José Paulo
Da crise do sistema político representativo
Foucault foi um professor
parisiense envolto em muitas lendas. Quando jovem pensou em suicídio, pois, lhe
era real de mais o fato de ser homossexual em uma Europa puritana e hipócrita.
Ao conhecer Lacan, este lhe mostrou que a visão de Freud do gay como perversão
era um efeito da era vitoriana e de um judaísmo excessivamente rígido,
moralista. Havia um outro modo de ver e viver o homossexualismo. O sujeito
lacaniano gay não era um monstro, um anormal; o gay não é um ser patológico; o homossexualismo
não é uma doença da mente, do corpo ou teológico, dizia o criptojesuítico
Lacan. Foucault esqueceu o suicídio; quando passou um semestre na Califórnia
passou acreditar na felicidade gay.
Da direita neoliberal séria da década de 1980, o brasileiro-embaixador José Guilherme Merquior escreveu um livro para mostrar que Michel Foucault era um professor niilista e a obra de Foucault um niilismo de cátedra! Trata-se de uma acusação séria.
O niilismo de cátedra foi um artefato intelectual usado, na década de 1990, pelo neoliberalismo do globalismo para desarticular a gramática do Estado Providência? O niilismo foucaldiano foi usado (na cultura política mundial) para tornar impotente a ideia da política ocidental como atravessada pela luta de classes? Um niilismo cujo movimento na cultura mundial jogou por terra a ideia e a prática da sociedade de classes capitalista? Um niilismo que se ofereceu como alvo tornar envelhecido obsoleto e suprassumido o marxismo - do leninismo ao marxismo ocidental?
Foucault leu O capital e também O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Foucault também leu linhas do gramático Gramsci. (Merquior: 226). Ele considerava a economia capitalista e a política ocidental democrática como acontecimentos essenciais na vida pública e privada da modernidade. Sobre Marx diz:
“É impossível fazer história
atualmente sem utilizar uma sequência infindável de conceitos direta ou
indiretamente ligados ao pensamento de Marx e sem se colocar num horizonte
descrito e definido por Marx. Em última análise poder-se-ia perguntar que
diferença poderia haver entre ser historiador e ser marxista”. (Foucault. 1979:
142-143).
O gramático Foucault nunca foi o autor de gramáticas da cultura (do discurso) em desafio nietzschiano a Marx. Ao contrário, como Gramatico do discurso ocidental (Rabinow: 18-19), ele pode ser integrado ao campo do marxismo ocidental gramatical. Os operadores de leitura arqueologia do saber e genealogia do poder constituem métodos gramaticais que só expandem o campo das ciências gramaticais da política.
Sobre a importância da política basta citar textos como o La “gouvernamentalité” (Foucault. v. 3; 635) e o ensaio La technologie politique des individus (Foucault. v 4: 813-827). Uma definição de política como governo dos Estados parece bem razoável, principalmente na época do Estado duplo (Estado constitucional e Estado negro) – época na qual o Estado constitucional, legal, divide o monopólio da violência real (e simbólica) com o Estado negro (Giddens: 45), com o Criminostat (Virilio: 54-55), com o Estado totalitário de Paul Virilio, isto é, L’Etat minimum de l”anarcho-capitalisme (Deleuze. 1980. V. 2: 578). Como governo dos vivos (Foucault. v. 4: 125), a política escapole, sem retorno, da clausura da ciência política tradicional ou universitária. Trata-se de um suplemento rousseauniano (Derrida. 1973: 181-183) que abarca e restaura a política como governo da luta de classes gramatical ou como soberania popular gramatical em uma época dissolvente destes últimos significantes tout court, ou melhor, como significantes da velha escritura moderna da filosofia, da ciência política e da teologia política.
A importância de Foucault para o marxismo gramatical encontra-se, por exemplo, na alteração que ele fez no conceito de Estado. Com Foucault, o Estado torna-se a estatização do campo de poderes, que na ciência gramatical da política é visto como estatização do campo de poderes gramaticais e sgrammaticatura, ou seja, agramatical (poder espontaneista com falta de gramática):
“Il n’y a pas d’Etat, mais
seulement une étatisation, et de même pour les autres cas. Si bien que, pour
chaque formation historique, il faudra demander ce qui revient à chaque
institution existant sur cette strate, c’est-à-dire quels rapports de pouvoir
elle intègre, quels rapports elle entretien avec d’autres instituitions, et
comment ces répartitions change, d’une strate à l’autre”. (Deleuze.
1986:82).
Foucault diz que Lacan salvou a
psicanálise (Foucault. v. 4: 204-205)). Lacan salvou o marxismo ao dizer que o
pensamento de Marx não é uma visão-de-mundo, uma ideologia, e sim um Evangelho.
(Lacan. S. 20: 32-33). O marxismo ocidental foi refundado por Lacan, Foucault e
Derrida.
Foucault pensava em um marxismo
das lutas de classe, mais próximo do espontaneismo de Rosa Luxemburgo
(Merquior: 238), que não confrontassem diretamente, com métodos frontais (a cru
e de peito aberto para ser fuzilado, destroçado) o poder capitalista.
(Merquior: 239). Trata-se de uma
fantasia lacaniana do futuro, hoje, persistente como marxismo gramatical
ocidental.
O extraordinário livro Spectres de Marx é muito útil para o desenvolvimento do Marx gramatical:
“Même et surtout si cela, l spectral,
n’est pas. Même et surtout si cela, ni substance ni essence ni existence, n’est jamais prêsent comme tel. Le temps de l’˂apprendre à vivre>,
un temps sans présent tuteur, reviendrait à ceci, l’exorde nous y entraîne:
apprendre à vivre avec les fantômes,
dans l’entretien, la compagnie ou le compagnonnage, dans le commerce sans
commerce des fantômes. À vivre auttrement, et mieux. Non pas mieux, plus
justement. Mais avec eux. Pas l’être-avec en générale plus énigmatique
que jamais. Et cet être-avec les
spectres serait aussi, non seulement mais aussi une politique de la mémoire, de l’héritage et des générations”.
(Derrida. 1993: 14-15).
O fantasma do passado encontra-se na frase: “A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”. (Marx. 1974: 335). No Manifesto do Partido Comunista, Marx fala do comunismo como fantasma do futuro. São dois fantasmas (realidade virtual) da política ocidental que se atualizaram em política planetária com a revolução leninista russa e a revolução maoísta. Tais políticas se constituem em política da memória do século XXI. Na América Latina, a revolução cubana de Fidel Castro continua persistindo como política da memória das gerações através da política do bolivariano e de seus músicos.
II
Foucault se define como gramático do trabalho cognitivo se a episteme faz pendant com a gramática sêmio-narrativa. (Greimas: 213) Equivocadamente, Merquior fala de uma gramática gerativa de Chomsky (Merquior: 52). Ao contrário, Foucault é o gramático semiótico da classe simbólica da sociedade pós-capitalista, gramático da classe social semiótico-gramatical.
Foucault fala da exaustão e dos problemas de eficiência de duas gramáticas sêmio-narrativas: a “clássica” (séculos XVII e XVIII) e a “moderna”, essencialmente do século XIX. A ideia de mudança e de passagem de uma episteme são “equivalentes a conversões religiosas em massa, resultantes de misteriosas alterações de psicologia social – em resposta a vastas transformações culturais”. (Merquior. 53). Tal fenômeno ocorreria no sei das comunidades científicas descritas por Kuhn:
“Um paradigma é aquilo que, os membros de uma
comunidade partilham e, inversamente,
uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma”. (Kuhn:
219).
Na sociedade pós-capitalista persiste no ser dela uma classe científica ampliada, massas simbólicas (gramatical) que suportam, como sujeito gramatical, a verdade de uma época. (Lacan. 2008: 67). A verdade não é uma decisão tomada no debate dos cientistas; ela não é um efeito da interpretação binária sim ou não:
“A interpretação não é submetida
à prova de uma verdade que se decida por sim ou não, mas desencadeia a verdade
como tal. Só é verdadeira na medida em que é verdadeiramente seguida” (Lacan.
2009: 13) por massas gramaticalizáveis.
A interpretação gramatical precisa ser metabolizada por massas simbólicas - pela classe simbólica de uma determinada época. Peter Drucker fala de uma classe gramatical do conhecimento. (Drucker: 24-25). Ela pode ser gramatical para as massas dos países desenvolvidos e agramaticais para as massas gramaticais dos países subdesenvolvidos ou do terceiro mundo africano (da África africana). No entanto, há um desenvolvimento desigual e combinado (Trotsky: 25) da gramaticalização e agramaticalização das massas simbólicas desenvolvidas e subdesenvolvidas quanto à verdade verdadeira gerada pelo gramático ou episteme de uma tela gramatical de uma época: gramático clássico e gramático moderno.
III
O significante representação do gramático clássico (meados do século XVII ao século XVIII) faz pendant, obliquamente, com o sistema representativo da política moderna. A representação clássica é estudada por Foucault a partir do quadro barroco La Meninas (1656) de Velásquez. A tela da pintura me remete para uma outra tela, a tela gramatical (Wittgenstein: 148) das ciências gramaticais da política e, portanto, do marxismo gramatical.
Foucault vê no quadro Las Meninas como síntese-representação da representação clássica. Aparentemente se trata de refletir sobre a representação no domínio da alta cultura tout court. Vejo aí a representação pictórica remetendo a representação clássica da cultura como tal para a cultura gramatical da política.
Todos os elementos da tela gramatical da política se encontram no quadro: o espaço visível e o espaço invisível não oculto no gramático clássico. No gramático moderno do século XIX uma outra dimensão é inscrita na tela. Trata-se da ideologia como ocultação da realidade da política. No século XXI, outra dimensão altera a essência da tela gramatical. Trata-se da aparência da semblância de todo discurso que não precisa ser necessariamente ideológico.
Na tela gramatical clássica, temos o pintor, o espectador, os personagens ou a simbolização de atores da política da sociedade de corte. Como cultura política, a tela gramatical da sociedade de corte gira em torno da Casa Real, do personagem real. O laço gramatical entre significantes e significados é o patrimonialismo (Elias:16). Trata-se de um laço não-arbitrário, pois, é ligação por semelhança gramatical (Merquior: 66). O espaço privado do rei invade, de modo invisível, todo o espaço político, pois, a riqueza em geral é riqueza do rei. Trata-se de uma verdade metabolizada pelo inconsciente freudiano das massas gramaticalizáveis pela cultura política patrimonialistas: rural e urbana.
“A administração patrimonial visa
inicialmente a satisfação de necessidades puramente pessoais, em grande parte
de ordem privada, da família do chefe da casa”. (Elias: 19). O sujeito da tela
gramatical clássica da política patrimonialista é um sujeito gramatical casa
real invisível para o olhar do espectador. Para a cultura política
patrimonialista, o expectador é a plebe, incluindo aí o burguês. Na pintura de
Velásquez, o espectador é um sujeito gramatical de uma intensa complexidade, ao
qual não temos como o continuar a explorar na descrição de Foucault aqui.
O sujeito patrimonialista se encontra muito distante do olhar a olho nu da plebe. Mas ele pode se tornar visível através do espelho incluído na pintura (Foucault. 1966: 22-23). Toda tela gramatical da era moderna (clássica ou propriamente moderna) tem seu espelho que é a forma da cultura política em tela. Todo um jogo do visível e do invisível para a plebe e os súditos se passa no espelho, ou melhor, na cultura política do gramático patrimonialista ou burguês capitalista do sistema de representação política da modernidade.
Foucault diz:
“Le miroir assure une métathèse de la visibilité qui entame à la fois l’espace
représenté dans le tableau et sa nature de représentation; il fait voir, au
centre de la toile, ce qui du tableau est deux fois nécessairement invisible”.
(Foucault. 1966: 24).
Na tela gramatical da modernidade, aparece o antagonismo privado versus público. O privado é algo meu familiar, pessoal ou íntimo da ordem do ser protegido do olhar dos outros; porém o público precisa ser transparente; o privado é o pessoal e o público o impessoal. A política é da ordem do impessoal, da racionalidade moderna da representação da atividade do político como prática da impessoalidade. Trata-se de uma dupla vida da tela gramatical do burguês moderno.
Marx mostrou que as lutas de classes podem invadir a política e chegar à revolução social. Então, o gramático da modernidade se traduz na necessidade de ocultar a política como interesse burguês e, assim, torná-la invisível para as massas operárias. Se faz útil o trabalho da cultura política-espelhar como ideologia. O interesse de classe do capitalista visa utilitariamente o lucro e nada mais de sua relação com o trabalho; tal sujeito gramatical da sociedade de classes sociais tout court precisa ser ocultado na tela gramatical da representação política da modernidade.
Marx chamava tal representação de democracia burguesa quando estava mal-humorado. Quando bem-humorado fazia rasgados elogios (autênticos e sinceros) à democracia representativa como tela gramatical de lutas gramaticais da política. (Marx. 1974: 366).
A profundidade (Foucault. 1966: 24) da tela gramatical da política encontra-se na junção do dentro com o fora, da nação europeia e sua relação com o mundo colonial. A profundidade é aquela do imperii europeu patrimonialista com suas colônias além-mar. A tela gramatical clássica moderna faz do Oceano Atlântico o caminho de sua profundidade como política patrimonialista colonial.
IV
A representação tem seu lugar no discurso do direito. Há o uso científico do conceito de representação e a persistência fática do significante representação. O uso científico é normativo, isto é, imperativo, ele define o poder da representação jurídica:
“a representação, não queremos
significar senão que o indivíduo que realiza a função está juridicamente, ou
ético-politicamente apenas, vinculado a realizar esta função no interesse do
indivíduo ou dos indivíduos aos quais, precisamente por isso, essa função é
atribuída”. (Kelson: 316).
Se a pessoa jurídica da
representação é uma entidade real que se distingue dos membros da corporação ou
do Estado, ela deixa de ser uma pessoa jurídica como tal e cai na realidade dos
fatos; ela torna-se um ente fático. (Idem: 316-317).
Há representação como vínculo de vontades (representante e representado), e as vontades significam interesses a serem representados. Representação significa o mesmo que “atuação em vez ou no lugar de”, ou melhor, Vertretung. Trata-se da representação do incapaz de agir em seu próprio nome, em defesa de seus interesses (idem: 315).
Na política, há claramente um antagonismo entre democracia direta (ser capaz de agir em seu próprio nome) e democracia indireta: ser incapaz em agir em seu próprio nome. O primeiro remete para a maioridade das massas gramaticalizáveis pela escritura política; o segundo fala de massas como minoridade gramatical. Assim, o segundo é uma ligação entre significante (representante) e significado (representado) como ficção. O laço ficcional significa que o representante tem autonomia absoluta em relação a representação da vontade (=interesse) do representado. Trata-se do fenômeno bonapartismo gramatical do século XIX e além.
A soberania popular não estabelece um laço arbitrário entre o povo-eleitor e a classe política. O mandato imperativo seria um modo de diminuir o traço ficcional da representação democrática. Aí se faz presente a necessidade da ideologia política para ocultar a arbitrariedade ficcional da relação representante versus representado. O fático aponta para um antagonismo gramatical entre eles.
O sistema representativo político é regido por uma transdialética gramatical entre a vontade do representado e o agir político fático autônomo do representante. (Kelsen: 314-317). A representação do interesse ou vontade da soberania popular só se realiza através de luta gramatical do representado (impondo sua vontade ao representante) com a classe política. A luta do representado rompe com a crença na representação como representação verdadeira da vontade dele.
A representação significa, na realidade dos fatos, a autonomia absoluta da política em relação à vontade da soberania popular. Porém, significa, apenas, autonomia relativa em relação à sociedade de classes sociais como tal. No sistema representativo democrático, a soberania popular costuma ser substituída por uma soberania capitalista ou subcapitalista: ersatz de capitalismo sem capitalistas. Aí acaba o laço ficcional da relação representante e representado. O laço se desfaz de seu caráter de semelhança não-arbitrário e se constitui como laço arbitrário (ideológico utilitarista) entre o capital ou o subcapital e a classe política, na ideia de Marx: o Estado representativo é o comitê central do gramático capitalista! Um político advindo da classe subalterna pode se colocar a serviço do CAPITAL como o fez o metalúrgico Lula no governo do Brasil. O bolivariano pode governar para o capital (Brasil) ou não: Venezuela, Bolívia, Uruguai.
No real da realidade dos fatos da política, o significante representação se define como realidade ficcional:
“Como no uso jurídico da
linguagem os interesses são mais ou menos identificados com a vontade,
presumindo-se que aquilo que um indivíduo ‘quer’, é de seu interesse,
acredita-se encontrar a essência da representação no fato de a vontade do
representante ser a vontade do representado, acredita-se que o representante,
através da sua atuação, não realiza a sua própria vontade, mas a vontade do
representado. Isto é uma ficção... (Kelsen: 315).
A propósito, a prática da classe política não é a realização de sua própria vontade, pois, isto seria admitir que a classe política está solta no ar. A prática política é a realização das vontades ou interesses em luta das frações do capital ou subcapital. A ideia da classe política realizando exclusivamente sua própria vontade é a aparência da semblância do discurso do bonapartismo. (Marx. 1974: 402).
V
Na ciência política europeia, a ideia de representatividade mais perseguida é aquela da representação por semelhança ou similitude:
“En el significado sociológico,
por el contrario, decimos que alguien es ‘representativo de’ para decir que
éste personifica algunas características esenciales del grupo, de la clase o de
la profesión de la qual proviene o pertence”. (Sartori. 1992: 225). O
significado sociológico moderno parece excluir a ideia de que há um vínculo
arbitrário entre representante e representado. Alguém que provém de um
determinado território gramatical social pode representar interesses contrários
ao seu pertencimento sociológico. O significado sociológico diz respeito ao gramático
clássico da era moderna com a relação significante/significado não-arbitrário.
A sociologia européia crítica trata o problema da representação como força da representação em um antagonismo gramatical com a força da violência. (Colas: 457). Sem discutir as causas, a representação tem força de lei que faz pendant com a força da violência fática. A política não escapa de uma análise do equilíbrio de relações de força. Em Foucault, trata-se da política em geral como estatização do campo de poderes institucionais. Indo adiante, a política pode ser a estatização de campos de poderes gramaticais da representação e estatização de campo de poderes agramatical fáticos.
Em choque com o discurso do direito moderno, Freud estabelece o significante Estado pela ideia de injustiça:
“Que réclame l’Eat? Que les
hommes obéissent à la loi, mais c’est pour reivindiquer pour lui-même le
monopole de l’injustice”. (Colas: 523).
A força da representação tem o dever (através da consciência intencional da classe política) de diminuir o monopólio da injustiça demandada pelo Estado? Trata-se do monopólio da violência física ou simbólica como injustiça. (Colas: 200-202).
A injustiça regulando a estatização do campo de poderes faz pensar que Freud é da escola do realismo político na qual a guerra é a política por outros meios. A política pode ser a guerra por meios da força da representação gramatical?
Napoleão via a política como continuação da guerra, na necessidade de destruir fisicamente o adversário. (Clausewitz: 15). Não há representação moderna no discurso napoleônico.
Retomando K.: “Vemos, pois, que a
guerra não é somente um acto político, mas um verdadeiro instrumento político,
uma continuação das relações políticas, uma realização destas por outros
meios”. (Clausewitz: 87). A guerra é também
um gramático político?
O primeiro grande campo de poderes da era moderna é o campo hobbesiano. Para ele, a política moderna se faz através de um pacto (contratualismo social) que estabelece o justo, pois, retira os sujeitos hobbesianos do estado de natureza ou estado da guerra de todos contra todos, isto é, de uma vida dominada pelo significante injustiça:
“E a definição de injustiça não é outra senão o não cumprimento de um pacto. E tudo o
que não é injusto é justo”. (Hobbes:
90).
Onde se situa o significante representação gramatical?
Primeiro Hobbes não compartilha com Freud de que a política e da ordem do impossível. (Freud. v. XXIII: 282), ou seja, que a política deve ser reduzida ao real da realidade dos fatos da sociedade moderna. O pacto gramatical político subtrai a política do real fático. O pacto gramatical faz pendant com a soberania popular e seu mecanismo de representação. Eis o gramático hobbesiano:
“Diz-se que um Estado foi
instituído quando uma multidão de
homens concordam e pactuam, cada um com
cada um dos outros, que a qualquer homem ou assembleia de homens a quem
seja atribuída pela maioria o direito de
representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser seu representante), todos sem exceção, tanto
os que votaram a favor dele como os
que votaram contra ele, deverão autorizar todos os atos e decisões desse
homem ou assembleia de homens, tal como se fossem seus próprios atos e
decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos dos
restantes homens.
É desta instituição do Estado que
derivam todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a quem o
poder soberano é conferido mediante o consentimento do povo reunido”. (Hobbes:
111).
O gramático de cada época historial não redefine no sistema representativo a ideia de justiça? Há a justiça patrimonialista que atribui todo o direito de uso da riqueza de um país ao Príncipe absolutista. E todo súdito depende da justiça real, pessoal, privada do Príncipe. Há a justiça liberal clássica pautada nos direitos individuais do cidadão. Há a justiça democrática da era da expansão dos direitos fundamentais do homem: indivíduos e grupos sociais. (Bobbio. 1992: 49-83).
No contemporâneo do século XXI, ergue-se o significante sistema cultural oligárquico da Terra com sua ideia de justiça oligárquica-sofística, definida no livro A República:
“ – Donc faire du bien aux amis,
du mal aux ennemis, c’est là ce que Simonide entend par justice? – A mon avis –
”. (Platon: 864).
A estatização da contemporaneidade do campo de poderes suprassume o campo de poder hobbesiano e altera a ideia do justo como aquilo que cumpre o pacto da política representativa. O justo passa a ser a justiça oligárquica, pois, nela se apoia o pacto da classe política nas nações com democracia representativa. A política não se define como monopólio freudiano da injustiça, mas como monopólio do justo autotélico da classe política oligárquica!
Na democracia moderna a força da representação consiste em ser um fato gramatical que evita a queda na autocracia representativa ou nua e crua. Em uma época na qual o gramático pós-capitalista é neutro quanto a governar na democracia ou na autocracia, a luta pela força da representação democrática diferencia países em periferias lacanianos R.S.I (Real/Simbólico/Imaginário) desenvolvidas, subdesenvolvidas e terceiro-mundista africana da África no lado extremo da política da Terra.
VI
A vida empírica infinita das
democracias tem sido o objeto histérico do discurso da ciência política, da
sociologia política, da antropologia política e da psicologia política na
segunda metade do século XX. No século XXI, a crise do sistema político
representativo ocidental gerou uma onda de pessimismo, desilusão e desânimo e o
esquecimento dos textos universitários europeus e dos EUA.
O empírico invadiu a tela
gramatical da democracia representativa levando ao colapso as ciências humanas
universitárias. Então, os engenheiros do sistema político representativo
desapareceram do mapa. De fato, há uma total desmoralização da engenharia
política. Este é o meu ponto-de-partida.
Na metade do século XIX, o
partido político se fez ersatz do representado e, ao mesmo tempo, representante
do governo onde prevalece a representação por semelhança na tela gramatical. A
eleição por semelhança é um fato sociológico existencial que transcende toda
eleição voluntária e também a própria consciência. Trata-se do espaço do
inconsciente lacaniano ou lalangue (Lacan. 1976: 126-127)) nos processos
políticos do século XXI. Lalangue não serve à comunicação entre
representado-eleitor e representante-partido, ou parlamentar do partido. Pode
servir ao diálogo se um novo Príncipe reinar?
A semelhança no sistema representativo político é o significante dominus, pois, trata-se do trans-sujeito do utilitarismo ou capitalista ou subcapitalista. O partido político não precisa ser um aparelho que personifique, absolutamente ou em cada decisão, características essenciais do dominus; ele precisa ser ao menos, nas decisões táticas fundamentais, o efeito do gramático capitalista ou subcapitalista sobre a política. Se trata do partido como gramática em narração lógica da política parlamentar fazendo pendant com a política governamental fluída, pois, há tantos governos dependendo das coalizões governamentais realizadas. (Sartori: 236).
A representação por similitude significa que o partido é ˂representativo de> vontades articuladas por interesses. Pode ser interesse geográfico (localidades distritais, rural, urbano), por interesse social da sociedade de classes, interesse nacional, interesse europeu, interesse que faça pendant com o bem comum e interesse gramatical. Vivemos em uma época da sociedade de classes sociais gramatical.
A gramática da similitude na era do gramático partido político como Príncipe moderno (Gramsci) faz do partido um Príncipe bonapartista com autonomia absoluta em relação ao campo do representado. O Príncipe governa por representação por semelhança, isto é, como representativo absolutista do gramático. Governar não significa representar o representado (eleitor ou cidadão); governar está mais para realizar a representação virtual gramatical de Burke. (Sartori: 232). Esta consiste na aparência da semblância da comunhão de interesses e da simpatia e desejos sexuais no campo dos afetos e no campo do animus entre o Príncipe e o conjunto dos governados.
Na tela gramatical da política representativa da modernidade, o espelho foucaldiano encontra-se também no lugar da representação virtual como cultura política gramatical. A política é atualização da representação virtual através do Príncipe moderno, ou Príncipe eletrônico (dos meios de comunicação de massa), ou do Príncipe digital dos meios de comunicação de massas digitalis.
Os Príncipes supracitados constituem a razão da crise do sistema político representativo não ter atingido o colapso em inúmeros países dominados pela política esclerosada do partido-aparelho. Há atualmente um plus-de-jouir ou mais-de- gozar (Mehrlust) do sistema cultural oligárquico que evita o colapso final do sistema representativo. Trata-se da expropriação da mais-valia como Mehwert (Lacan. 2008: 29-30) da política representativa democrática pelo Príncipe ou eletrônico lógico-dialético e/ou digitalis transdialético gramatical. O Príncipe é o trans-sujeito gramatical no lado tático organizador do polígono mistilíneo inverso da política.
Meu texto tem a intenção de uma
introdução à política como geometria mistilínea
(a política feita com lados retilíneos e curvilíneos de geodésicas táticas e
estratégicas) que altera a geometria da linha esquerda/direita/centro
estabelecida pela Revolução francesa e até hoje dominando a linguagem das
ciências humanas, do jornalismo e do homem comum sobre a política democrática
representativa.
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