domingo, 2 de setembro de 2018

O GRAMÁTICO CIBERESPAÇO



José Paulo



A dupla virtual e atual introduz algo novo para a investigação das gramáticas da comunicação do capitalismo?

Os mass media eletrônicos se constituem como gramática da forma de consciência burguesa comunicacional. Eles continuam funcionando no espaço moderno da representação.  A técnica digital teria abandonado este espaço da representação moderna?

Gerando uma torsão em uma tese de um filósofo: a forma de consciência burguesa remete para a insistência do virtual no atual como dinamismo espaço-temporal destinado a nos permitir apreender o mundo como acontecimento, e a perceber a experiência real em todas as suas particularidades ou heterogênese. (Alliez:23). A técnica digital cria um espaço em ruptura com a forma de consciência burguesa comunicacional? 

A filosofia vem antes do domínio territorial da subjetividade pela técnica. A filosofia do virtual de Deleuze antecipa o domínio da técnica virtual (técnica digital industrial)?

Caro leitor, perca um tempinho refletindo na:
Proposição 1: A filosofia deve constituir-se como teoria do que fazemos, não como a teoria do que é, pois o pensamento só diz o que é ao dizer o que faz; re-construir a imanência substituindo as unidades abstratas por multiplicidades concretas, o É de unificação pelo E enquanto processo ou devir (uma multiplicidade para cada coisa, um mundo de fragmentos não-totalizáveis comunicando-se através de relações exteriores). (Alliez: 19).  

O que significa pensar uma gramática da comunicação de fragmentos não-totalizáveis? Ela existe em qual realidade material? Em qual realidade de subjetivação? O que significa a subjetivação da gramática teledigital?

Da monumental obra de Christian Godin retiro duas ideias:
Partons donc du constatable. Nous disposons, pour reprendre le titre d’un ouvrage de N. Goodman, de plusiers moyens pour construire un monde. Il existe le monde de nos perceptivos, et celui de nos images, le monde de nos mots, et celui de nos concepts. L’appellation de mondes pour désigner ces ensembles de réprésentations n’est pas simplement métaphorique: d’une part ces ensembles constituent bien des systèmes (les mots dans un langage ou un roman, les concepts dans une théorie, etc.), d’autre part ils renvoient au monde ˂réel> comme à un référent ultime”. (Godin: 11).

Na gramática da comunicação de fragmentos não totalizáveis, o fenômeno político é um mundo de práticas e representações metafóricas e ˂reais>. A gramática pode ser percebida como um mundo através da percepção, de imagens, de palavras da língua usual ou artificial, de conceitos e de significantes lacanianos. A gramática constitui um sistema (os termos e expressões da língua política, heróis da narrativa romanceada do mundo-da-vida, os conceitos de uma teoria), de uma parte; de outro lado, ela reenvia ao mundo ˂real>: referente último.

Godin diz:
Nous appelons imaginaire tout ce qui est relatif à une représentation sensible, symbolique ce qui a trait à une représentation conceptuelle. Les symboles, donc, en ce sens, font partie de l’imaginaire, et non du symbolique. L’ordre d’ensemble adopté pour cette Section est celui de la phénoménologie hégélienne: de la conscience sensible au savoir absolu, des représentations immédiates de la notion de totalité comme perception ou vécu jusqu’au concept de la totalité consciente de soi dans les théories holistes”. (Godin: 12).

A gramática hegeliana vai da consciência sensível ao saber absoluto, das representações imediatas da noção de totalidade, como percepção ou experiência vivida, até o conceito de totalidade consciente de si na fenomenologia dialética. A representação encontra-se no centro tático da fenomenologia hegeliana.

A representação remete para a forma de consciência real da história universal, em Marx:
“Em uma etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas estas relações se transformam em grilhões. Sobrevém então uma época de revolução social. Com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura se transtorna com maior ou menor rapidez.  Na consideração de tais transformações é necessário distinguir sempre entre a transformação material das condições econômicas de produção, que pode ser objeto de rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito e o conduzem até o fim”. (Marx. 1974: 136).  

Uma leitura do conceito de representação da década de 1960 nos leva até o livro “Les mots et les choses”. Porém, o texto de Marx fala da contradição que se desenvolve entre gramáticas da sociedade na história universal em um período no qual a gramática econômica entra em um antagonismo agônico com a gramática da propriedade, como representação sensível e conceitual, que articula as relações sociais de produção. A representação da economia é uma das chaves do pensamento de Marx, pois, a gramática das formas ideológicas (formas de consciência) também fazem a economia funcionar na acumulação ampliada mundial do capital.

A relação de Marx com as ciências humanas é irrevogável. Foucault diz que a representação muda de estrutura na episteme do século XIX. A autonomia da lógica em relação à gramática tout court significa que a gramática passa para outro patamar, com as condições de possibilidade de uma lógica não verbal e a de uma gramática histórica. (389). Trata-se do funcionamento da representação destacada da vida, aguda e sensível presença daquilo que elas representam. (343). Aí faz presença a gramática histórica:
“La seconde compensation au nivellement du langage, c’est la valeur critique qu’on a prêtée à son étude. Devenu réalité  historique épaisse et consistante, le langage forme le lieu des traditions, de habitudes muettes de la pensée, de l’esprit obscur des peuples; il acumule une mémoire fatale qui ne se connaît même pas comme mémoire”. (Foucault. 1966: 310). Y 5t       

A literatura é um campo de saber que faz pendant com a gramática histórica da representação destacada das coisas:
La littérature, c’est la contestation de la philologie (dont elle est pourtant la figure jumelle): elle ramène le langage de la grammaire au pouvoir dénudé de parler, et là elle rencontre l’être sauvage et impérieux des mots”. (Foucault. 1966: 313).

A ciência do homem pode ser imaginada como a gramática da representação das necessidades e da sociedade a partir das quais se pode obter uma representação da própria economia, distinta da gramática da economia do burguês:
“l’économie n’est pas pour cela une science humane. On dira peut-être qu’elle a recours  pour définir des lois qui sont pourtant intérieures aux mécanismes de la production  (comme l’accumulation du capital ou les rapports entre le taux des salaires et les prix de revient) à des comportements humains, et une représentation qui le fondent (l’intérêt, la recherche du profit maximum, la tendence à l’épargne); mais ce faisant, elle utilize les représentations comme réquisit d’un fonctionnement (qui passe, en  effet, par une activité humaine explicite); en revanche il n’y aura science de l’homme  que si on s’adresse à la manière  dont les individus ou les groupes se représentent leurs partenaires, dans la production et dans l’èchange, le mode sur lequel ils èclairent ou ignorent ou masquent ce fonctionnemment et la position qu’ils y occupent, la façon dont ils se représentent la société où il a lieu, la manière dont ils se sentent  intégrés à elle ou isolés, dépendants, soumis ou libres; l’objet des sciences humaines n’est pas cet homme qui depuis l’aurore du monde, ou le premier cri de son âge d’or est voué au travail; c’est cet être qui, de l’intérieur des formes de la production par lesquelles tout son existence est commandée, forme la représentation de ces besoins, de la société par laquelle, avec laquelle ou contre laquelle il les satisfait, si bien qu’à partir de là peut finalement se donner la représentation de l’économie elle-même”. (Foucault. 1966: 363-364).   

A gramática da representação da política põe e repõe o problema da articulação entre governante e governado, representante e representado como criação da soberania popular. A forma de consciência ideológica é o princípio de uma articulação entre classes sociais e representação; entre classes e governo. Para isto é preciso admitir a existência  da gramática da forma de consciência burguesa.

Na segunda metade do século XX, surge a forma de consciência burguesa comunicacional no lugar da forma de consciência burguesa social. A representação passa a funcionar no domínio da técnica visual eletrônica; ela se torna irreconhecível para o marxismo tout court; com o marxismo brasileiro gramatical, a representação da comunicação eletrônica volta a ser um fenômeno visível na tela gramatical da comunicação.

Finalmente no século XXI, a representação passa a funcionar no domínio da técnica digital? Eis o nosso problema estratégico.

A técnica digital abre um campo de saber virtual para além da representação? Deleuze diz que sim:
“Quando a potência de pensar se define pelos afectos que é capaz de produzir para individuar a vida que a compreende e ‘explicar’ o desejo de que é inseparável como potencial e acontecimento”. (Alliez: 27).

A técnica digital faz surgir uma filosofia  materialista virtual que dispensa a representação? Trata-se de um passo dado para além da ciência  do homem e da economia burguesa:
“Proposição IV: Ética do Ser-Pensamento, ética das relações que opõem as potências da vida às doutrinas do juízo, a filosofia é uma onto-etologia à medida que seus conceitos formam mundos possíveis e acontecimentos presos no movimento de um infinito virtual-real”. (Alliez: 17)  

Creio que a filosofia virtual da técnica digital altera a política tout court, pois, a representação ideológica passa a fazer pendant com a gramática saussuriana da política. Nesta, a soberania popular burguesa (a política como expressão da gramática da forma de consciência burguesa comunicacional) faz pendant com a arbitrariedade do signo saussuriano (Saussure: 81) na articulação entre representante e representado, entre governante e governado.              
                                                                                     II

A relação da gramática com o virtual foi bem estabelecido por Pierre Levy:
“As operações de gramatização recortam um continuum fortemente ligado a presenças aqui e agora, a corpos, a relações ou situações particulares, para obter afinal elementos convencionais ou padrão. Esses átomos são descartáveis, transferíveis, independentes de contextos vivos. Já formam o grau mínimo do virtual na medida em que cada um pode ser atualizado numa variedade indefinida de ocorrências, todas qualitativamente diferentes, mas no entanto reconhecíveis com exemplares do mesmo elemento virtual. Portanto não se trata de átomos reais ou  substanciais. Esse ponto  deve ser sublinhado, pois ele faz toda a diferença entre a análise à moda cartesiana, que separa partes reais, e a gramatização que cria partículas virtuais. Sua propriedade de não-significância autoriza o  reemprego de um conjunto limitado de tijolos de base, livres e descartáveis, para construir uma quantidade infinita de sequências, de cadeias ou de compostos significantes. A significação de um composto não pode ser deduzida a priori da lista de seus elementos: trata-se de uma atualização criadora em contexto”. (Levy. 1996: 87-88).

A significação na política de um composto (partido político ou facção política etc.) não se deduz a priore da lista de seus elementos. A lista dos elementos da Constituição pode falar em partido político como sujeito da política. O artigo 17 do capítulo V da Constituição brasileira 1988 estabelece o partido político como sujeito da política. “É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardada a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
I – caráter nacional.

A significação nacional do composto não pode ser deduzido a priori de sua realidade virtual constitucional: do dito constitucional. A norma  só existe como atualização do virtual. Trata-se de uma atualização criadora do virtual em um contexto.

O contexto do capitalismo neocolonial significa que o partido político age em prol de interesses não-nacionais. O bloco de partidos dominante no Congresso e no governo nacional é neoliberal e neocolonial. O neoliberalismo segue a política do “Consenso e Washington”. Se trata de um  bloco de partidos não-nacionais. Como o partido político é definido constitucionalmente (virtualmente) como nacional, então a existência de grupos políticos institucionais não-nacionais significa que a política se define por ser uma facçdemocracia: sgrammaticatura da democracia das facções políticas constituídas pela lógica simbólica do particular, pela lógica na qual a política não  se totaliza em nação.

Pierre Levy esclarece a relação entre gramática e sgrammaticatura ou falta de gramática:
“O  destino da escrita ilustra particularmente bem a gramatização; o que  a etimologia confirma: gramma, em grego antigo, é a letra. A fala é antes de mais nada  indissociável de um sopro, de um presença  viva aqui e agora. A escrita (a gramatização da fala) separa a mensagem de um  corpo vivo e de uma situação particular. A impressão leva adiante esse processo ao padronizar  a grafia, separando o texto lido  do traço direto de uma performance móvel. Reencontramos em quase todos os processos de virtualização o equivalente de um ‘caráter móvel, liberado, deslocado das situações concretas, reprodutível e circulante”. (Levy. 1996: 88).

Com o último parágrafo, o problema da política se põem de um modo mais preciso em Levy. O contexto é também uma  gramática (econômica, política, cultural). O contexto brasileiro é a gramática do capitalismo neocolonial. Trata-se de uma virtualização mundial que se atualiza na política da nação, do país, de uma região geoeconômica.

Há um salto qualitativo na gramaticalização do homo informacionalis:
“A informatização acelera o movimento iniciado pela escrita ao reduzir todas as mensagens a combinações de dois símbolos elementares, zero e um. Esses caracteres são os menos significantes possíveis, idênticos em todos os suportes de memória. Seja qual for a natureza da mensagem, eles compõem sequências traduzíveis em e por qualquer computador. A informática é a mais virtualizante das técnicas por ser também a mais gramaticalizante. Sabe-se que a língua se caracteriza por uma dupla articulação, a que junta os fonemas e as unidades significantes (as palavras) e a que junta as palavras entre si para produzir frases. No que concerne à informática, poder-se-ia falar de uma articulação de n tempos: códigos eletrônicos de base, linguagens-máquinas, linguagens de programação, linguagens de alto nível, interfaces e operadores de traduções múltiplas para finalmente chegar à escrita clássica, à linguagem, a todas as formas visuais e sonoras, a novos sistemas de signos interativos”. (Levy. 1996: 88-89).

O efeito do homo informacionalis sobre a política é os mass media (eletrônico e digital) no comando da cultura e da política. A facçdemocracia tem na facção dos mass media um poder de gramaticalização da política virtual ainda pouco entendido: a) em sua estrutura gramatical; b) em sua atualização prática; c) em suas consequências para o futuro imediato.

A facção dos mass media é um efeito da gramática do capitalismo neocolonial (e neoliberal tupiniquim). A gramática dos mass media é uma atualização da virtualidade da gramática do capitalismo neocolonial. Portanto, trata-se de uma facção antinacional, naturalmente.

Na eleição 2018, o candidato Ciro Gomes faz do discurso nacional a plataforma eleitoral de sua campanha à presidência da república. Assim ele entra em choque com a facção dos mass media. A internacionalização virtual da política brasileira pela gramaticalização do capitalismo neocolonial mundial é um processo contínuo e permanente de oclusão da nação na consciência burguesa comunicacional, como consciência do capitalismo neocolonial.

O problema em tela não nos introduz empiricamente na relação da gramaticalização do antinacional no homo informacionalis digital?      

                                                                             III  
O A técnica digital cria o ambiente para a expressão de uma subjetivação fragmentada. Bilhões de pessoas escrevem e leem o que outros internautas escrevem em um cotidiano no qual a forma de consciência não tem terreno objetivo/subjetivo para se totalizar? Hoje, já vivemos a realidade de um mundo digital, do homo digitalis, como um fenômeno mundial.

O que é o homo digitalis?

Há o Estado digital como um passo além do tele Estado eletrônico?

Na década de 1990, o Estado digital ainda era uma fantasia lacaniana do futuro. Pierre Levy procurou balizar a gramática da política digital, em seu frescor de novidade.

Seria o caso de pensar uma tribalização algorítma do mundo?

Maffesoli fala de uma tribalização real do espaço político mundial:
“Numerosos são os indícios que, nacional ou internacional, exprimem esse sentimento de vinculação comunitária  ou tribal. Regiões, cidades, departamentos, levantam-se contra o  centralismo  jacobino, em torno de um herói epônimo: prefeito, notável local, estrela esportiva ou personalidade de renome afirmam um imaginário que os constitui como tal. O mesmo vale nos quatro cantos do mundo, a partir de uma reivindicação étnica, de uma especificidade cultural ou um fanatismo religioso, Em cada um desses casos, afirma-se o que Wittgenstein chamava de ‘semelhança de famílias’”. (Maffesoli: 19). 

“Semelhança de família” é o avesso da política racional. Trata-se do estado sentimental ou do campo dos afetos ou de estado animus no comando da política: “Desse ponto de vista, a gestão das paixões é certamente a arte suprema de toda boa política”. (Maffesoli: 34).

A “semelhança de família” faz pendant com o aspecto religioso do político:
“O político, no seu aspecto religioso, assegura de uma parte, pelo viés da liderança, a ligação com o meio natural; reforça, de outra parte, pelo sentimento coletivo e pela emoção partilhada, o estar-junto necessário a toda vida social”. (Maffesoli: 45). 

A força do sentimento é o instrumento de tribalização do político:
“A transfiguração do político completa-se quando a ambiência emocional toma o lugar da argumentação ou quando o sentimento substitui a convicção”. (Maffesoli:147).    

A força do sentimento remete para o poder de afetar e ser afetado por emoções, paixões na política. Este estado da política maffesoliana não parece ter sido transplantado para a tela digital?

Uma política digital algorítma voltada para a comunicação afetiva de familiares e amigos é o ideal das redes sociais digitais. Toda uma sociedade de afecto articula famílias e amigos ao redor do planeta. A “semelhança de família” é o princípio de funcionamento institucional da gramática das redes sociais digitais.

Não obstante, há circulação de discurso político, difusão de gramática política, fabricação de gramáticas da comunicação na parte invisível da tela gramatical digital ao lado de uma política oficial de estabelecimento  de pequenos  campos  de concentração da expressão escrita pessoal e grupal. Se a escrita tout court é a virtualização da fala, a escrita digital é a virtualização de um fala confiscada em sua liberdade de dizer a verdade.

A política digital algorítma é aquela de um dispositivo industrial de segregação dos internautas. No entanto, ela pode ser ultrapassada por sujeitos digitais no ciberespaço. Neste espaço, pode acontecer campanhas políticas permanentes para a tomada do poder via eleição, articulação digital da mobilização de massas na rua para derrubar regimes autocráticos ou para transformar a democracia representativa, polarização ideológica etc.    

Pierre Levy resume a historicidade da relação entre técnica e política:
“A infraestrutura de comunicação e as tecnologias intelectuais sempre mantiveram estreitas relações com as formas de organização econômicas e políticas. Lembremos a esse respeito alguns exemplos bem conhecidos. O nascimento da escrita está ligado aos primeiros Estados burocráticos de hierarquia piramidal e às primeiras formas de administração econômica centralizadas (imposto, gestão de grandes domínios agrícolas etc.). O surgimento do alfabeto na Grécia antiga é contemporâneo ao aparecimento da moeda, da cidade antiga e, sobretudo, da invenção da democracia: tendo a prática da leitura se difundido, todos podiam tomar conhecimento das leis e discuti-las. A imprensa tornou possível uma ampla difusão de livros e a existência de jornais, base da opinião pública. Além disso, a imprensa representa a primeira indústria de massa, e o desenvolvimento tecnocientífico por ela promovido foi um dos motores da Revolução Industrial. A mídia audiovisual do século XX (rádio, televisão, discos e filmes) participou do surgimento de uma sociedade do espetáculo, que transformou as regras do jogo tanto na cidade como no mercado [publicidade]”. (Levy. 2015: 57-58).

As gramáticas da política se encontram associadas ao domínio da técnica. Com a Revolução Industrial, a política fez laço com a técnica industrial. No século XXI, a política se encontra sob efeito da técnica industrial digital. A democracia se torna uma questão do ciberespaço:
“Antes de nos engajar às cegas em vias irreversíveis, urge imaginar, experimentar e promover, no novo espaço da comunicação, estruturas de organização, estilos de decisão orientados para um aprofundamento da democracia. O ciberespaço poderá se tornar um meio de exploração dos problemas, de discussões pluralistas, de evidências de processos complexos, de tomada de decisão coletiva e de avaliação dos resultados o mais próximo possível das comunidades envolvidas”. (Levy. 2015: 58).

O idealismo da interpretação de Pierre Levy não integra em sua análise a materialidade da política fazendo pendant com a physis da economia. O ciberespaço brasileiro inventou uma nova gramática da nossa política. Ela é a junção de uma paixão de massa digital pela autocracia bonapartista de chumbo e a adaptação darwinista desta massa ao futuro imediato do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.

No entanto, como evangelho da política digital, os livros de Pierre Levy se constituem em uma fonte de leitura pública para a defesa de um aprofundamento da democracia realmente existente.


ALLIEZ, Éric. Deleuze. Filosofia virtual. SP: Editora 34, 1996 Champ Vallon, 1998
FOUCAULT, Michel. Les mots et les choses. Paris: Gallimard, 1966
GODIN, Christian. La totalité. v. 1. De l’imaginaire au  symbolique. Paris:
LEVY, Pierre. O que é o virtual? SP: Editora 34, 1996
 LEVY, Pierre. A inteligência coletiva.  SP: Folha de São Paulo, 2015
MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político. A tribalização do mundo. Porto Alegre: Sulinas, 1997
MARX. OS Pensadores. SP: Abril Cultural, 1974
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. SP: Cultrix, Sem Data





  
  
      




      
       

   

          



  

Nenhum comentário:

Postar um comentário