sexta-feira, 14 de setembro de 2018

O ANÃO FASCISTA


josé paulo

FICÇÃO TRANSLITERÁRIA

                                                            I
Nascido em uma família de 9 filhos, o terceiro filho foi predestinado a ser pequeno. Durante a infância foi maltratado pelos outros irmãos; a vida triste era compensada pelo amor da única irmã; sua inteligência extraordinária e capacidade de concentração nos estudos logo atraíram o afeto das professoras no colégio São Gerônimo. Ah! Tinha seu primo mais velho Hamilton B. (um herói da garotada da vila) que lhe apreciava aquele modo infantil adulto de ser expressar.

Um momento glorioso (como gostam de falar as bichas do primo W. B.) foi a ida de sua família para o Rio. Na cidade maravilha, estudou em grandes colégios onde encantava com sua cultura natural e oratória inata (herdada da família de latifundiários) os cariocas, da classe média, pouco acostumados com esta virtú sertaneja. Vivia sempre rodeado por meninos e meninas que o seguiam cegamente.

Obtendo a informação que a televisão recrutava seus jornalistas na escola de jornalismo da UNB, o já pequeno homem se mudou sozinho para Brasília. Na escola, ficou amigo de um professor fascista que ensinava a profissão de jornalismo como “triunfo da vontade”. Este professor dizia que o jornalismo era a arma de uma revolução cultural fascista que antecipava a vinda de um grande líder político na América-Latina em uma onda de ascensão europeia do fascismo mundial.

O nosso pequeno homem fascista se notabilizou fazendo grandes reportagens televisivas enquanto esperava o condottiere anunciado. Para seu dissabor, o chefe político aparece na pele de um capitão do exército, analfabeto em cultura política alemã, com hordas de seguidores neófitos nas redes digitais.

Não ficou surpreso quando um capo da TV o chamou para ser o âncora do jornal da manhã. O jornal daria o tom mais político para a campanha da extrema-direita nas eleições.  

                                                                                    II

No auge da campanha o anão foi convocado para dirigir o comitê central secreto das eleições do capitão. Mas a coisa complicou um pouco, pois, um general estrategista da ESG se tornara o vice de nosso líder.

Na primeira reunião do comitê das eleições, o anão teve que engolir um sapo barbudo, pois, durante quatro horas o general deu aulas de cultura brasileiras, aulas aprendidas na ESG com o marxista Severino Bezerra.

O general destilou e desenvolveu meia-dúzia de platitudes tiradas grosseiramente dos grandes livros de sociologia brasileira. Ele diz: o português é um hiperexcitado, um vetor demográfico de povoamento sexual usando à vontade os corpos das adolescentes indígenas; portador de uma atividade genésica acima do comum; o índio, um lânguido, um irracional, com suas mulheres livres e superexcitadas; o negro, um malandro, um macunaíma.

Al término da conferência, o anão interroga o general perguntando o que todo aquele blábláblá tinha a ver com a eleição do capitão. O general irritou-se e respondeu entre os dentes, grunhindo, quase rosnando, que ele era o estrategista. O conflito se estabeleceu na sala do comando. Pelos corredores o general passou a berrar que o anão não estava preparado intelectualmente para ser o chefe intelectual e organizador do comitê central.

No edifício do Leblon onde o anão morava, ele, chefe intelectual, era tratado como uma divindade; à beira da piscina moradores se agrupavam em torno do anão para ouvi-lo falar das estórias de vida do capitão; as moradoras mais antigas traziam salgadinhos, doces e sucos para ele; o anão também contava os causos retirados de suas reportagens ao longo de 50 anos; contrariando as normas do prédio, os porteiros abandonavam a portaria atraídos pela luz mais escura da fala do anão. Uma moradora amiga de Sérgio Cabral gostava de acompanhar as estórias com vibrantes gargalhadas emnquanto balançava dois livros, um em cada braço.

O dia do anão era intenso. Ele tinha que definir de um modo claro e popularesco o que ia ser veiculado ao longo  da programação jornalística. Como parte da campanha do capitão, ele tinha que falar de privatizações, e propor privatizações; o incêndio do Museu Nacional foi um manjar que caiu do céu; o anão usou os próprios professores para começar uma campanha contra o sistema universitário estatal federal; quando os professores da UFRJ se negaram a aparecer na televisão, o anão deu uma ordem para seus repórteres-sicários da imagem do outro convocar professores da UFF. Vendo a oportunidade rara para aparecer na TV, os professores da UFF pouco se preocupavam com a tática do anão de destruição da universidade estatal; mas a médica estrela da UFRJ Lígia Baia entendeu finalmente que a UFRJ sempre fora a inimiga figadal da televisão fluminense.

Na emissora havia um grupo de escol que montava as táticas jornalísticas com o anão. Destacavam-se as graciosas namoradas lésbicas, a bruja ruiva das 18:00 e o gay com pressão alta. Com este grupo seleto, a televisão se tornava pura brujaria e encantamento do receptor. A brujaria misturava uma programação de minorias com jovens garotos e garotas negros da periferia com os comentários melífluos do jornalista italiano Camaro sobre o capitão. Este C. lançou a ideia de que a facada no capitão se tornara uma comoção nacional.

O fascismo cresce com o ataque às minorias. O anão conhecia a ideia de Freud do “narcisismo das pequenas diferenças”; ele aplicava Freud no jornalismo. A pequena diferença  narcísica entre o capitão e Bispo foi o motivo da facada dada em uma manifestação épica em Juiz de Fora; filmou-se o capitão se contorcendo de dor, mas não havia sangue na faca ou na cena  do crime; no Facebook, os petistas diziam que era uma farsa grosseira; depois,  os  filhos do  capitão publicaram uma foto com a bolsa de excrementos na parte exterior do corpo do herói; o filho mais marcial do capitão disse a frase que correu o mundo: “meu pai agora é o  futuro presidente do Brasil”.

De quem é a mão que carrega o punhal?         

No interrogatório da polícia, o Bispo se apresenta como uma pessoa educada, sem um pingo de agressividade, de modos delicados, e com um equilíbrio emocional superior ao dos meros mortais. Fala de uma missão recebida de Deus, revela-se um milenarista como aqueles sertanejos dos filmes de Glauber Rocha. Ele diz que representa os ofendidos, maltratados, espezinhados pelo capitão; ele trazia uma mensagem...

O Bispo não é o Nafta do romance "A Montanha Mágica. Ele não é um niilista querendo destruir o mundo. O nosso Nafta é o anão fascista...     

Nenhum comentário:

Postar um comentário