sábado, 18 de maio de 2019

POULANTZAS E BOLSONARO


José Paulo

DA CRISE DO ESTADO BRASILEIRO

Em uma favela do Rio, uma boca-de-fumo é assaltada por uma gangue de ladrões comuns. Qualquer carioca de dez anos sabe que existe uma ordem infrapolítica nas comunidades, mantida pelo poder do tráfico. A perda de <respeito> por esse poder armado, feroz, implacável denota um estágio avançado de uma crise de Estado ampliado, pois, a comunidade popular urbana pertence ao domínio do Criminostat, ou Estado noir.
O “Fascismo e ditadura, de Nicos Poulantzas, é um livro maravilhoso e muito útil para se refletir sobre a nossa situação política, em maio-junho, de 2019.

O governo Bolsonaro 2019 é a vontade infrapolítica de governar por decretos. O Decreto n° 9.794, de 14 de maio publicado no Diário Oficial é uma declaração de guerra contraconstitucional ao movimento de rua, de 1 milhão de jovens estudantes, em todo o país contra o corte de capital público para as universidades públicas, institutos federais, escolas públicas etc.

O Decreto 9.794 permite a um general do governo da Casa Civil fazer uma intervenção direta, aberta, nas Universidades federais (assessorado pela polícia secreta do general Heleno) para a escolha de reitores e quadros do segundo e terceiro escalão da administração universitária. Este decreto é um ataque aberto ao Artigo 207 da Constituição Federal 1988, que garante autonomia à universidade:
“Artigo 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e observarão o princípio de indissolubilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.

Bolsonaro tem a seu dispor estrategistas militares (generais no governo do aparelho de Estado), formados pela ESG e aparelhos de ensino superiores das Forças Armadas. O governo Bolsonaro tem uma relação orgânica com as F.A., categoria burocrática que vai funcionando como casta-apoio, pois, de privilegiados, do governo messiânico (de Jair Messias Bolsonaro). Então, começo pelo Estado legal nacional.

DA CRISE DO ESTADO

O Estado é composto de aparelho repressivo (ditadura) e aparelhos ideológicos (hegemonia). O aparelho repressivo compreende ramo especiais como exército, a polícia, a administração, os tribunais, o governo. Os aparelhos ideológicos são: Igreja/igrejas (aparelho religioso), os partidos políticos (aparelho político), os sindicatos (aparelho sindical), as escolas e a Universidade (aparelho escolar), os meios de “informação” (jornais, rádios, cinema, televisão, em suma, o aparelho de informação), o domínio “cultural” (a edição), a família sob um certo aspecto.

O governo 2019 é um governo familial (família que funciona como um clã político no poder central). O Ministério Público carioca encontra-se em uma investigação do filho-senador Flávio Bolsonaro atribuindo a este a categoria do código penal chefe de uma organização criminosa. Trata-se da organização criminosa acusada pelo assassinato da parlamentar carioca Marielle Franco. É atribuído a Flávio vários crimes, entre eles, lavagem de dinheiro etc. Assim, Flávio aparece como um agente econômico do <capitalismo criminoso>. (Platt: 39-41).

Há em desenvolvimento uma contradição entre um ramo do aparelho policial e o governo central. Esta contradição afeta a essência do aparelho repressivo, pois, este se caracteriza por ter uma certa unidade burocrático-administrativa definida pelo monopólio da violência real. O decreto do governo extremista 2019 de legalização do porte de armas (para cerca de 19 milhões de consumidores) significa a quebra do monopólio da violência real pelo aparelho repressivo de Estado.O monopólio da violência real nas mãos do aparelho repressivo é um fato natural da nossa cultura política.

O Estado é uma condensação de uma relação de forças conjuntural entre grupos dominantes e as massas em luta aberta. O problema é que ele constitui a unidade política dos grupos dominantes, ele instaura certos grupos como dominantes. Os partidos políticos e o conjunto dos aparelhos (repressivo e ideológicos) desempenham a função de organização e unificação da burguesia e do bloco no poder. (Poulantzas.1980: 145-146).

Aos 4 meses de governo, a intervenção aberta e ilegal (inconstitucional) do governo no aparelho escolar gerou um movimento de massas da pequena burguesia e camadas do proletariado que pode envolver milhões de jovens, pois, o governo ataca interesses vitais (e a felicidade) da juventude urbana nacional. Cerca de um milhão de jovens se manifestaram nas ruas das capitais de todo o país, e, foram qualificados pelo presidente da República de “idiotas inúteis” e imbecis. A fala presidencial teve o efeito de pôr as instituições público e privadas (as famílias dos estudantes em milhões de pessoas) de diferentes campos contra o governo. A fala se tornou um  combustível capaz de incendiar a alma do Estado e da Nação. A fala presidencial é um componente essencial do governo extremista em colapso.

O governo conta com um bloco no poder conservador formado pelo Mercado Financeiro, economia de commodities, mass media jornalístico e as Forças Armadas. O governo em tela é um ersatz de governo militar ditatorial.  As F.A. funcionam como categoria social-apoio -burocratismo- (Poulantzas. 179: 179) do governo extremista miliciano.

As F. A. dão caução a um governo que é um efeito de uma certa economia política miliciana que faz pendant com o capitalismo criminoso e o criminostat (Virilio:54-55). A corrupção das F.A. aparece como o capítulo, por excelência, da corrupção política da burocracia pública. O grupo-apoio público armado do bloco no poder aparece como aliado de uma facção miliciana política carioca. O general chefe da Defesa chegou a defender a economia miliciana. Tais relações se encontram expostas na tela do aparelho de informação e aparelho cultural nacionalmente e internacionalmente.

O bloco no poder conservador atravessa uma crise larvar do aparelho político (sistema de partidos políticos).  Tal sistema está em colapso permanente, pois, a corrupção judicial o atingiu globalmente. As eleições de 2018 introduziu partidos inéditos como o PSL miliciano e o Novo extremista de Minas Gerias e do Rio Grande do Sul. Ao contrário do PSL, o NOVO se apresenta como partido não-corrupto capaz de reorganizar a hegemonia, de certos grupos dominantes, no bloco no poder. O NOVO é um efeito da Lava Jato, de Sergio Moro, e representa os interesses da economia de commodities da mineração em Minas Gerais. No Sul, ele representa a cultura política de terno, de olhos azuis, e gravata de uma específica cultura política formal com características fascista tupiniquim.

Sem sombra de dúvidas, há uma crise da hegemonia complexa que o governo 2019 aprofunda. O fascismo miliciano carioca é a causa principal do da hegemonia em colapso na conjuntura 2019:
“No caso do processo de fascização e do fascismo, nenhuma classe ou fração de classe dominante parece capaz de impor, seja pelos seus próprios meios de organização política, seja por intermédio do Estado <democrático-parlamentar>, a sua ‘direção’ às outras classes e frações do bloco no poder”. (Poulantzas. 1978:78).  

O governo extremista se apoia nas F.A. para jogadas que signifiquem o domínio da ditadura (dominação) sobre a articulação da hegemonia na conjuntura da terceira década do século XXI. Uma ditadura militar por dentro da democracia 1988 é um tour de force, que Bolsonaro acredita poder realizar. Mas, “Greta Garbo acabou no Irajá”.  

Uma F.A. em colapso na escala de valores públicos é aquilo que mais preocupa a consciência nacional. As F. A. vão se tornando, irreversivelmente, uma máquina de guerra institucional do Criminostat via capitalismo criminoso. Os fatos que envolvem militares no mercado de armas [ilegais] do Exército e a ligação com a economia política miliciana constituem os sintomas mais terríveis, escandalosos, para uma nação a beira da ruína iminente.

O impeachment começa a adquirir consistência e, talvez, a saída  de Bolsonaro seja o estelionato eleitoral escandaloso. A solução é governar com a lógica do toma-lá-dá-cá do velho  sistema político velho. 

Um player que ainda não deu o ar de sua graça na crise dos dominantes é o STF. Trata-se de uma incógnita, pois, não se sabe com quem a maioria do STF encontra-se aliada.

o Estado tem como função econômica (Poulantzas. 1978: 323) organizar a economia política nacional, principalmente, encontrando solução para a economia em colapso. Esta função econômica   governamental está deslizando, aos poucos, para o aparelho congressual. É um novo elemento da crise do Estado com consequências imprevisíveis.

A propósito. Bolsonaro convocou uma manifestação de rua para o dia 26/05/2019. trata-se de uma tática presente nas páginas de Max Weber:
"Nas figuras mais importantes do passado - do mago e profeta, por um lado, e a do príncipe guerreiro eleito, do chefe de bando e do condottiere, por outro, o papel de líder existiu em todas a s regiões e em todas as épocas históricas". (Weber: 527).

Bolsonaro é claramente a figura histórica chefe de bando [miliciano] com poder de um discurso demagógico que interpela a emotividade das massas. Ele quer transformar os parlamentares em prebendado políticos que façam parte de seu séquito. Com a  democracia miliciana de rua: "Pode-se muito bem chamar o atual estado .de coisas de 'ditadura' baseada no aproveitamento da emotividade das massas". (Weber: 553).


As massas na rua bolsonaristas podem significar a entrada em uma nova conjuntura política. Logo saberemos!        


POULANTZAS, Nicos. Pouvoir politique et classes sociales. Paris: maspero, 1975
POULANTZAS, Nicos. Fascismo e ditadura. SP: Martins Fontes, 1978
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. RJ;  Graal, 1980
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso. SP; Cultrix, 2017   
WEBER. Max. Economia e sociedade. v. 2. Brasília: UNB, 1999
VIRILIO, Paul. Vitesse et politique. Paris: Galilée, 1977            

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