desprovido de logos! 
A política é o reino das ideologias (das ideias desligadas da lógica dos interesses pessoais), é o céu que deve subjugar a pessoalização egoísta da política. Marx criou o significante técnico ideologia (isso era apenas uma palavra), que passou a articular a política com Lenin. Esse pensador russo fez de toda luta política uma luta entre ideologias de classes sociais. Estas são do reino do céu enquanto os indivíduos são do reino da terra. Há uma concepção da política leninista como uma atividade bela, que seduziu o planeta no século XX, e continua espantando Marcelo Lins. Confira as massas assassinadas em nome da luta política, que se transforma em credo quia absurdum! Por que Lenin assinou o documento para a execução infame, desnecessária e criminosa da família real tzarista? 
Nosso herói eletrônico só vê a política como um deve ser belo. Ele tem assistido ao espetáculo da tela gramatical eletrônica do impeachment da senhora Dilma Rousseff e foi possuído por uma repugnância provocada pela intervenção no microfone da Câmara Nacional do capitão deputado Bolsonaro que elogiou a ditadura militar e um coronel Brilhante Ustra, reconhecido torturador que gozava no sangue derramado e na carne destroçada da esquerda guerrilheira pela ditadura militar. A repugnância (asco) de Marcelo é uma recusa de vivenciar intencionalmente a política como um espetáculo da tela gramatical  eletrônico-política na estética do feio, do sujo, do mal. A tela gramatical não pode lembrar na política o discurso do Marquês de Sade que tem como objeto o belo corpo da mulher aristocrática. Para o capitão Bolsonaro e o torturador Brilhante os corpos dos guerrilheiros equivalem ao corpo da bela aristocrata! Na atualidade brasileira, o ersatz de corpo aristocrático feminino da cultura política francesa é o belo corpo aristocrático da jovem jornalista eletrônica!     
O espetáculo do impeachment está espantando a classe simbólica jornalística mundial. Esta diz que criminosos estão depondo uma mulher honesta. Agora lembrem de Nietzsche: “uma coisa pode nascer de uma contrária”. O jornalismo mundial e Marcelo veem Eduardo Cunha como criminoso, feio, mal. No pensamento metafísico deles o belo não pode nascer do feio, o Bem do Mal, nada de bom pode nascer do crime (Sade discorda veementemente ao defender a bárbara revolução republicana permanente). Este é o pensamento Ocidental, e o contrário dele é o pensamento bárbaro: o belo nasce do feio... A revolução republicana é o belo como ideologia e terror! 
O bárbaro é o nada impensável, inconcebível. Mas Nietzsche pensou barbaramente um experimento de pensamento cuja pungência reside na conexão íntima que liga o pensamento da physis política (a physis como totalidade das coisas que não são feitas pelo homem, nem criadas por um artífice divino, a não ser que este artífice seja a sociedade de significantes) ao pensamento bárbaro do nada. Aqui a necessidade da fé perceptiva na política não surge da admiração grega pela beleza (do jornalismo internacional dos EUA e da Europa, que não entende nada do nosso espetáculo político) e pela harmonia invisível que reúne a diversidade infinita das coisas particulares (não como lógica privatista da política), mas o simples fato de que ninguém pode pensar a physis política sem ao mesmo tempo pensar o nada, a barbárie, ou pensar no significado sem pensar na futilidade, na vaidade e na ausência de um processo de significação! O discurso político é uma porta para o Real. 
Enfim, a própria atividade do pensar político já pressupõe a existência da physis, que é esse estar aí completamente sem sentido que faz o nosso herói jornalista estrangeiro exclamar: “Imundice. Quanta imundice... mas ela estava lá, firme, e era tanta, tons e mais tons da existência [política], infinitamente”.
Querido Marcelo (e queridos jornalistas internacionais), Eduardo Cunha é um significante bárbaro nietzschiano. Ele é o feio que cria o belo (pela primeira vez a nossa política como um Sistema Político). Ele é o erro que cria uma verdade: Dilma Rousseff adeus! Ele é o ato vil egoísta que cria o ato desinteressado. Isso é a existência da physis política, pois, o herói ou o anti-herói são criaturas da sociedade de significantes. 
Perceba Marcelo, eles não são criaturas da bela sociedade de significante grega da antiguidade que contínua nos espantar com as massas-sonho sujeito zero grego

Nenhum comentário:

Postar um comentário