José Paulo
GRAMÁTICAS
DA ECONOMIA [da política] E ENUNCIADO
A história
acabada articula-se como campo de enunciado, gramática da sociedade e/ou da
política, acaso e contingência.
O campo de enunciado põe a gramática em relação com o campo
de objetos, campo de poderes/saberes, posições subjetivas no campo de sujeitos.
O campo de exercício da função enunciativa aloja o enunciado nos espaços
supracitados em que são considerados, utilizados e repetidos. (Foucault.2017:129).
O livro “A arqueologia do saber’ constrói uma ponte, virtual,
com a gramática da economia ou discurso econômico (Foucault. 2017: 131). Não há
gramática da economia que não seja cruzada pelo campo do enunciado. (Foucault.
2017: 138). A existência do campo do indivíduo, sujeito, ou melhor, campo do <autor>, individual ou coletivo (Foucault.
2017: 130) é condicionada pela existência do campo do enunciado e pelas gramática
do capitalismo.
A linguagem econômica ou gramática da economia é, também, em
seu aparecimento e seu modo de ser o campo do enunciado:
“A linguagem, na instância de seu aparecimento e seu modo de
ser, é o enunciado”. (Foucault. 2017: 138).
A política é uma modalidade de utilização da gramática
política ou formação de discurso político, sendo o discurso:
“um conjunto de enunciados que se apoia um mesmo sistema de
formação; é assim que poderei falar do discurso clínico, do discurso econômico,
do discurso da história natural, do discurso psiquiátrico”. (Foucault. 2017:
131).
Mesmo Lacan reconhece a existência do discurso político como
gramática do significante atravessada pelo campo do enunciado e contingência ou
real:
“Mas, ao entrar o discurso político – atente-se para isso –
no avatar, produziu-se o advento do real, a alunissagem, aliás, sem que o
filósofo que há em todos nós, por intermédio do jornal, se comovesse com isso,
a não ser vagamente”. (Lacan. 2003: 535).
Foucault fixa a gramática do significante em um campo do
enunciado articulador das posições de sujeito em um campo de poderes/saberes:
“Trata-se de suspender, no exame da linguagem, não apenas o
ponto de vista do significado (o que já é comum agora), mas também o do
significante, para fazer surgir o fato de que em ambos existe linguagem, de
acordo com domínios de objetos e sujeitos possíveis, de acordo com outras
formulações e reutilizações eventuais”. (Foucault. 2017: 136).
A formação discursiva é o ponto-de-partida para a abordagem
do porto que queremos conquistar:
“a formação discursiva é o sistema enunciativo geral ao qual
obedece um grupo de performances verbais – sistema que não o rege
sozinho, já que ele obedece, ainda, e segundo suas outras dimensões, aos
sistemas lógico, linguístico, psicológico. O que foi definido como ‘formação
discursiva’ escande o plano geral das coisas ditas no nível específico dos
enunciados. As quatro direções em que analisamos (formação de objetos, formação
das posições subjetivas, formação dos conceitos, formações das escolhas
estratégicas) correspondem aos quatro domínios em que se exerce a função
enunciativa”. (Foucault. 2017: 142).
Trabalhando com os campos das gramáticas (sociedade,
economia, política, história), o objetivo é fazer pendant desses campos com o
campo de enunciado individualizado na formação discursiva:
“da mesma forma, que a descrição dos enunciados e da maneira
pela qual se organiza o nível enunciativo conduz à individualização das
formações discursivas”. (Foucault. 2017: 142).
Ou ainda:
“Chamaremos de discurso um conjunto de enunciados, na medida
em que se apoiem na mesma formação discursiva”. (Foucault. 2017: 143).
A formação discursiva é o habitat do campo de enunciado
regido também pelas gramáticas supracitadas. Há determinação ou
sobredeterminação do campo do enunciado sobre as gramáticas?
O campo de enunciado articulado às gramáticas depende da
“prática discursiva”:
“é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre
determinadas no tempo e no espaço, que definiriam, em uma dada época e para uma
determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de
exercício da função enunciativa”. (Foucault. 2017: 144).
A prática discursiva se realiza, ou individualiza, ou se
atualiza em uma dada <formação social gramatical>. A prática discursiva política <democracia liberal> foi fabricada por campos de
poderes/saberes habitados por indivíduos/sujeitos/ autores na formação social
gramatical ocidental. No entanto, ela precisa ser vivida nas formações sociais
(países, grupos de países, nações) regradas por gramáticas da história
econômica.
2
A prática discursiva econômica da gramática da sociedade
capitalista se apoia no campo de enunciado, que tem como enunciado-mestre: <o capital é uma relação social mediado por coisas>. Então, pode-se falar de uma formação social gramatical
capitalista.
As gramáticas do capitalismo desenvolvido necessitam para a
acumulação capitalista e reprodução ampliada de capital da formação social
gramatical subdesenvolvida. O marxismo é a subjetividade que fala com efeitos
do campo enunciativo da economia política. (Foucault. 2017:149):
“mas como o conjunto das coisas ditas, as relações, as
regularidades e as transformações que podem aí ser observadas, o domínio do
qual certas figuras e certos entrecruzamentos indicam o lugar singular de um
sujeito falante e podem receber o nome de um autor. ‘Não importa quem fala’,
mas o que ele diz não é dito de qualquer lugar. É considerado, necessariamente,
no jogo de uma exterioridade”. (Foucault. 2017: 150).
Um enunciado marxista encontra-se registrado no autor Rosa
Luxemburgo, agora, relido na subjetividade que fala <gramática marxista da economia>. O enunciado liga a formação
capitalista desenvolvida à subdesenvolvida:
“Considerada historicamente, a acumulação capitalista é uma
espécie de metabolismo que se verifica entre os modos de produção capitalista e
pré-capitalista. Sem as formações
pré-capitalistas, a acumulação não se pode verificar, mas, ao mesmo tempo, ela
consiste na desintegração e assimilação delas. Assim, pois, nem a acumulação de
capital pode realizar-se sem as estruturas não-capitalistas nem estas podem
sequer se manter. A condição vital da acumulação do capital é a dissolução
progressiva e contínua das formações pré-capitalistas”. (Rosa: 363).
O enunciado de Rosa relido pela gramática marxista é o
fenômeno da recorrência:
“Todo enunciado compreende um campo de elementos antecedentes
em relação aos quais se situa, mas que tem o poder de reorganizar-se e de
distribuir segundo relações novas. Ele constitui seu passado, define naquilo
que o precede, sua própria filiação, redesenha o que torna possível ou
necessário, exclui o que não pode ser compatível com ele. Além disso, coloca o
passado enunciativo como verdade adquirida, como um acontecimento que se
produzia, como uma forma que se pode modificar, como matéria a transformar, ou
ainda, como objeto de que se pode falar. Em relação a todas essas
possibilidades de recorrência, a memória e o esquecimento, a redescoberta do
sentido ou sua repressão, longe de serem leis fundamentais, não passam de
figuras singulares. (Foucault. 2017: 152).
Rosa é retomada como parte do <arquivo> marxista: “O arquivo é, de início, a
lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como
acontecimentos singulares”. (Foucault. 2017: 158).
3
No domínio das gramatas do capitalismo e do
subdesenvolvimento, o capitalismo desenvolvido, avançado, cibernético existe em
uma formação social gramatical (EUA, Ásia oriental, Alemanha), que necessita
para a acumulação capitalista e reprodução ampliada de capital da formação
social gramatical capitalista subdesenvolvida.
Para existir, a gramática do capitalismo desenvolvido
cibernético cria e recria as gramáticas do subdesenvolvimento na América
Latina, África e outras regiões econômicas.
Um caso clássico é a destruição da formação capitalista
industrial dependente na América Latina e a passagem de países como Argentina,
México, Brasil e Chile para o subdesenvolvimento capitalista.
4
Um campo de enunciados neoliberal sustenta-se no enunciado <o livre mercado no comando da economia e do Estado>. O campo de enunciado neoliberal articula uma política de
destruição do Estado social periférico e a tolerância à desarticulação da
sociedade industrial capitalista dependente. Enfim, o enunciado neoliberal
prepara o terreno para a gramática do subdesenvolvimento capitalista., sem que
haja sucessão entre eles.
A história econômica das gramáticas em tela parece dizer que
a formação social gramatical subdesenvolvida é um universo em expansão
planetária. Essas seria a característica do capitalismo globalizado na terceira
década ado século XXI.
Países industrializados desenvolvidos podem vir a fazer parte
da formação social gramatical subdesenvolvida. Nem a Europa ocidental está
livre desse processo histórico do presente.
A história econômica supracitada planetária mexe e remexe com
a política da democracia liberal. Não se trata de um determinismo econômico. A história
econômica em tela abala a estrutura da democracia liberal em todo o mundo
ocidental. Ela parece evocar no espaço político uma repetição histórica:
fascismo.
A produção política da contemporaneidade subdesenvolvida vai
criando suas formas políticas sem um campo de enunciados correlatos, na América
Latina? A política subdesenvolvida em tela dará margem à produção de um campo
de enunciados invisíveis, para a cultura nacional pública, a partir do campo de
indivíduos/sujeitos/autores existindo em um campo de poderes/saberes.
Um enunciado constitucional como <direitos individuais fundamentais> se tornou objeto de uma luta política entre as forças
neoliberais, as forças do subdesenvolvimento e as forças progressistas que
querem fazer a transição dos países subdesenvolvidos para as gramáticas do
desenvolvimento capitalista cibernético.
É uma evidência que a Alemanha luta para encontrar seu lugar
na formação social gramatical, capitalista, desenvolvida, cibernética. A
democracia liberal não se encontra ameaçada na Alemanha, mesmo com o avanço de
movimentos extremistas.
A política capitalista subdesenvolvida de Trump é uma ameaça ao
curso natural da história econômica capitalista desenvolvida cibernética na
formação social norte-americana. A burguesia republicana segue sob comando de
Trump para derrotar a burguesia democrata na próxima eleição presidencial.
Trata-se de um ponto de inflexão na história econômica dos Estados Unidos.
No campo de
poderes/saberes, a posição de sujeito da burguesia republicana já significa a
progressão acelerada do <capitalismo criminoso> (Platt:45-55) e do <criminostat> (Virilio: 55), fenômenos de desenvolvimento do
subdesenvolvimento capitalista na América. O <criminostat> é uma forma de Estado noir da gramática do capitalismo
subdesenvolvido.
O discurso econômico subdesenvolvimento existe, também, em um
campo de poderes/saberes do enunciado neoliberal. Ele é um objeto da luta
política gramatical com sua estratégia e táticas:
“ele aparece como um bem – finito, limitado, desejável, útil
– que tem suas regras de aparecimento e também suas condições de apropriação e
de utilização; um bem que coloca, por conseguinte, desde sua existência (e não
simplesmente em suas ‘aplicações práticas), a questão do poder; um bem que é,
por natureza, o objeto de uma luta, e de uma luta política”. (Foucault. 2017:
148).
Pôr o neoliberalismo e o capitalismo subdesenvolvido em um
arquivo do presente requer a aceitabilidade de que há um ersatz de gramática do
arquivo discursivo:
“A arqueologia busca definir não os pensamentos, as
representações, as imagens, os temas, as obsessões que se ocultam ou se
manifestam nos discursos, mas os próprios discursos, enquanto práticas que
obedecem a regras”. (Foucault. 2017: 169).
O discurso econômico ou economia política do subdesenvolvimento
é reescrito na gramática marxista da economia. Esta é a reescrita da economia
política em geral:
“Nada além e nada diferente de uma reescrita: isto é, na
forma mantida da exterioridade, uma transformação regulada do que já foi
escrito. Não o retorno ao próprio segredo da origem; é a descrição sistemática
de um discurso-objeto”. (Foucault. 2017: 171).
O <período enunciativo> (Foucault. 2017: 182) da economia política marxista não
acabou, pois, a gramática da economia política é sua regularidade
homogênea/heterogênea como enunciabilidade, sem ser a análise bipolar do antigo
e do novo. (Foucault. 2017: 173).
A gramática da economia política em oposição à economia
política deve ser tomada como oposição de momentos funcionais determinados, que
assegura um <desenvolvimento adicional> do campo enunciativo”. (Foucault. 2017: 190).
5
O arquivo do subdesenvolvimento se desenvolve como uma
prática discursiva em um espaço de diálogo?
Há o
passado discursivo do subdesenvolvimento da CEPAL, de Celso Furtado, e do
marxismo americano. O subdesenvolvimento atual é um fato econômico ou artefato
(“fato dito”) da gramática marxista da economia. Há diálogo entre o passado e o
presente? Há sim uma reescrita da escrita do subdesenvolvimento do passado.
Aliás, há o desenvolvimento adicional do campo enunciativo das
Américas:
“abrem sequencias de argumentação, de experiencia, de
verificações, de inferências diversas; permitem a determinação de objetos
novos, suscitam novas modalidades enunciativas, definem novos conceitos ou
modificam o campo de aplicação dos que já existem, mas sem que nada seja
modificado no sistema de positividade do discurso”. (Foucault. 2017: 190).
Talvez, o estratégico do subdesenvolvimento sejam as práticas
não-discursiva que envolvem o subdesenvolvimento como prática discursiva:
“A análise arqueológica individualiza e descreve formações
discursivas, isto é, deve compará-las, opô-las, umas às outras na
simultaneidade em que se apresentam, distingui-las das que não têm o mesmo
calendário, relacioná-las no que podem ter de específico com as práticas não
discursivas que as envolvem e lhes servem de elemento geral”. (Foucault. 2017:
192).
As práticas não discursivas das forças (econômica, política,
cultural) do subdesenvolvimento têm uma modalidade de articulação que significa
mais dominação do que hegemonia em uma formação social. Banco, Mercado
Financeiro, mass media, Estado de segurança policial/privado, capitalismo
criminoso, criminostat constituem a prática não discursiva que envolve a
gramática da economia do subdesenvolvimento.
Em um momento no qual a consciência histórica nacional deixou
de ser um enunciado de um campo enunciativo, o subdesenvolvimento avança
progressivamente sem que os povos subdesenvolvidos saibam que sabem de seu
destino subdesenvolvido.
Descrever enunciativamente o subdesenvolvimento nos leva para
a o envolvimento da gramática da economia com as práticas não discursivas:
“é também para descrever, ao mesmo tempo que eles e em
correlação com eles, um campo institucional, um conjunto de acontecimentos, de
práticas, de decisões políticas, um encadeamento de processos econômicos em que
figuram oscilações demográficas, técnicas de assistência, necessidade de mão de
obra, níveis diferentes de desemprego etc.”. (Foucault. 2017: 192).
Estabelecer a relação do campo enunciativo com os domínios
não-discursivos, eis uma tática essencial da gramática do subdesenvolvimento:
“A arqueologia faz também com que apareçam relações entre as
formações discursivas e os domínios não discursivos (instituições,
acontecimentos políticos, práticas e processos econômicos)”. (Foucault. 2017:
198).
O aparecimento da formação discursiva do subdesenvolvimento
se estabelece com o acontecimento político governo Bolsonaro e seu ministro
Paulo Guedes. A instituição parlamento 2019 está no comando legislativo de
práticas e processos econômicos, que têm em determinadas forças econômicas sua
realidade possível. Elos fracos ligam o parlamento neoliberal ao capitalismo
subdesenvolvido que desenvolvem o capitalismo criminoso e o criminostat como formas
específicas de articulação subdesenvolvida.
A gramática da arqueologia:
“ela tenta determinar como as regras de formação de que
depende – e que caracterizam a positividade a que pertence – podem estar
ligadas a sistemas não discursivos: procura definir formas específicas de
articulação”. (Foucault. 2017: 198).
Chegará um momento em que as formas específicas de
articulação subdesenvolvida definirão a vida econômica e o próprio mundo da
vida. Aí, a simples farmácia das cidades cosmopolitas (São Paulo, Rio, Buenos
Aires) deixarão de funcionar, regularmente, como a parte final de vínculo do
consumidor com o mercado farmacêutico do capitalismo industrial.
O governo Bolsonaro instituiu uma política de destruição do
capitalismo farmacêutico. Com isso inúmeros laboratórios nacionais e
estrangeiros foram fechados. A falta de remédios de primeira necessidade já é
uma realidade no Rio. Crianças não são
vacinadas por falta de vacina. A articulação do subdesenvolvimento tem como
motor o governo neoliberal materializado no governo Bolsonaro e parlamento do
presidente da Câmara Rodrigo Maia.
Primeiro temos que descartar a relação casual da política nacional
com o subdesenvolvimento capitalista:
“ Uma análise causal, em compensação, consistiria em procurar
saber até que ponto as mudanças políticas, ou os processos econômicos, puderam
determinar a consciência dos homens da ciência – o horizonte e a direção de seu
interesse, seu sistema de valores, sua maneira de perceber as coisas, o estilo
de sua racionalidade; assim, em uma época em que o capitalismo industrial
começa a recensear suas necessidades de mão de obra, a doença tomou uma
dimensão social: a manutenção da saúde, a cura, a assistência aos doentes
pobres, a pesquisa das causas e dos focos patogênicos tornaram-se um encargo
coletivo que o Estado devia, por um lado, assumir, e, por outro, supervisionar.
Daí, resultam a valorização do corpo como instrumento de trabalho, o cuidado de
racionalizar a medicina pelo modelo das outras ciências, os esforços para
manter o nível de saúde de uma população, o cuidado com a terapêutica, a
manutenção de seus efeitos, o registro dos fenômenos de longa duração”.
(Foucault. 2017: 199).
Na Argentina e, especialmente no Brasil, a sociedade
industrial em colapso muda a relação da política com a população, especialmente
com os pobres doentes. Um Estado social industrial é dissolvido pela política
não pela relação causal da história econômica com a política.
A formação discursiva neoliberal é um campo de enunciado no
qual desfazer o Estado social é um enunciado reitor. O discurso neoliberal antecipa a história
econômica do subdesenvolvimento capitalista. O neoliberalismo é uma formação
discursiva inventada nos Estados Unidos na década de 1970 e utilizada, pela
primeira vez, no Chile do general Pinochet.
O que o subdesenvolvimento faz é destruir os campos de
demarcação dos objetos médicos abertos na Europa a partir dos séculos XVIII e
XI, abertos pela prática política europeia moderna:
“mas ela abriu novos campos de demarcação dos objetos médicos
(tais como são constituídos pela massa da população administrativamente
enquadrada e fiscalizada, avaliada segundo certas normas de vida e saúde,
analisada segundo formas de registro documental e estatístico; são
constituídos, também pelos grandes exércitos populares da ´época revolucionaria
e napoleônica, com sua forma específica de controle médico; são constituídos,
ainda, pelas instituições de assistência hospitalar que foram definidas, no
final do século XVIII e no início do século XIX, em função das necessidades
econômicas da época e da posição reciproca das classes sociais”. (Foucault.
2017: 200).
O modelo de história do subdesenvolvimento capitalista se
articula especificamente como descompromisso com a história da política
europeia do capitalismo industrial, em função das necessidades econômicas da
época e da posição das classes sociais em processo de proletarização.
A política não constitui a prática discursiva do
subdesenvolvimento. No entanto, como a medicina, o subdesenvolvimento é um
campo de enunciados que se articula em práticas que lhe são exteriores e que
não são de natureza discursiva, como já apontamos:
“Não se trata, portanto, de mostrar como a prática política
de uma dada sociedade constitui ou modificou os conceitos médicos e a estrutura
teórica da patologia, mas como o discurso médico, como prática que se dirige a
um certo campo de objetos, que se encontra nas mãos de um certo número de
indivíduos estatutariamente designados, que tem, enfim, de exercer certas
funções na sociedade, se articula em práticas que lhe são exteriores e que não
são de natureza discursiva”. (Foucault. 2017: 201).
A política do subdesenvolvimento é exterior ao discurso do
subdesenvolvimento. Aliás, o discurso não aparece no plano psicológico da
representação ou como ideologia do mundo da vida. A gramática do
subdesenvolvimento capitalista é conhecida pelos poucos capazes de suportá-la,
pois, ela é a linguagem da vida real. Algo próximo ao real impossível de ser
suportado.
No Brasil, o discurso subdesenvolvido não tem consciência,
ele não se aloja em uma forma externa da linguagem; não é uma língua, com um
sujeito para falá-lo; ele é uma prática que tem suas formas próprias de
encadeamento e de sucessão.
A história foucaultiana das ideias do subdesenvolvimento fala
de cortes, falhas, aberturas, formas inteiramente novas de positividade e
redistribuição súbitas. (Foucault. 2017:202, 206).
A política neoliberal da curta duração entre o governo Temer
e o Governo Bolsonaro não significa uma sucessão da ideia de subdesenvolvimento
entre eles. A ideia de subdesenvolvimento é uma ideia desenvolvida, como
prática governamental e legislativa, inteiramente, no governo Bolsonaro mais
parlamento 2019, de Rodrigo Maia. A diferença entre o neoliberalismo de Temer e
o de Bolsonaro consiste na diferença que a prática discursiva subdesenvolvida
aí instala.
O subdesenvolvimento discursivo substitui uma formação
discursiva da sociedade industrial dependente, que pode ser encontrada em autores
como Fernando Henrique Cardoso e Ruy Mauro Marino. Destaco o livro “Dependência
e desenvolvimento na América Latina”, nacionalizado nas culturas universitárias
da América Latina. No entanto, esses
autores, obviamente, não determinam o aparecimento do acontecimento sociedade
industrial na periferia do capitalismo industrial desenvolvido. (Foucault.
2019: 208-209).
A acontecimento da substituição de um discurso por outro é a
não necessidade de uma sociedade industrial da contemporaneidade no
subdesenvolvimento capitalista.
Enfim, falar da substituição de um campo de enunciado por
outro significa:
“Dizer que uma formação discursiva substitui outra não é
dizer que todo um mundo de objetos, enunciações, conceitos, escolhas teóricas
absolutamente novas surge já armado e organizado em um texto que o situaria de
uma vez por todas; mas sim que aconteceu uma transformação geral de relações
que, entretanto, não altera forçosamente todos os elemento; que os enunciados
os enunciados obedecem a novas regras de formação e não que todos os objetos ou
conceitos, todas as enunciações ou todas as escolhas teóricas desapareçam.
(Foucault. 2017: 210).
A realidade do subdesenvolvimento vai se transformando em uma
gramática da economia política periférica das gramáticas capitalista
desenvolvidas, cibernéticas.
A economia política do subdesenvolvimento é uma formação
discursiva que estabelece um vínculo enunciativo entre Marx e a gramática da
economia como fenômeno de <deslocamento segmentar>:
“Daí os fenômenos de ‘deslocamento segmentar’ de que se pode
citar, pelo menos, um outro exemplo notório: conceitos como o de mais-valia ou
de baixa tendencial da taxa de lucro, tais como se encontram em Marx, podem ser
descritos a partir do sistema de positividade que já é empregado em Ricardo;
ora esses conceitos (que são novos, mas cujas regras de formação não o são)
aparecem – no próprio Marx – como referentes, ao mesmo tempo, a uma prática
discursiva inteiramente diversa; são aí formados segundo leis específicas,
ocupam outra posição, não figuram nos mesmos encadeamentos; essa positividade
nova não é uma transformação das análises de Ricardo; não é uma nova economia
política; é um discurso cuja instauração teve lugar em virtude da derivação de
certos conceitos econômicos, mas que, em compensação, define as condições nas
quais se exerce o discurso dos economistas e pode, pois, valer como teoria e
crítica da economia política”. (Foucault. 2017: 212-213).
A falta e/ou a destruição da sociedade industrial cibernética
desenvolvida é o acontecimento que assiná-la um emaranhado de continuidade e
descontinuidade, de modificações internas às positividades, da formação
discursiva subdesenvolvimento capitalista.
Um planeta estratificado por várias gramáticas econômicas capitalista
e campos de enunciados de formações sociais gramaticais está em processo de
construção.
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Gramáticas do capitalismo.
Lisboa; Chiado Books, 2019
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Subdesenvolvimento hoje.
Lisboa: Chiado Books, 2019
CARDOSO, Fernando Henrique. Dependência e desenvolvimento na
América Latina. RJ: Zahar Editores, 1973
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. RJ: Forense
Universitária, 2017
LACAN, Jacques. Outros escritos. RJ: Jorge Zahar Editor, 2003
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017
ROSA LUXEMBURGO. A acumulação do capital. RJ: Zahar Editores,
1970
VIRILIO, Paul. Vitesse et politique. Paris: Galilée, 1977
Nenhum comentário:
Postar um comentário