terça-feira, 4 de setembro de 2018

MARX, KANT, MUSEU NACIONAL, BOLSONARO

José Paulo

a)      A destruição do Museu Nacional na cidade do Rio de Janeiro foi um ato criminoso? Fato e narrativa ideológica em Marx e Kant.
b)     
A Okhrana é a forma de consciência, no real, do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo?

“Em uma etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas estas relações se transformam em grilhões. Sobrevém então uma época de revolução social. Com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura se transtorna com maior ou menor rapidez.  Na consideração de tais transformações é necessário distinguir sempre entre a transformação material das condições econômicas de produção, que pode ser objeto de rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito e o conduzem até o fim”. (Marx. 1974: 136).
As forças produtivas são facticidade econômica do real da história universal. Elas podem ser objeto da ciência natural. As forças produtivas não aparecem como o motor narrativo das lutas. Se elas entram em contradição com a gramáticas das relações sociais de produção (ou melhor, com as relações de propriedade que são as expressões jurídicas das relações de produção) pode advir uma era de grandes conflitos. Contudo, estes conflitos são vividos como lutas pelos homens, mulheres e crianças através das narrativas ideológicas, ou formas de consciências ideológicas: jurídica, política, religiosa, estética, filosófica, comunicacional, digital.  

Kant diz:
“1. Fac et excusa. Apodera-te da ocasião favorável para te apossares de teu próprio poder (quer se trate de um direito de Estado sobre o povo, quer se refira  a um outro, vizinho). A justificação será exposta com muito mais facilidade e elegância depois do fato, e se pode dissimular a violência suprema, principalmente no primeiro caso (quando o poder supremo no interior decorre imediatamente também da autoridade legislativa, a que se deve obedecer sem fazer raciocínios sutis a respeito dela), do que quando anteriormente se tem de refletir em procurar motivos convincentes, e além do mais esperar ainda as objeções. Esta próprio ousadia dá uma certa aparência de convicção interior à legitimidade do fato, e o deus bônus eventos é em seguida o melhor advogado”. (Kant: 140).

Na política da tomada do poder, a narrativa justificadora do ato violento vem depois do fato. Tal narrativa é aquela necessária à conservação do poder. Trata-se, portanto, de uma gramática narrativa da aparência de semblância capaz de legitimar o fato, na subjetividade do condottiere.

Depois do fato advém a narrativa ideológica da política, que nasce fática. A política é uma das formas de consciência de um mundo de plurivocidade ideológica que advém depois da facticidade das coisas.
Os mass media do Rio de Janeiro estão prontos para fazer a narrativa justificadora da tomada do poder nacional por Bolsonaro depois deste fato violento, em termos simbólicos.
                                                                                  II


O Museu Nacional situado na cidade do Rio de Janeiro ardeu em chamas. Museu criado por D. João VI no início do século XIX, hoje ocupava o palácio histórico da Quinta da Boa Vista.  Tratava-se do mais importante museu de história natural, símbolo do Império de d. Pedro I e d. Pedro II. A destruição do museu foi um golpe de força na ciência brasileira e também um golpe de força preciso na espinha dorsal do sistema universitário estatal.

O museu estava sob os cuidados da UFRJ. Ele convivia com centros de pesquisas científico em arqueologia (e outras ciências como museologia) e antropologia (e cursos de graduação e mestrado, doutorado e pós-doutorado). A antropologia do Museu Nacional sempre esteve na vanguarda da antropologia latino-americana. Alguns antropólogos do Museu Nacional se notabilizaram pela criação de um pensamento científico e crítico que embalou as lutas narrativas contra o Estado militar fascista 1968.

Parece que toda essa história ardeu em chamas criminosas?

Trata-se de um crime de lesa-pátria dos governos neoliberais contra a ciência brasileira? sem dúvida! Uma política de estrangulamento da ciência do Estado vem sendo colocada em prática nos governos neoliberais de Dilma Rousseff e Michel Temer. Dilma começou a instalação do Estado neoliberal e neocolonial, entre nós.

A lógica do Estado neocolonial do terceiro-mundo saiu do ovo da serpente bolivariana com a ideia prática de Rousseff de importar milhares de médicos cubanos para o Brasil. A máquina de guerra Rousseff se tornou um suporte governamental do movimento inercial da gramática do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.

O governo Temer e seu Congresso desenvolveram, exponencialmente, as práticas da gramática neocolonial do terceiro-mundo.  

A narrativa de defesa da ciência brasileira não faz parte da lógica dos mass media, da imprensa de papel, do Congresso e do Judiciário. A “cultura do bacharelismo” do século XIX ainda é a realidade dominante na vida brasileira, em geral. Tudo levava a crer que o direito como técnica, como arte do social significava uma ruptura com o bacharelismo. Não obstante, com o museu em chamas fala-se de perda cultural e não em destruição da ciência brasileira.

Com o capitalismo neocolonial mundial o lugar da ciência deixa de ser geopolítico e torna-se geoeconômico. A ciência é agora uma mercadoria a ser exportada pelo capitalismo neocolonial europeu, capitalismo neocolonial americano, capitalismo asiático (China, Coréia do Sul, Índia). O

Brasil parece caminhar para um país importador de ciência (mercadorias científicas).

O modelo chinês e indiano é o do Estado neocolonial científico: Estado industrial cientista.

O Estado cientista surge de uma penetração da ciência na vida das sociedades; ao mesmo tempo, paulatinamente, por razões que decorrem simultaneamente das exigências da produtividade e das necessidades militares, a organização das ciências e das técnicas que se ligam ao campo das ciências que tem como objeto a matéria  inanimada e a vida; nesta situação supracitada, surgem instituições sem precedentes, no seio das quais poder e saber estabelecem relações originais; surge uma nova ideologia científica que é parte da gramática Estado industrial cientista. (Chatêlet: 449)

O biopoder faz a gramática em tela se desenvolver fazendo pendant com a gramática do Estado providência na qual tudo é político a partir do conceito de segurança social generalizada e responsabilidade pública. (Ewald: 342-345).

A Constituição 1988 brasileira contém um Estado social na forma de um direito constitucional como técnica. Então nela , o direito é uma técnica, uma arte. Trata-se do direito não subordinado à uma hipótese filosófica ou a uma doutrina particular. Ele não tem essência ou substancia em direito; ele destrói toda essência jurídica; ele é um dispositivo de responsabilidade jurídica com a sociedade fazendo pendant com o biopoder. Mesmo sendo o direito uma técnica, isto não significa que existe interdito para ele produzir efeitos no real.  

A gramática do capitalismo neocolonial desarticula o direito como técnica, como arte da responsabilidade social. O direito neocolonial torna-se uma ideologia jurídica da gramática do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo, na América Latina, por exemplo.

No Brasil, a gramática do direito neocolonial se desenvolve em um antagonismo fatal com a gramática do direito social e, também, com a gramática do Estado industrial cientista. Trata-se de uma reorganização do lugar da ciência no capitalismo mundial.

No século XXI, o Estado cientista entra no circuito da acumulação ampliada mundial do capital neocolonial. Ele se torna um território geoeconômico capitalista. As mercadorias científicas serão objeto de troca entre países neocoloniais. Assim como a indústria do capitalismo dependente e associado perece (na América Latina), o Estado cientista entra em uma época de oclusão.

A diferença entre o capitalismo neocolonial asiático e o capitalismo neocolonial do terceiro-mundo (Brasil, África do Sul) é um segredo banal. A gramática do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo se define pela falta de ciência nacional, pela destruição necessária do Estado cientista. Ela prepara o terreno para a importação de ciência-mercadoria dos países desenvolvidos e dos países do capitalismo neocolonial asiático.
                                                                                 III

O capitalismo neocolonial é a colonização do imaginário político e de uma subjetivação digital dos povos. Ele contempla bilhões de internautas com suas máquinas digitais. O espaço digital é transliterário: a escrita dele é um deslocamento da escrita pessoal ou grupal para o território digital.

Nesta transliteratura, há a colonização do indivíduo e grupos pelo trans-sujeito digital homo digitalis. Novas formas de consciência brotam no exercício, inconsciente, da gramatologia digital. Uma consciência capitalista neocolonial unifica o inconsciente digital, sem se apresentar como tal na tela gramatical digital. Nunca a paixão pelo capitalismo invadiu, avassaladoramente,  a vida de bilhões de pessoas.

No Brasil, a forma de consciência capitalista neocolonial do terceiro-mundo tem um suporte que denominamos Okhrana. Trata-se do campo das polícias secretas como argamassa informacional do bloco de facções políticas (Centrão, por exemplo) e da facção dos mass media carioca, que está no comando subjetivo das redes de televisão, rádio e grande imprensa do Sudeste.

A forma de consciência neocolonial Okhrana tem seu próprio candidato na corrida presidencial: capitão de artilharia Bolsonaro.  Jornas das redes digitais estão falando de um encontro de Bolsonaro com a família Roberto Marinho. O futuro ministro da economia de Bolsonaro (Paulo Guedes) é o veículo de aproximação do Grupo Globo com Bolsonaro. Este é um candidato fascista tupiniquim que prega abertamente o fim do regime constitucional 1988. Na própria TV Globo falou de um Estado ersatz do Estado militar 1964.

Bolsonaro é um efeito da gramática de comunicação que nasce nas redes sociais digitais e depois, em sua guerra de manobra, toma de assalto o campo dos mass media. A gramática bolsonaro carrega consigo a consciência capitalista neocolonial do terceiro-mundo. Ela significa o aprofundamento do Estado neocolonial do terceiro-mundo.

Bolsonaro é um efeito da Okhrana como o real da política brasileira.

Zizek nos ajuda a gramaticalizar o fenômeno Bolsonaro-Okhrana:
“Le réseua dispersé, encore non structuré des éléments, s’articule en structure ‘rationelle’ à travers l’irruption  d’une élément foncièrement ‘irrationelle’ qui est dans sa fonction le S1, le signifiant-maître, sans signifié, et dans sa donnée matérielle l’imbécilité purê du réel, un déchet contigent – le monarque hégélien, par exemple, ce petit bout du réel tout à fait arbitraire, déterminé par la logique totalement non-rationnelle de l’hérédité, qui, néanmoins, ‘est’ dans sa présence-même l’effectivité, l’actualisation de l’Etat em tant que totalité rationnelle, c’est-à-dire, dans lequel l”Etat atteint son être-lá”. (Zizek: 42-43).  

O Estado neocolonial do terceiro-mundo nasce como um Estado integral digital, uma totalidade racional a partir de um significante irracional, pois, vindo do real. Trata-se do Estado que é um conjunto formado pela sociedade civil/política, pelos poderes do campo de poderes que vai dos poderes privados e estatais (governo federal, Congresso, judiciário) até os poderes digital e dos mass media.

A Okhrana é o poder da parte invisível (o significante-mestre do real) da tela gramatical da política brasileira condensada como relações internacionais.

O processo eleitoral encontra-se perturbado pela vontade de Lula de concorrer à presidência da República. Aí, instala-se a contradição entre o poder policial do juiz e a política eleitoral do PT, de tomada irracional do governo nacional.

Lula arrisca todas as suas cartas na manga numa mudança do equilíbrio de poder no judiciário. Ele crê que esta mudança advirá com a certeza absoluta de que Bolsonaro é um tsunami eleitoral que varrerá para o desterro as forças políticas de oposição ao capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.
O que fazer?

CHÂTELET & PISIER-KOUCHNER, François e Évelyne. As concepções políticas do século  XX. História do pensamento político. RJ: Zahar Editores, 1983
EWALD, François. L’Etat providence. Paris: Grasset, 1986
KANT.  Textos Seletos. Petrópolis:  Vozes, 1985
MARX. Pensadores. SP: Abril Cultural, 1974
ZIZEK, Slavoj. Le plus sublime des hysteriques. Hegel passe. Paris: Point Hors Ligne, 1988
  
    

    

            


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