domingo, 14 de janeiro de 2018

DO PRÍNCIPE DIGITAL realmente existente

José Paulo 
                                                                              
Do Príncipe eletrônico ao Príncipe digital 

No Seminário Encore, Lacan diz que a linguagem não existe:
“Si j’ai dit le langage est ce comme quoi l’inconscient est structuré, c’est bien parce que la langage, d’abord, ça n’existe pas. Le langage est ce qu’on essaye de savoir concernent la fonction de lalangue”. (Lacan. 1975: 126).  
Esta ideia enigmática e obscura ficou esquecida na cultura das escolas freudianas. Hoje, ela deixa a sua clausura escolar, pois, há tamanha confusão no uso da língua cultural (na cultura de massa, cultura de massas, cultura da política, nas “ciências” humanas) que a ideia de Lacan passa ao comando da investigação sobre a linguagem como fenômeno de articulação da realidade dos fatos.

O uso de qualquer linguagem se realiza mais no inconsciente do que na consciência. O gramático do uso da linguagem não é, apenas, a elevação da consciência nas formas hegelianas fenomenológicas do espírito. (Hegel. 1941: 5-16). Lalangue é o gramático lacaniano que anuncia o fim da época da linguagem da política e o início de uma gramatologia política matemática, topológica lacaniana.

Lalangue é o inconsciente lacaniano da época da passagem da sociedade capitalista da modernidade para a sociedade pós-capitalista cuja etapa inicial funda-se, como rede informacional consolidada, a partir da década de 1990. Trata-se do modo de produção e circulação em rede informacional capitalista estudado por Manuel Castells. (Castells. v. 1: 173-213). Não se trata de uso idealista do conceito de rede, e sim de um uso materialista transdialético gramatical.   

A rede informacional capitalista é um gramático que toma de assalto o lugar da prática em Marx?
A prática não é o sujeito central, essencial e profundo da lógica da modernidade capitalista? Antes de abordamos a prática é necessário passar pela crise da representação.
                                                                          II
Com a invasão de Freud nas ciências humanas, o espaço da representação deixou de definir o espaço geral do conhecimento, o território trans-subjetivo da cultura dos saberes, na Europa Ocidental. (Foucault. 1966: 374). No entanto, a representação política é da ordem da cultura política do espelho da tela gramatical. Entre a cultura dos saberes em si e a cultura política há uma autonomia relativa enclausurada na ciência política.

O que Freud representa para a cultura como tal ocidental, Gramsci representa para a cultura política ocidental. Freud inscreveu o inconsciente (como crise de representação) no espaço da representação dos saberes culturais provocando a crise de tal trans-sujeito cultural representação. Gramsci pensou a política para além da representação associada à consciência liberal. Ele gerou a crise no espaço da representação da ciência política liberal que se antecipa à crise da ciência política universitária europeia e americana universitárias dominantes na segunda metade do século XX e início do século XXI. 

A consciência liberal definia o Estado como sociedade política (dominação) distinta da sociedade civil (hegemonia). Gramsci define o Estado integral como sociedade política e sociedade civil: dominação e hegemonia. A crise da representação liberal abre a janela para uma outra espécie de representação política na qual a sociedade civil absorve a sociedade política na figura do Príncipe moderno:
“Na realidade de todos os Estados, o ‘chefe do Estado’, isto é, o elemento equilibrador dos diversos interesses em luta contra o interesse predominante, mas não exclusivo num sentido absoluto, é exatamente o ‘partido político’: ele, porém, ao contrário, do que se verifica no direito constitucional tradicional, nem reina nem governa juridicamente:  tem ‘o poder de fato’, exerce a função hegemônica e, portanto, equilibradora de interesses diversos, na ‘sociedade civil’, mas de tal modo esta se entrelaça de fato com a sociedade política, que todos os cidadãos sentem que ele reina e governa. Sobre esta realidade, que se movimenta continuamente, não se pode criar um direito constitucional do tipo tradicional, mas só um sistema de princípios que afirma como objetivo do Estado o seu próprio fim, o seu desaparecimento, a reabsorção da sociedade política pela sociedade civil”. (Gramsci. 1980 :102).

O partido político torna-se um “partido político” ou Príncipe moderno. Esta é a solução para a reterritorialização gramatical do trans-sujeito partido como representação. Trata-se da passagem da representação moderna para a representação gramatical. A crise do partido político encontra-se exposta na teoria das elites e, especialmente, em Michels. Neste, o partido político torna-se uma organização burocrática oligárquica (Michels: 15) que representa a oligarquia burocrática na lei de ferro das oligarquias.

O partido político surge em uma dialética agônica com a ideia e a prática da facção, que se torna um fenômeno aversivo sexualmente, ou seja, aversivo instintivamente, no campo dos afetos e do animus:
“O termo ‘partido’ entrou em uso, substituindo gradualmente a expressão depreciativa ‘facção’, com a aceitação da ideia de que um partido não é necessariamente uma facção, que não é necessariamente um mal e que não perturba necessariamente o bonum commune, o bem-estar comum. A transição de facção para partido foi, na verdade, lenta e tortuosa, tanto no domínio das ideias como no dos fatos. A segunda metade do século XVIII mal havia começado quando Voltaire escreveu concisamente na Encyclopédie: ‘A palavra partido não é, em si repulsiva; a palavra facção sempre é’. Com seu versátil gênio para a síntese, Voltaire resumiu nessa frase um debate iniciado por Bolingbroke em 1732 e que se desenrolaria ainda por cerca de um século”. (Sartori: 23).

Na crise da representação política, o partido político volta a adquirir o sentido repulsivo de facção reformado, pois, agora trata-se de um aparelho burocrático de uma minoria em prol da minoria, ou melhor, um aparelho oligárquico. Na contemporaneidade, o Príncipe moderno gramatical é aquele acontecimento que assegura a persistência da democracia representativa na dupla crise da representação ocidental: na cultura estrito senso e na cultura política do sistema de partidos tradicionais.       

O Príncipe moderno representa gramaticalmente as massas gramaticalizáveis sorelianamente em processos revolucionários democráticos ocidentais. Nesta situação, a democracia representativa só persiste como revolução gramatical permanente. Gramsci diz que a representação faz pendant com a estética na definição do “partido político”:
“O caráter fundamental do Príncipe é o de não ser um tratado sistemático, mas um livro ‘vivo’, no qual a ideologia política e a ciência política fundem-se na forma dramática do ‘mito’. Entre a utopia e o tratado escolástico, formas nas quais se configurava a ciência política de Maquiavel, este deu à sua concepção a forma da fantasia e da arte, pela qual o elemento doutrinário e racional personifica-se em um condottiero, que representa plástica e ‘antropomorficamente’ o símbolo da vontade coletiva’. O processo de formação de uma determinada vontade coletiva, para um determinado fim político, é representado não através de investigações e classificações pedantes de princípios e critérios de um método de ação, mas como qualidades, traços característicos, deveres, necessidades de uma pessoa concreta, o que põe em movimento a fantasia artística de quem se quer convencer e dá uma forma mais concreta as paixões políticas”. (Gramsci. 2014: 13; Gramsci. 1975: 1555)

O antropomórfico, a pessoa concreta e o condottiero associam a ciência da política de Gramsci (fazendo pendant com Maquiavel) com a ciência do homem. O condottiero se coaduna com aforça prática da qual Marx fala sobre a Revolução francesa:
“Para la ejecución de las ideas hacen falta hombres que dispongan de cierta fuerza práctica”.  (Lenin. 1974: 29). O condottiero é força prática, se ele é um partido em filosofia materialista (Lenin. 1975: 267, 268, 270). Ele se define como teoria (ciência da política) e prática (revolução), ou seja, como praxis. Ele é a tese 11 do texto Teses contra Feuerbach: Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente, cabe transformá-lo. (Marx. 1974: 59).

Interpretar o mundo como contemplação do mundo define o ideólogo para Marx. O condottieronão é um ideólogo. Ele é a junção do ideólogo (interpretação contemplativa da realidade dos fatos) e do cientista da política (explicação dos fatos como artefatos) como escultor na fantasia artística.  

A ideologia política e a ciência da política fazem junção na forma dramática do mito. O mito em Sorel já é o caminho da política banhada pelo inconsciente:
“A arte grega supõe a mitologia grega, isto é, a elaboração artística mais inconsciente da natureza e das próprias formas sociais pela imaginação popular. É esse o seu material. O que não significa qualquer mitologia, ou seja, qualquer elaboração artística inconsciente da natureza (subtendendo esta palavra tudo o que é objetivo, incluindo, portanto, a sociedade). [Marx. 1974: 130).

O “mito” como fantasia artística é próprio da época moderna:
“Jamais a mitologia egípcia teria podido proporcionar o terreno ou o seio materno para arte grega. Mas de qualquer modo é necessária uma mitologia. Portanto, nunca uma sociedade num estágio de desenvolvimento que exclua qualquer relação mitológica com a natureza, qualquer relação geradora de mitos, exigindo assim do artista uma fantasia independente da mitologia”. (Marx. 1974: 130).

O Príncipe gramatical é, sobretudo, um artista (um escultor nietzschiano) da política. Ele faz a junção da consciência intencional da política com o sujeito gramatical como efeito estético do discurso do político (Lacan. 2008: 47; Lacan 2003: 535).
“Mas a dificuldade não está em compreender que a arte grega e a epopeia estão ligadas a certas formas de desenvolvimento social. A dificuldade reside no fato de nos proporcionarem ainda um prazer estético e de terem ainda para nós, em certos aspectos, o valor de normas e de modelos inacessíveis” (Marx. 1974: 131) na vida prosaica da política. A propósito, o Príncipe gramatical é uma força estética como reencantamento da praxis:
“Por que então a infância histórica da humanidade, precisamente naquilo em que atingiu seu mais belo florescimento, por que esta etapa para sempre perdida não há de exercer um eterno encanto? Há crianças mal-educadas e crianças precoces. Muitos povos da Antiguidade pertencem a esta categoria.  Crianças normais foram os gregos. O encanto que a sua arte exerce sobre nós não está em contradição com o caráter primitivo da sociedade em que ela se desenvolveu. Ao contrário, está indissoluvelmente ligado ao fato de as condições sociais insuficientemente maduras em que esta arte nasceu, e somente sob as quais poderia nascer, não poderão retornar jamais”. (Marx. 1974: 331).

Com as ideias de tragédia histórica, comédia histórica e epopeia histórica, Marx criou uma ciência da política cuja força estética liga-se à várias espécies de revolução. A revolução é a junção do prosaico com o poético em uma estética associada às lutas de classes:
“A revolução social do século XIX não pode tirar sua poesia do passado, e sim do futuro. Não pode iniciar sua tarefa enquanto não se despojar de toda veneração supersticiosa do passado. As revoluções anteriores tiveram que lançar mão de recordações da história antiga para se iludirem quanto ao próprio conteúdo. A fim de alcançar seu próprio conteúdo, a revolução do século XIX deve deixar que os mortos enterrem seus mortos. Antes a frase ia além do conteúdo; agora é o conteúdo que vai além da frase”. (Marx. 1974: 337).                                  
A epopeia histórica é a estética da revolução social do futuro. Para completar, a estética como força prática do Príncipe gramatical segue a linha de força da estética do desinteresse da infância política da humanidade.

Kant assim definiu a estética como força prática:
“Mas não podemos elucidar melhor essa proposição, que é de importância primordial, do que se contrapomos à complacência pura e desinteressada no juízo do gosto, aquela que é ligada a interesse”. (Kant: 50; Bayer: 202-203).

Na tela gramatical da política do contemporâneo, o Príncipe gramatical é a força prática (atuando em rede digital) da estética do desinteresse. A diferença elementar com o Príncipe eletrônico-lógico reside no fato que este é um agir de uma estética vulgar do interesse publicitário. O Príncipe gramatical digital gramatical transdialético habita o espaço coalhado pela publicidade do discurso do publicitário (Facebook, por exemplo), mas é uma força prática em rede da estética do desinteresse.

O Príncipe moderno tem como modelo o partido bolchevique que agiu no território da ideologia estética (Marx. 1974: 136). No entanto, Gramsci entrevê outros Príncipes como o Príncipe eletrônico-lógico em si e o Príncipe gramatical em narrativa transdialética:
“O Príncipe de Maquiavel poderia ser estudado como uma exemplificação histórica do ‘mito’ soreliano, isto é, de uma ideologia política que se apresenta não como fria utopia nem como raciocínio doutrinário, mas como uma criação da fantasia concreta que atua sobre um povo disperso e pulverizado para despertar e organizar sua vontade coletiva. O caráter utópico do Príncipe consiste no fato de que o ‘príncipe’ não existia na realidade histórica, não se apresentava ao povo italiano com características de imediaticidade objetiva, mas era uma pura abstração doutrinária, o símbolo do líder, do condottiero ideal; mas os elementos passionais, míticos, contidos em todo o pequeno livro, com movimento dramático de grande efeito, sintetizam-se e tornam-se vivos na conclusão, na invocação de um príncipe ‘realmente existente’ “. (Gramsci. 2014: 13-14; Gramsci. 1977: 1555-1556).  
                                                              PRÍNCIPE ELETRÔNICO   

A forma do Príncipe digital é aquela de uma realidade virtual atualizável em sujeito gramatical (gramático) de uma prática em redes digitalis. Já o Príncipe eletrônico é uma realidade possível realizada no sujeito gramatical (substantivo lógico como intelectual). O discurso do lógico é articulado como um artefato hierárquico por um conjunto de intelectuais pagos em uma divisão do trabalho capitalista ou subcapitalista. A empresa é a organização burocrática na qual o lógico trabalha para produzir uma mais-valia eletrônica. O lógico é submetido as regras do sistema cultural oligárquica nacional que faz pendant com as regras do sistema oligárquico da Terra.

O Príncipe digital é o gramático hipertexto estudado pelo quase discípulo de Derrida, Pierre Lévy: “A escrita (a gramaticalização da fala) separa a mensagem de um corpo vivo e de uma situação particular”. (Lévy. 1996: 88). O gramático advém assim: “ A significação de um composto não pode ser reduzida a priori da lista de seus elementos – trata-se de uma atualização criadora em contexto”. (Idem: 88).

O Hipertexto surge com a ideia de que a mente humana não trabalha com representações hierarquizadas. Ela opera com associações de representações em uma tela gramatical. O físico e matemático Vannevar Bush foi o criador do hipertexto (e Theodore Nelson criou a palavra) que sugeriu a tela da televisão como primeira tela gramatical hipertextual. (Lévy. 1993: 28-29). Hoje, a tela do computador pessoal e várias outras telas digitais definem de um modo mais completo o Príncipe digitalis.

O hipertexto é, originariamente, um dispositivo para criar uma nova espécie de diálogo no campo da cultura dos saberes institucionais e empresa capitalista. (Lévy. 1993: 29). Todavia, aí já se anunciava uma nova modalidade, pela metade, de articulação da hegemonia, pois, a articulação da hegemonia é a transdilética entre diálogo e luta para se definir um campo de verdades.  

A definição de hipertexto é o gramático como avesso do lógico. (Idem: 33,37,39). O hipertexto é a escrita não-linear, não-hierárquica, não burocrática. Trata-se do anverso do audiovisual clássico ou do suporte impresso habitual. Ainda estamos falando do território da cultura dos saberes ocidentais. Meu caminho é pensar o hipertexto como habitando o espaço da política em si e em extensão.

O hipertexto abole a fronteira entre técnica industrial e gramática. Trata-se de um fenômeno embriagador da época do comando da política não pela linguagem, e sim por lalangue. A invasão da fronteira da técnica pelo gramático digital (tecnologia gramatical) pode ser vista no contexto da tecnopolítica da década de 1990. Na tela digital, o sujeito gramatical é o usuário do hipertexto em um espaço da micropolítica como diálogo e luta. (Lévy. 1993: 60). A micropolítica ainda faz junção (e está subsumida ao hipertexto cultural) com o hipertexto cultural: “que já é sempre uma narrativa de uma narrativa, o comentário, o julgamento ou a interpretação de um texto precedente”. (Idem: 61). Assim, o leitor de meu texto será assombrado pelo fim do autor na cultura hipertextual. Como o autor moderno está inscrito no espaço da representação da cultura dos saberes da modernidade, nos deparamos com a aceleração tempo-espacial da crise da representação ocidental, ou melhor, com o colapso do significante gramatical Ocidente.

O Príncipe digital pode se atualizar em um coletivo inteligente que:
“não é mais um sujeito fechado, cíclico da Terra, reunido pelos laços do sangue ou da transmissão de relatos. É um sujeito aberto a outros membros, a outros coletivos, a novos aprendizados, que continuamente se compõe e decompõe, ‘nomadiza’ no Espaço do saber”. (Lévy. 2015: 175).

O Príncipe digital é transtextual, hipertextual e da região cosmopédia:
“No quarto espaço, denominamos, com Michel Serres, cosmopédia um novo tipo de organização dos saberes, repousando em grande parte nas possibilidades para a representação e gestão dinâmica dos conhecimentos abertas com a informática”. (Lévy. 2015: 175).

Neste caminhar, o Príncipe digital é o caminhante do território do trans-sujeito representação digitalis.  
Desde Hobbes, a política tem autor (a multidão da soberania popular) e ator, isto é, os representantes da soberania popular. (Hobbes: 100-103). A política digital abole a diferença entre autor e ator? Ela abole a relação representante versus representado que define a ideia de governo ocidental?

Pierre Lévy admite a persistência no ser da sociedade pós-capitalista de um espaço procedural pública (hipertextual fazendo pendant com a cosmopédia), constituído por diálogo e lutas abertas e às vezes ferozes:
“Michel Callon, Bruno Latour e a nova escola de sociologia das ciências mostraram que, longe de serem ‘irresistíveis’, as proposições científicas eram objeto de controvérsias violentas. Mesmo após aceitas, é preciso ainda mantê-las (já que cada membro da comunidade reinterpreta e desvia aquilo que recebe dos outros) ”. (Lévy.1993 :191). Há autores (que criam pequenas redes hipertextuais/cosmopédicas) e atores interpretativos do contexto das redes digitais. As técnicas não determinam nada, pois, estão subsumidas ao trans-sujeito digitalis em tela. (Idem: 188). Assim, o leitor pode constatar que a política digital já é uma certa junção da cultura dos saberes tout court com o campo de poderes na tela gramatical que tem como espelho a cultura política como tal.

No campo de poderes da tela gramatical digital (estatização de poderes), há várias espécies de autores como o lógico ou intelectual, o gramático, o escritor e o rhetor percipio. Há inúmeras espécies de atores que vão da pessoa ao subescritor, do ideólogo ao robô, ao administrador do Facebook. Para Lévy, o Príncipe digital é uma junção poligonal mistilínea entre os lados da técnica digital (habitados por pessoas) e os lados da estética -habitados por obras de arte. (Idem: 187).
                                                                                      III

O inconsciente freudiano invadiu o campo da ciência do homem se tornado um ponto de inflexão da crise de representação na cultura do Ocidente. Gramsci é o Freud da cultura política ocidental. O Príncipe digital é uma reviravolta lacaniana, pois, a linguagem desaparece como aquilo pela qual o inconsciente se estrutura: o inconsciente se estrutura como uma linguagem.

Com Lacan, lalangue é o inconsciente que é estruturado por uma linguagem matemátizável como topologia lacaniana. O Príncipe digital é um acontecimento de matematização (via algoritmo) da cultura em si e da cultura política como tal. Trata-se de um espaço público procedural que, se é apropriado pessoalmente, privadamente territorializado, é também reterritorializado pelas organizações capitalistas da sociedade gramatical pós-capitalista.

As organizações capitalistas digitais (como o Facebook) geram algoritmos para tentar dar um curso determinado para a articulação da hegemonia hipertextual/cosmopédica. Trata-se de dominação capitalista no funcionamento do hipertexto. Assim, o Príncipe digital se constitui como dominação capitalista e articulação de hegemonia da sociedade pós-capitalista.   
                                                                DIALOGAR-LUTAR

A ideia de inteligência coletiva é algo cognitivo e prática como “trabalhar em comum acordo ” ou no sentido de “entendimento com o inimigo”. (Lévy. 2015: 24). Trata-se de uma alteração radical e substantiva no significante política? Ou então o simples desaparecimento da política definida como discriminação amigo/ inimigo. (Schmitt. 1992: 51).  

A inteligência coletiva seria a fantasia lacaniana do futuro (Lévy. 2015: 24) na qual o entendimento com o inimigo seria algo fazendo pendant com um futuro improvável tal como dito por Carl Schmitt:
“A unidade política não pode, por essência, ser universal no sentido de uma unidade englobando toda a humanidade e toda a terra. Se um dia os diversos povos, religiões, classes e outros grupos humanos da terra estiverem todos juntos tão unidos que uma luta entre eles se torne impensável, e mesmo se no interior de um império que englobe toda a terra nem se considerasse jamais a possibilidade de uma guerra civil, e se então a diferenciação entre amigo e inimigo cessasse de existir mesmo enquanto mera eventualidade, então só existiria ainda ideologia, cultura, civilização, economia, moral, direito, arte, diversão etc. , todas isentas de política, mas não existiria mais nem política e nem Estado”. (Schmitt. 1992: 80).

Baudrillard fala do fim da política como dialética amigo versus inimigo no conceito e realidade do simulacro de simulação (Baudrillard. 1981: 177, 119) fazendo pendant com o significante gramatical transpolítico:
“O transpolítico é a transparência e a obscenidade de todas as estruturas num universo desestruturado, a transparência e a obscenidade da mudança num universo desistorizado, a transparência e a obscenidade da informação num universo sem acontecimento, a transparência e a obscenidade do espaço na promiscuidade dos canais, a transparência e a obscenidade do social nas massas, de político no terror, do corpo na obesidade e na clonagem genética...Fim da cena da história, fim da cena do político, fim da cena do fantasma, fim da cena do corpo – irrupção do obsceno. Fim do segredo – irrupção da transparência”. Baudrillard. 1991b: 23; Baudrillard. 1983: 29).

A cultura do simulacro de simulação no transpolítico significa o fim da realidade autêntica do sistema político representativo. A democracia representativa ocidental faz a passagem para a democracia do simulacro. Esta realidade é aquela existente no Brasil imperial escravagista do século XIX. (Nabuco. v. 2: 988). Trata-se de uma regressão ao estágio de uma formação política subdesenvolvida capitalista-escravagista, seguida da implosão gramatical do Ocidente.

Em Baudrillard não há dúvidas do colapso do sistema representativo democrático. O que entra no lugar da democracia representativa autêntica é uma cópia dela, um ersatz de democracia representativa, democracia sem sujeitos democráticos. Assim, esfuma-se a diferença entre democracia representativa no território dos países capitalista desenvolvidos e subdesenvolvidos.

A interpretação de Baudrillard da fantasia lacaniana do futuro de Schmitt foi amplamente usada pelo gramático do globalismo neoliberal. Forças desse rhetor percipio aplicam-se para diminuir o poder e o mito do Estado hobbesiano como Deus Mortal (Hobbes: 110). Cassirer interpreta a crise do mito do Estado nacional a partir de Hegel (Cassirer: 282-288). O desencantamento do Estado começa no território da cultura com a definição de modernidade em Hegel. (Colliot-Thélène: 34-35). A ideia de Estado no nascimento da filosofia hegeliana de Estado já é o desencantamento do Estado na época da modernidade. Marx reduziria do Estado hegeliano a um simples aparelho de dominação da burguesia.

Hegel diz:
“La puissance (Macht) de l’Etat est l’instance réflexive et vivente dans laquelle s’intériorisent les pouvoirs de la loi. Et comme c’est seulement dans la loi que les individus sont préservés dans leur être-là, leur vie et leur pensés, la théorie de l’Etat comme instance réflexive et vivente de la loi et des pouvoirs de celle-ci sera tout autre chose qu’une théorie du droit public ou constitutionnel. Elle se rapprochera plutôt d’une physiologie, en tant que théorie des fonctions d’un corps vivant et des organes qui leur correspondent. Hegel dirá en ce sens que cet Esprit de l’Etat ˂est à soi-meme organisme étant-là> ”. (Taminiaux: 57)        
  
A existência e progressão da União Europeia parece que dava razão ao rhetor percipio do globalismo neoliberal até a Inglaterra, através de um plesbicito, resolver sair da U.E e os blocos econômicos transnacionais caírem em uma estagnação agônica. E Donald Trump assumir a presidência da república nos EUA. 

Na contemporaneidade do século XXI, à crise do sistema representativo democrático junta-se a crise da cultura do simulacro de simulação e do transpolítico. Trata-se da crise irrevogável do Príncipe eletrônico, de Octávio Ianni, como ‘partido político’ cultural no comando da política, ou melhor, do transpolítico. Em uma evolução do lógico (meios de comunicação de massa) para o gramatico (meios de comunicação de massas gramaticais) ainda não metabolizada na consciência dos povos surge o Príncipe digital.

             
                                                                                        TRIBALISMO POLÍTICO

No caminho do pessimismo político, Castells estudou o tribalismo da sociedade (Castells: 26) em rede informacional. Trata-se da política da identidade religiosa ou civil que implode a sociedade civil como lugar da articulação da hegemonia gramsciano? (Castells: 25). A política da identidade é aquela existente no campo de atores e instituições dominantes. Ambos criam identidades coletivas. (Idem: 24).

A desintegração da sociedade civil abre a porta para um campo de poderes identitário que é regulado pela dominação. Foucault reescreveu o conceito de dominação de Gramsci, bebendo no conceito de assujeitamento ideológico de Althusser (Althusser: 115, 120).

Foucault diz:
“O sistema de direito e o campo judiciário são o veículo permanente de relações de dominação, de técnicas de sujeição polimorfas. O direito, é preciso examiná-lo, creio eu, não sob o aspecto de uma legitimidade a ser fixada, mas sob o aspecto dos procedimentos de sujeição que ele põe em prática. Logo, a questão, para mim, é curto-circuitar ou evitar esse problema, central para o direito, da soberania e da obediência dos indivíduos submetidos a essa soberania, e fazer que apareça, no lugar da soberania e da obediência, o problema da dominação e da sujeição”. (Foucault. 1999: 32).

A política identitária pode ser: um exercício criativo das instituições dominantes para criar massas assujeitadas ao poder político; poder ser política de resistência de atores que criam identidade para respirar frente à política identitária dominante; pode ser política de projeto dos resistentes para se transformarem em dominação e assujeitar o inimigo identitário. (Castells. v. 2: 24-25).

Instituições e atores identitários significam o colapso da sociedade civil da linguagem de Hegel a Gramsci. A sociedade burguesa é substituída por uma sociedade pós-burguesa. Castells fala de atores fundamentalistas religioso, racial e nacionalista, do feminismo da guerra civil sexual fazendo pendant com o movimento afro-americano da guerra civil racial como os mais significativos da época do tribalismo da sociedade em rede informacional.

O livro O poder da identidade é de 1996. O livro A transfiguração do político. A tribalização do mundo é de 1992. A implosão da sociedade programada ocidental é um efeito do significante tribalismo. Trata-se, em último caso, da dialética do racional com o imaginal: representação, imaginário e simbólico. (Maffesoli: 75). No início da época do globalismo neoliberal, a sociedade civil moderna é sobrepujada pela comunidade das tribos de um ponto de vista sócio-antropológico:
“Boa caracterização igualmente do que Durkheim chamava de ‘divino social’, conjunto complexo em que todos os elementos dos meios social e natural entram em interação permanente”. (Maffesoli: 215).

A desintegração da articulação da hegemonia na sociedade civil e a soberania da dominação fuocaldiana no campo de poderes é o fato que gera uma inflexão na história da sociedade ocidental da modernidade. A sociedade civil é substituída por um campo de poderes ersatz de sagrado, visto mais da ótica de Baudrillard do que do olhar da sociedade em rede de Castells.

Na produção da contemporaneidade do século XXI, há uma reviravolta com a reterritorialização no trans-sujeito político da transdialética gramatical sociedade civil versus sociedade política!

Os movimentos fundamentalistas (religioso, nacionalismo, negro, feminismo) tomam de assalto a sociedade civil da modernidade e agem como força dissipativa da sociedade de classes e da luta de classes. Trata-se de um campo de poder de atores do “divino social”. Os atores se consideram como sujeitos destinado à dominação do inimigo e parte de um projeto de reencantamento do prosaico mundo moderno burguês.

O novo campo de poderes significa a transfiguração tribalista do político:
“A transfiguração do político completa-se quando a ambiência emocional toma o lugar da argumentação ou quando o sentimento substitui a convicção”. (Maffesoli: 147).

A transfiguração do político faz pendant com a época do domínio do Príncipe eletrônico, pois, os meios de comunicação de massa eletrônico interpela os indivíduos como sujeitos de sentimento, assujeitados ao sentimento, parafraseando Althusser.

Na contemporaneidade do século XXI, a política de tribalização do mundo existe no Oriente Médio, na América Latina com o bolivariano, nos EUA com o nacionalismo alucinatório de Donald Trump, na Inglaterra Brexit (separação da Grã-Bretanha da União Europeia) e em muitos outros fenômenos. A tribalização é uma linha gramatical de força constitutiva da política identitária do século XXI da sociedade em rede digital pós-capitalista. É inegável.

Já vivemos a passagem da sociedade em rede informacionalis para a sociedade em rede digitalis. E como estamos tentando dizer, há uma reviravolta nessa passagem com a supremacia do Príncipe digital sobre o Príncipe eletrônico.

Os movimentos sociais em rede na época da internet e a eleição de Obama (através das redes digitais) nos EUA são os signos do comando na política do Príncipe digital. Castells fala de redes de indignação e esperança na Tunísia, na Islândia, na revolução egípcia, nas insurreições árabes, dos indignados da Espanha, do Occupy Wall Street. Em alguns países (Egito, Tunísia etc.) a revolução desejava o sistema representativo democrático. Na Espanha e nos EUA, tratava-se da crise da democracia representativa. Desejava-se outras espécies de democracia além da representativa.

Castells resumiu os impasses do espontaneísmo de massas populares da stásis digital de rua de um modo muito simples e verdadeiro:
“O consenso parece ser, afinal, que os sonhos de mudança social terão de se diluir e canalizar por meios das instituições políticas, seja mediante reforma, seja por revolução. Mesmo neste último caso, os ideais revolucionários serão interpretados (traídos?) pelos novos poderes constituídos e sua nova ordem constitucional. Isso cria um grande dilema, tanto analítico quanto prático, quando se avalia a produtividade política de movimentos que, na maioria dos casos, não acreditam nas atuais instituições políticas e se recusam a crer na viabilidade de sua participação nos canais de representação política predeterminados”. (Castells. 2013: 171).  

Não se tratava mais de massas da cultura do simulacro de simulação? Se tratava de massas gramaticais da política da sociedade pós-capitalista. No entanto, não há um curto-circuito na política pós-capitalista? A leitura de Baudrillard das massas continua assombrando a produção do contemporâneo do século XXI:
“É o astro frio do social, em torno de cuja massa a história arrefece. Os acontecimentos sucedem-se e neutralizam-se na indiferença. Neutralizadas, falsificadas pela informação, as massas, por seu turno, neutralizam a história e funcionam como écran de absorção. Elas próprias não têm história, não têm sentido, não têm consciência, não têm desejo. São resíduos potencial de toda a história, de todo o sentido, de todo o desejo. Todas estas belas coisas, manifestando-se na nossa modernidade, fomentaram uma contrapartida misteriosa cujo desconhecimento desorganiza actualmente todas as estratégias políticas e sociais”. (Baudrillard. 1992: 11).

Mafessoli lembra que Marx define, recorrentemente, a política como forma profana da religião. (Zylberberg: 49). Mesmo a política da modernidade não pode ser reduzida a uma forma prosaica burguesa, assim como as massas:
le peuple en tant que masse a pour responsabilité essentielle de triompher de la mort de tous les jours. Tâche qui demande, on s'en doute, un effort constant et une grande économie d’énergie. C’est cela même qui fonde sa noblesse”. (Zylberberg: 56).   

Paul Lévy foi um dos autores a se debruçar com paixão no objeto Príncipe digital ainda na década de 1990. No final século XX, ele surge com um projeto fantasia do futuro (Marx) chamada inteligência coletiva. Antes de abrir as comportas de desejo de tal projeto, remeto o leitor a Baudrillard que tentou ir além da crise da representação - que eclode com a invasão das ciências humanas por Freud.
                                                                                   BAUDRILLARD CONTRA FREUD

A sociologia pós-modernista de Baudrillard decretou o fim da psicanálise na época da hiper-realidade do sexo e do hiperpoder foucaultiano:
“Já não existe feminino ou masculino: grau zero da estrutura. É bem que hoje se produz simultaneamente: polivalência erótica, infinita potencialidade do desejo, ramificações, difrações, intensidades libidinais – todas as múltiplas variantes de uma alternativa liberadora oriundos dos confins de uma psicanálise liberta de Freud ou dos confins de um desejo liberto da psicanálise- todas se conjugam por trás da efervescência do paradigma sexual para a indiferenciação da estrutura e sua potencial neutralização”. (Baudrillard. 1991a: 10-11).

No lugar do sexo e (do poder), entram lógicas sedutoras e agonísticas: “as lógicas rituais são mais fortes que o sexo. Tanto quanto o poder, o sexo nunca é a razão oculta da história”. (Idem: 54).
Atacando seu amigo Foucault abertamente, B. diz:
“A sedução é mais forte que o poder, pois é um processo reversível e mortal, ao passo que o poder se quer irreversível como o valor, cumulativo e imortal como ele. Compartilha todas as ilusões do real e da produção; quer-se da ordem do real e oscila assim no imaginário e na superstição de si mesmo (com o auxílio das teorias que o analisam, embora para contestá-lo). A sedução não e da ordem do real. Nunca é da ordem da força nem da relação de forças. Mas, precisamente por isso é quem envolve todo o processo real do poder assim como toda a ordem real da produção, dessa reversibilidade e desacumulação ininterruptas sem as quais não haveria poder ou produção”. (Idem: 56).

O Príncipe eletrônico trabalha no campo do poder real. Já o Príncipe digital trabalha no campo do poder gramatical. Este é um agir em um processo reversível, mortal; não é do campo de poderes fáticos, nem da ordem da força real ou da relação de forças fáticas. E Ele é a condição de possibilidade dos poderes fáticos. Ele é do território das relações de forças gramaticais. Este real de Baudrillard é o velho real (de uma certa da filosofia tradicional) que não passou pela revolução lacaniana do significante real.  

Baudrillard em nenhum momento confronta o significante gramatical lalangue, isto é, o inconsciente lacaniano. Porém, a sedução associada ao jogo parece descartar a revolução lacaniana do campo freudiano. Baudrillard é claro:
“Aquilo contra o que o discurso deve lutar é não tanto o segredo de um inconsciente, mas o abismo superficial de sua própria aparência e, se é preciso triunfar sobre alguma coisa, não são fantasmas ou alucinações prenhes de sentido e contra-sentido mas sim a brilhante superfície do não-sentido e de todos os jogos que ela torna possíveis”. (Idem: 63).

Sobre Lacan, Baudrillard não poupa palavras:
“A sedução lacaniana é certamente uma impostura, mas a sua maneira corrige, repara e explica a impostura original do próprio Freud, a da exclusão da forma/sedução em proveito de uma ciência que nem mesmo é uma só. O discurso de Lacan, que generaliza uma prática sedutora da psicanálise, de uma certa maneira vinga essa sedução excluída, mas de um modo também contaminado pela psicanálise, ou seja, sempre sob os auspícios da Lei (do simbólico) – sedução capciosa que sempre se exerce

A grande tacada lacaniana para a ciência do homem é a periferia topológica R.S.I. (Real/Simbólico/Imaginário) que definiria nossa época na produção do contemporâneo do século XXI. Na configuração RSI, o Real articula a política no território do trans-sujeito gramatical da Terra. O simbólico e o imaginário encontram-se submetidos à invasão sedutora da periferia Real neles. Lalangue é o real da realidade sedutora de uma certa matematização topológica lacaniana da política representativa democrática. A matematização da representação democrática (por lalangue) retira a representação do circuito da crise da representação que se deve a Freud, na cultura, e que Gramsci retomou na discussão da política (no espelho da cultura política na tela gramatical) integral como dominação (direito) e articulação da hegemonia (avesso) em uma banda de Moebius.

A política como um espaço lógico e do lógico se apresenta em Baudrillard e, também, nos meios de comunicação de massa, ou seja, no Príncipe eletrônica. Aqui tudo se resume à sedução da transparência da mensagem sem conteúdo, sem sujeito, sem subjetividade, sem trans-sujeito; superfície sem profundidade não cabendo aí o uso dos oceanos como metáfora da política imperial colonial europeia do século XV e do século XXI. Hoje, o colonialismo oriental (asiático) da China na África e na América Latina é parte do espaço invisível da tela gramatical da política da Terra.    

Como o discurso do Príncipe eletrônico, Baudrillard não vê o planeta repartido em capitalismo desenvolvido, subdesenvolvido, e terceiro mundo africano articulando as periferias RSI em quase todos os países do “centro” do capitalismo. Há um igualitarismo cultural do politicamente correto (e científico fraudulento) entre continentes, regiões, países da superfície baudrillardriano que é uma força do lógico (= intelectual) da qual o globalismo neoliberal fez o mapa para a desintegração dos povos, das nações e do Estado-nação.

O discurso do transpolítico da sedução de Baudrillard faz pendant com o discurso do transpolítico do Príncipe eletrônico. No século XXI, a emersão do Príncipe digital se constitui como um ponto de inflexão do domínio trans-subjetivo lógico do pós-modernismo.  

O Príncipe digital é a reversibilidade gramatical da irreversibilidade do domínio do trans-sujeito globalismo neoliberal e de seu campeão invencível (agora derrotado) os meios de comunicação de massa.
                                                   APROFUNDAMENTO DA DEMOCRACIA ONDE?           

Vejamos agora a discussão da hegemonia do Príncipe digital na cultura em si e na cultura política como tal (e na política representativa democrática).

Os coletivos inteligentes são o autor da democracia do ciberespaço? Eles são a manifestação na realidade digital do Príncipe digital. Eles definem os países como desenvolvidos (Lévy. 2015: 73) na medida em que se constituem na fantasia lacaniana do futuro ou da fantasia de Marx do futuro (do Manifesto do Partido Comunista) como aprofundamento da democracia representativa em democracia direta digital do ciberespaço.
O subdesenvolvimento digital significa que a fantasia da democracia direta digital não é uma realidade virtual capaz de ser atualizada. O terceiro-mundo africano digital é, precisamente, o grau zero da fantasia do futuro de democracia direta digital.

O que cabe ao subdesenvolvimento é manter a potência da democracia representativa. Evitar que ela regrida para alguma espécie de autocracia, hoje, informacionalizável.

Lévy faz distinções claras entre o Príncipe eletrônico e o Príncipe digital realmente existente, ou seja, o Príncipe digital dito, como tal, pelo marxismo gramatical ocidental . (Lévy. 2015: 74-75).

O Príncipe eletrônico faz pendant como o domínio na cultura política da televisão, publicidade e estatísticas de sondagem de opinião e espionagem dos serviços secretos. Considerado o papa da publicidade pós II Guerra Mundial americana, o escocês David Ogilvy deixa claro a associação entre os fenômenos supracitados. (Ogilvy: 50-71).

O príncipe eletrônico é da época da sociedade do espetáculo (Debord: 15, 16) e dos Estados burocráticos nacionais em decomposição lenta, mas contínua. Tal príncipe se define por fazer pendant com governos que estão incapacitados de administrar política em longo prazo. O ataque permanente, ininterrupto, constante ao Estado-nação e sua burocracia patriótica, como administração de inconscientes ou freudiano ou lalangue e gramático teocrático (Legendre:9, 111) se constituem como a causa principal da falta do Estado como gramático formulador e executor de política em longo prazo.

A atualização do Príncipe digital como aprofundamento da democracia do ciberespaço é a leitura que atravessa, de ponta a ponta, o livro A inteligência coletiva. Trata-se de um livro que se apresenta e se expõe como uma nova filosofia política digital de um novíssimo humanismo muito útil para a cultura política dos países desenvolvidos como homo digitalis. Também é imensamente útil para aprofundar um debate sobre subsenvolvimento capitalista (subcapitalismo) e democracia representativa na época do ciberespaço e de seu Príncipe digital.

ALTHUSSER, Louis. Positions. Paris; Editions Sociales, 1976
BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et simulation. Paris: Galilée, 1981
--------------------------  Les stratégies fatales. Paris: Grasset, 1983
-------------------------    As estratégias fatais. Lisboa: Estampa, 1991a
------------------------      Da sedução. Campinas: Papirus, 1991b
------------------------       A ilusão do fim ou a greve dos acontecimentos. Lisboa: Terramar, 1992
CASTELLS. Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. v. 1. A sociedade em rede. SP: Paz e Terra, 1999
CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. v. 2. O poder da identidade. SP: Paz e Terra, 1999
CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança. Movimentos sociais na era da internet. RJ: Zahar, 2013
BAYER, Raymond. História da estética. Lisboa: Estampa, 1979
CASSIRER, Ernest. RJ: Zahar Editores, 1976
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DEBORD, Guy. La société du spectacle. Paris: Gallimard, 1992
FOUCAULT, Michel. Les mots et les choses. Paris: Gallimard: 1966
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Gramsci, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. RJ: C.B, 1980
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--------------------    Le Seminaire. Livre XX. Encore. Paris: Seuil. 1975
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LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva. SP: Folha de São Paulo, 2015
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