domingo, 29 de dezembro de 2019

FOUCAULT e as gramáticas do capitalismo globalizado


José Paulo


GRAMÁTICAS DA ECONOMIA [da política] E ENUNCIADO

A história acabada articula-se como campo de enunciado, gramática da sociedade e/ou da política, acaso e contingência.
O campo de enunciado põe a gramática em relação com o campo de objetos, campo de poderes/saberes, posições subjetivas no campo de sujeitos. O campo de exercício da função enunciativa aloja o enunciado nos espaços supracitados em que são considerados, utilizados e repetidos. (Foucault.2017:129).
O livro “A arqueologia do saber’ constrói uma ponte, virtual, com a gramática da economia ou discurso econômico (Foucault. 2017: 131). Não há gramática da economia que não seja cruzada pelo campo do enunciado. (Foucault. 2017: 138). A existência do campo do indivíduo, sujeito, ou melhor, campo do <autor>, individual ou coletivo (Foucault. 2017: 130) é condicionada pela existência do campo do enunciado e pelas gramática do capitalismo.
A linguagem econômica ou gramática da economia é, também, em seu aparecimento e seu modo de ser o campo do enunciado:
“A linguagem, na instância de seu aparecimento e seu modo de ser, é o enunciado”. (Foucault. 2017: 138).
A política é uma modalidade de utilização da gramática política ou formação de discurso político, sendo o discurso:
“um conjunto de enunciados que se apoia um mesmo sistema de formação; é assim que poderei falar do discurso clínico, do discurso econômico, do discurso da história natural, do discurso psiquiátrico”. (Foucault. 2017: 131).
Mesmo Lacan reconhece a existência do discurso político como gramática do significante atravessada pelo campo do enunciado e contingência ou real:
“Mas, ao entrar o discurso político – atente-se para isso – no avatar, produziu-se o advento do real, a alunissagem, aliás, sem que o filósofo que há em todos nós, por intermédio do jornal, se comovesse com isso, a não ser vagamente”. (Lacan. 2003: 535).
Foucault fixa a gramática do significante em um campo do enunciado articulador das posições de sujeito em um campo de poderes/saberes:
“Trata-se de suspender, no exame da linguagem, não apenas o ponto de vista do significado (o que já é comum agora), mas também o do significante, para fazer surgir o fato de que em ambos existe linguagem, de acordo com domínios de objetos e sujeitos possíveis, de acordo com outras formulações e reutilizações eventuais”. (Foucault. 2017: 136).
A formação discursiva é o ponto-de-partida para a abordagem do porto que queremos conquistar:
“a formação discursiva é o sistema enunciativo geral ao qual obedece um grupo de performances verbais – sistema que não o rege sozinho, já que ele obedece, ainda, e segundo suas outras dimensões, aos sistemas lógico, linguístico, psicológico. O que foi definido como ‘formação discursiva’ escande o plano geral das coisas ditas no nível específico dos enunciados. As quatro direções em que analisamos (formação de objetos, formação das posições subjetivas, formação dos conceitos, formações das escolhas estratégicas) correspondem aos quatro domínios em que se exerce a função enunciativa”. (Foucault. 2017: 142).
Trabalhando com os campos das gramáticas (sociedade, economia, política, história), o objetivo é fazer pendant desses campos com o campo de enunciado individualizado na formação discursiva:
“da mesma forma, que a descrição dos enunciados e da maneira pela qual se organiza o nível enunciativo conduz à individualização das formações discursivas”. (Foucault. 2017: 142).
Ou ainda:
“Chamaremos de discurso um conjunto de enunciados, na medida em que se apoiem na mesma formação discursiva”. (Foucault. 2017: 143).
A formação discursiva é o habitat do campo de enunciado regido também pelas gramáticas supracitadas. Há determinação ou sobredeterminação do campo do enunciado sobre as gramáticas?
O campo de enunciado articulado às gramáticas depende da “prática discursiva”:
“é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiriam, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa”. (Foucault. 2017: 144).
A prática discursiva se realiza, ou individualiza, ou se atualiza em uma dada <formação social gramatical>. A prática discursiva política <democracia liberal> foi fabricada por campos de poderes/saberes habitados por indivíduos/sujeitos/ autores na formação social gramatical ocidental. No entanto, ela precisa ser vivida nas formações sociais (países, grupos de países, nações) regradas por gramáticas da história econômica.
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A prática discursiva econômica da gramática da sociedade capitalista se apoia no campo de enunciado, que tem como enunciado-mestre: <o capital é uma relação social mediado por coisas>. Então, pode-se falar de uma formação social gramatical capitalista.
As gramáticas do capitalismo desenvolvido necessitam para a acumulação capitalista e reprodução ampliada de capital da formação social gramatical subdesenvolvida. O marxismo é a subjetividade que fala com efeitos do campo enunciativo da economia política. (Foucault. 2017:149):
“mas como o conjunto das coisas ditas, as relações, as regularidades e as transformações que podem aí ser observadas, o domínio do qual certas figuras e certos entrecruzamentos indicam o lugar singular de um sujeito falante e podem receber o nome de um autor. ‘Não importa quem fala’, mas o que ele diz não é dito de qualquer lugar. É considerado, necessariamente, no jogo de uma exterioridade”. (Foucault. 2017: 150).  
Um enunciado marxista encontra-se registrado no autor Rosa Luxemburgo, agora, relido na subjetividade que fala <gramática marxista da economia>. O enunciado liga a formação capitalista desenvolvida à subdesenvolvida:
“Considerada historicamente, a acumulação capitalista é uma espécie de metabolismo que se verifica entre os modos de produção capitalista e pré-capitalista.  Sem as formações pré-capitalistas, a acumulação não se pode verificar, mas, ao mesmo tempo, ela consiste na desintegração e assimilação delas. Assim, pois, nem a acumulação de capital pode realizar-se sem as estruturas não-capitalistas nem estas podem sequer se manter. A condição vital da acumulação do capital é a dissolução progressiva e contínua das formações pré-capitalistas”. (Rosa: 363).
O enunciado de Rosa relido pela gramática marxista é o fenômeno da recorrência:
“Todo enunciado compreende um campo de elementos antecedentes em relação aos quais se situa, mas que tem o poder de reorganizar-se e de distribuir segundo relações novas. Ele constitui seu passado, define naquilo que o precede, sua própria filiação, redesenha o que torna possível ou necessário, exclui o que não pode ser compatível com ele. Além disso, coloca o passado enunciativo como verdade adquirida, como um acontecimento que se produzia, como uma forma que se pode modificar, como matéria a transformar, ou ainda, como objeto de que se pode falar. Em relação a todas essas possibilidades de recorrência, a memória e o esquecimento, a redescoberta do sentido ou sua repressão, longe de serem leis fundamentais, não passam de figuras singulares. (Foucault. 2017: 152).
Rosa é retomada como parte do <arquivo> marxista: “O arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares”. (Foucault. 2017: 158).   
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No domínio das gramatas do capitalismo e do subdesenvolvimento, o capitalismo desenvolvido, avançado, cibernético existe em uma formação social gramatical (EUA, Ásia oriental, Alemanha), que necessita para a acumulação capitalista e reprodução ampliada de capital da formação social gramatical capitalista subdesenvolvida.
Para existir, a gramática do capitalismo desenvolvido cibernético cria e recria as gramáticas do subdesenvolvimento na América Latina, África e outras regiões econômicas.
Um caso clássico é a destruição da formação capitalista industrial dependente na América Latina e a passagem de países como Argentina, México, Brasil e Chile para o subdesenvolvimento capitalista.
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Um campo de enunciados neoliberal sustenta-se no enunciado <o livre mercado no comando da economia e do Estado>. O campo de enunciado neoliberal articula uma política de destruição do Estado social periférico e a tolerância à desarticulação da sociedade industrial capitalista dependente. Enfim, o enunciado neoliberal prepara o terreno para a gramática do subdesenvolvimento capitalista., sem que haja sucessão entre eles.  
A história econômica das gramáticas em tela parece dizer que a formação social gramatical subdesenvolvida é um universo em expansão planetária. Essas seria a característica do capitalismo globalizado na terceira década ado século XXI.
Países industrializados desenvolvidos podem vir a fazer parte da formação social gramatical subdesenvolvida. Nem a Europa ocidental está livre desse processo histórico do presente.
A história econômica supracitada planetária mexe e remexe com a política da democracia liberal. Não se trata de um determinismo econômico. A história econômica em tela abala a estrutura da democracia liberal em todo o mundo ocidental. Ela parece evocar no espaço político uma repetição histórica: fascismo. 
A produção política da contemporaneidade subdesenvolvida vai criando suas formas políticas sem um campo de enunciados correlatos, na América Latina? A política subdesenvolvida em tela dará margem à produção de um campo de enunciados invisíveis, para a cultura nacional pública,  a partir do campo de indivíduos/sujeitos/autores existindo em um campo de poderes/saberes.  
Um enunciado constitucional como <direitos individuais fundamentais> se tornou objeto de uma luta política entre as forças neoliberais, as forças do subdesenvolvimento e as forças progressistas que querem fazer a transição dos países subdesenvolvidos para as gramáticas do desenvolvimento capitalista cibernético.
É uma evidência que a Alemanha luta para encontrar seu lugar na formação social gramatical, capitalista, desenvolvida, cibernética. A democracia liberal não se encontra ameaçada na Alemanha, mesmo com o avanço de movimentos extremistas.
A política capitalista subdesenvolvida de Trump é uma ameaça ao curso natural da história econômica capitalista desenvolvida cibernética na formação social norte-americana. A burguesia republicana segue sob comando de Trump para derrotar a burguesia democrata na próxima eleição presidencial. Trata-se de um ponto de inflexão na história econômica dos Estados Unidos.     
 No campo de poderes/saberes, a posição de sujeito da burguesia republicana já significa a progressão acelerada do <capitalismo criminoso> (Platt:45-55) e do <criminostat> (Virilio: 55), fenômenos de desenvolvimento do subdesenvolvimento capitalista na América. O <criminostat> é uma forma de Estado noir da gramática do capitalismo subdesenvolvido.  
O discurso econômico subdesenvolvimento existe, também, em um campo de poderes/saberes do enunciado neoliberal. Ele é um objeto da luta política gramatical com sua estratégia e táticas:
“ele aparece como um bem – finito, limitado, desejável, útil – que tem suas regras de aparecimento e também suas condições de apropriação e de utilização; um bem que coloca, por conseguinte, desde sua existência (e não simplesmente em suas ‘aplicações práticas), a questão do poder; um bem que é, por natureza, o objeto de uma luta, e de uma luta política”. (Foucault. 2017: 148).
Pôr o neoliberalismo e o capitalismo subdesenvolvido em um arquivo do presente requer a aceitabilidade de que há um ersatz de gramática do arquivo discursivo:
“A arqueologia busca definir não os pensamentos, as representações, as imagens, os temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos, mas os próprios discursos, enquanto práticas que obedecem a regras”. (Foucault. 2017: 169). 
O discurso econômico ou economia política do subdesenvolvimento é reescrito na gramática marxista da economia. Esta é a reescrita da economia política em geral:
“Nada além e nada diferente de uma reescrita: isto é, na forma mantida da exterioridade, uma transformação regulada do que já foi escrito. Não o retorno ao próprio segredo da origem; é a descrição sistemática de um discurso-objeto”. (Foucault. 2017: 171).
O <período enunciativo> (Foucault. 2017: 182) da economia política marxista não acabou, pois, a gramática da economia política é sua regularidade homogênea/heterogênea como enunciabilidade, sem ser a análise bipolar do antigo e do novo. (Foucault. 2017: 173).  
A gramática da economia política em oposição à economia política deve ser tomada como oposição de momentos funcionais determinados, que assegura um <desenvolvimento adicional> do campo enunciativo”. (Foucault. 2017: 190). 
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O arquivo do subdesenvolvimento se desenvolve como uma prática discursiva em um espaço de diálogo?
   Há o passado discursivo do subdesenvolvimento da CEPAL, de Celso Furtado, e do marxismo americano. O subdesenvolvimento atual é um fato econômico ou artefato (“fato dito”) da gramática marxista da economia. Há diálogo entre o passado e o presente? Há sim uma reescrita da escrita do subdesenvolvimento do passado.
Aliás, há o desenvolvimento adicional do campo enunciativo das Américas:
“abrem sequencias de argumentação, de experiencia, de verificações, de inferências diversas; permitem a determinação de objetos novos, suscitam novas modalidades enunciativas, definem novos conceitos ou modificam o campo de aplicação dos que já existem, mas sem que nada seja modificado no sistema de positividade do discurso”. (Foucault. 2017: 190).   
Talvez, o estratégico do subdesenvolvimento sejam as práticas não-discursiva que envolvem o subdesenvolvimento como prática discursiva:
“A análise arqueológica individualiza e descreve formações discursivas, isto é, deve compará-las, opô-las, umas às outras na simultaneidade em que se apresentam, distingui-las das que não têm o mesmo calendário, relacioná-las no que podem ter de específico com as práticas não discursivas que as envolvem e lhes servem de elemento geral”. (Foucault. 2017: 192).
As práticas não discursivas das forças (econômica, política, cultural) do subdesenvolvimento têm uma modalidade de articulação que significa mais dominação do que hegemonia em uma formação social. Banco, Mercado Financeiro, mass media, Estado de segurança policial/privado, capitalismo criminoso, criminostat constituem a prática não discursiva que envolve a gramática da economia do subdesenvolvimento.
Em um momento no qual a consciência histórica nacional deixou de ser um enunciado de um campo enunciativo, o subdesenvolvimento avança progressivamente sem que os povos subdesenvolvidos saibam que sabem de seu destino subdesenvolvido.
Descrever enunciativamente o subdesenvolvimento nos leva para a o envolvimento da gramática da economia com as práticas não discursivas:
“é também para descrever, ao mesmo tempo que eles e em correlação com eles, um campo institucional, um conjunto de acontecimentos, de práticas, de decisões políticas, um encadeamento de processos econômicos em que figuram oscilações demográficas, técnicas de assistência, necessidade de mão de obra, níveis diferentes de desemprego etc.”. (Foucault. 2017: 192).  
Estabelecer a relação do campo enunciativo com os domínios não-discursivos, eis uma tática essencial da gramática do subdesenvolvimento:
“A arqueologia faz também com que apareçam relações entre as formações discursivas e os domínios não discursivos (instituições, acontecimentos políticos, práticas e processos econômicos)”. (Foucault. 2017: 198).
O aparecimento da formação discursiva do subdesenvolvimento se estabelece com o acontecimento político governo Bolsonaro e seu ministro Paulo Guedes. A instituição parlamento 2019 está no comando legislativo de práticas e processos econômicos, que têm em determinadas forças econômicas sua realidade possível. Elos fracos ligam o parlamento neoliberal ao capitalismo subdesenvolvido que desenvolvem o capitalismo criminoso e o criminostat como formas específicas de articulação subdesenvolvida.
A gramática da arqueologia:
“ela tenta determinar como as regras de formação de que depende – e que caracterizam a positividade a que pertence – podem estar ligadas a sistemas não discursivos: procura definir formas específicas de articulação”. (Foucault. 2017: 198).
Chegará um momento em que as formas específicas de articulação subdesenvolvida definirão a vida econômica e o próprio mundo da vida. Aí, a simples farmácia das cidades cosmopolitas (São Paulo, Rio, Buenos Aires) deixarão de funcionar, regularmente, como a parte final de vínculo do consumidor com o mercado farmacêutico do capitalismo industrial.  
O governo Bolsonaro instituiu uma política de destruição do capitalismo farmacêutico. Com isso inúmeros laboratórios nacionais e estrangeiros foram fechados. A falta de remédios de primeira necessidade já é uma realidade no Rio.  Crianças não são vacinadas por falta de vacina. A articulação do subdesenvolvimento tem como motor o governo neoliberal materializado no governo Bolsonaro e parlamento do presidente da Câmara Rodrigo Maia.    
Primeiro temos que descartar a relação casual da política nacional com o subdesenvolvimento capitalista:
“ Uma análise causal, em compensação, consistiria em procurar saber até que ponto as mudanças políticas, ou os processos econômicos, puderam determinar a consciência dos homens da ciência – o horizonte e a direção de seu interesse, seu sistema de valores, sua maneira de perceber as coisas, o estilo de sua racionalidade; assim, em uma época em que o capitalismo industrial começa a recensear suas necessidades de mão de obra, a doença tomou uma dimensão social: a manutenção da saúde, a cura, a assistência aos doentes pobres, a pesquisa das causas e dos focos patogênicos tornaram-se um encargo coletivo que o Estado devia, por um lado, assumir, e, por outro, supervisionar. Daí, resultam a valorização do corpo como instrumento de trabalho, o cuidado de racionalizar a medicina pelo modelo das outras ciências, os esforços para manter o nível de saúde de uma população, o cuidado com a terapêutica, a manutenção de seus efeitos, o registro dos fenômenos de longa duração”. (Foucault. 2017: 199).
Na Argentina e, especialmente no Brasil, a sociedade industrial em colapso muda a relação da política com a população, especialmente com os pobres doentes. Um Estado social industrial é dissolvido pela política não pela relação causal da história econômica com a política.
A formação discursiva neoliberal é um campo de enunciado no qual desfazer o Estado social é um enunciado reitor.  O discurso neoliberal antecipa a história econômica do subdesenvolvimento capitalista. O neoliberalismo é uma formação discursiva inventada nos Estados Unidos na década de 1970 e utilizada, pela primeira vez, no Chile do general Pinochet.
O que o subdesenvolvimento faz é destruir os campos de demarcação dos objetos médicos abertos na Europa a partir dos séculos XVIII e XI, abertos pela prática política europeia moderna:
“mas ela abriu novos campos de demarcação dos objetos médicos (tais como são constituídos pela massa da população administrativamente enquadrada e fiscalizada, avaliada segundo certas normas de vida e saúde, analisada segundo formas de registro documental e estatístico; são constituídos, também pelos grandes exércitos populares da ´época revolucionaria e napoleônica, com sua forma específica de controle médico; são constituídos, ainda, pelas instituições de assistência hospitalar que foram definidas, no final do século XVIII e no início do século XIX, em função das necessidades econômicas da época e da posição reciproca das classes sociais”. (Foucault. 2017: 200).  
O modelo de história do subdesenvolvimento capitalista se articula especificamente como descompromisso com a história da política europeia do capitalismo industrial, em função das necessidades econômicas da época e da posição das classes sociais em processo de proletarização.
A política não constitui a prática discursiva do subdesenvolvimento. No entanto, como a medicina, o subdesenvolvimento é um campo de enunciados que se articula em práticas que lhe são exteriores e que não são de natureza discursiva, como já apontamos:
“Não se trata, portanto, de mostrar como a prática política de uma dada sociedade constitui ou modificou os conceitos médicos e a estrutura teórica da patologia, mas como o discurso médico, como prática que se dirige a um certo campo de objetos, que se encontra nas mãos de um certo número de indivíduos estatutariamente designados, que tem, enfim, de exercer certas funções na sociedade, se articula em práticas que lhe são exteriores e que não são de natureza discursiva”. (Foucault. 2017: 201).
A política do subdesenvolvimento é exterior ao discurso do subdesenvolvimento. Aliás, o discurso não aparece no plano psicológico da representação ou como ideologia do mundo da vida. A gramática do subdesenvolvimento capitalista é conhecida pelos poucos capazes de suportá-la, pois, ela é a linguagem da vida real. Algo próximo ao real impossível de ser suportado.
No Brasil, o discurso subdesenvolvido não tem consciência, ele não se aloja em uma forma externa da linguagem; não é uma língua, com um sujeito para falá-lo; ele é uma prática que tem suas formas próprias de encadeamento e de sucessão.
A história foucaultiana das ideias do subdesenvolvimento fala de cortes, falhas, aberturas, formas inteiramente novas de positividade e redistribuição súbitas. (Foucault. 2017:202, 206).
A política neoliberal da curta duração entre o governo Temer e o Governo Bolsonaro não significa uma sucessão da ideia de subdesenvolvimento entre eles. A ideia de subdesenvolvimento é uma ideia desenvolvida, como prática governamental e legislativa, inteiramente, no governo Bolsonaro mais parlamento 2019, de Rodrigo Maia. A diferença entre o neoliberalismo de Temer e o de Bolsonaro consiste na diferença que a prática discursiva subdesenvolvida aí instala.
O subdesenvolvimento discursivo substitui uma formação discursiva da sociedade industrial dependente, que pode ser encontrada em autores como Fernando Henrique Cardoso e Ruy Mauro Marino. Destaco o livro “Dependência e desenvolvimento na América Latina”, nacionalizado nas culturas universitárias da América Latina.  No entanto, esses autores, obviamente, não determinam o aparecimento do acontecimento sociedade industrial na periferia do capitalismo industrial desenvolvido. (Foucault. 2019: 208-209).     
A acontecimento da substituição de um discurso por outro é a não necessidade de uma sociedade industrial da contemporaneidade no subdesenvolvimento capitalista.
Enfim, falar da substituição de um campo de enunciado por outro significa:
“Dizer que uma formação discursiva substitui outra não é dizer que todo um mundo de objetos, enunciações, conceitos, escolhas teóricas absolutamente novas surge já armado e organizado em um texto que o situaria de uma vez por todas; mas sim que aconteceu uma transformação geral de relações que, entretanto, não altera forçosamente todos os elemento; que os enunciados os enunciados obedecem a novas regras de formação e não que todos os objetos ou conceitos, todas as enunciações ou todas as escolhas teóricas desapareçam. (Foucault. 2017: 210).
A realidade do subdesenvolvimento vai se transformando em uma gramática da economia política periférica das gramáticas capitalista desenvolvidas, cibernéticas. 
A economia política do subdesenvolvimento é uma formação discursiva que estabelece um vínculo enunciativo entre Marx e a gramática da economia como fenômeno de <deslocamento segmentar>:
“Daí os fenômenos de ‘deslocamento segmentar’ de que se pode citar, pelo menos, um outro exemplo notório: conceitos como o de mais-valia ou de baixa tendencial da taxa de lucro, tais como se encontram em Marx, podem ser descritos a partir do sistema de positividade que já é empregado em Ricardo; ora esses conceitos (que são novos, mas cujas regras de formação não o são) aparecem – no próprio Marx – como referentes, ao mesmo tempo, a uma prática discursiva inteiramente diversa; são aí formados segundo leis específicas, ocupam outra posição, não figuram nos mesmos encadeamentos; essa positividade nova não é uma transformação das análises de Ricardo; não é uma nova economia política; é um discurso cuja instauração teve lugar em virtude da derivação de certos conceitos econômicos, mas que, em compensação, define as condições nas quais se exerce o discurso dos economistas e pode, pois, valer como teoria e crítica da economia política”. (Foucault. 2017: 212-213).
A falta e/ou a destruição da sociedade industrial cibernética desenvolvida é o acontecimento que assiná-la um emaranhado de continuidade e descontinuidade, de modificações internas às positividades, da formação discursiva subdesenvolvimento capitalista.
Um planeta estratificado por várias gramáticas econômicas capitalista e campos de enunciados de formações sociais gramaticais está em processo de construção.

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Gramáticas do capitalismo. Lisboa; Chiado Books, 2019
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Subdesenvolvimento hoje. Lisboa: Chiado Books, 2019
CARDOSO, Fernando Henrique. Dependência e desenvolvimento na América Latina. RJ: Zahar Editores, 1973 
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. RJ: Forense Universitária, 2017
LACAN, Jacques. Outros escritos. RJ: Jorge Zahar Editor, 2003
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017
ROSA LUXEMBURGO. A acumulação do capital. RJ: Zahar Editores, 1970
VIRILIO, Paul. Vitesse et politique. Paris: Galilée, 1977
     
   
                                                                        

  
  


 
 
                
     



    
 

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