domingo, 27 de março de 2016

POLÍTICA


Escrever no Brasil sobre política parece de uma inutilidade humilhante. Há o sofista que transmite o saber político sem a prática; o político profissional pratica a política baseado na experiência do funcionamento do legislativo; ele é incapaz de transmitir o saber empírico que adquire profissionalmente. Tal saber político não diz para o político o que é a aparência da política (semblant) em oposição à essência dela.
Uma certa subcultura política utilitarista (ersatz de cultura política materialista dialética) enfiou na cabeça dos políticos brasileiros que a política gira em torno dos interesses privados. Trata-se, portanto, de obedecer à physis, à natureza privada da necessidade e da verdade absoluta utilitária, que divide o mundo em obtenção de prazer (gozo oligárquico) e modo de evitar o desprazer, a dor. Os políticos, então, buscam a homónoia (o consenso, o acordo, a concórdia, o pacto) na busca do máximo de prazer. Assim, a política é o reino aparente da felicidade da classe política.
Nesta viajem ao semblant de Jardim do Éden oligárquico, o político ignora que a política existe para proporcionar a felicidade para toda à polis. Como fazer para alcançar tal estado? Através do saber político como arte de governar?
Governar significa ter a posse da ciência dos discursos praticados no parlamento ou nas eleições? Ciência do discurso utilitário que teça a homónoia utilitarista na classe política? Aí, a classe política ignora que a política é a ciência política do real, dos objetos (das Ding), como a definiu o criador dela: Aristóteles. Trata-se da ciência de deliberação (baseada no saber de das Ding) e de distribuição da riqueza da polis. A ciência do real é a única possibilidade de lidar/tratar situações catastróficas. Vejam o seriado Scorpion no canal Sony todo domingo às 20:00. Há alguma dúvida que estamos em uma situação nacionalmente catastrófica?       
A ciência do real é a ciência de governar a polis que está associada à cultura política educacional (Paideia) das leis transmitidas pelo ensino na casa, na polis, nas instituições. As massas sujeito zero só ouvem quando estão preparas para ouvir; a Paideia é a cultura política orecular antropofágica. A política é a arte de falar e ser escutado para articular a homónoia - a identidade entre discurso, ou mais propriamente, entre pensamentos dessemelhantes ou opostos. Só uma educação pública possibilita tal cultura política antropofágica.
A política brasileira atual busca desesperadamente a homónoia política. Mas os políticos subsumem tal busca à lógica utilitarista, lógica privatista de apropriação oligárquica da riqueza da polis. Tal lógica está associada à violência simbólica ou real na imposição dos interesses. Ela em geral desperta a stasis - estado de conflito permanente que pode desaguar na guerra civil e, lógico, na desintegração das instituições do Estado nacional.  
Entre nós, dois lados utilitaristas brincam perigosamente com a stasis. Trata-se do lado bolivariano do PT e do lado burguês do PSDB/PMDB. Esgrimindo argumentos persuasivos jurídicos, eles dizem que a solução da crise política se encontra na cultura política do direito. Aí, a classe política envolve a comunidade jurídica na política com Sérgio Moro/PF/MPF e o poder moderador dos juízes do STF (poder pessoal). Qualquer pessoa de bom senso sabe que isso é o caminho para a desintegração da política.
A essência da política é a homónoia política. Esta obedece a lógica do interesse público. Hoje, tal lógica exige da classe política a solução da crise política catastrófica. A busca do consenso, da identidade de pensamento na classe política pode ser tal classe ouvir a trans-subjetividade das massas digitalis que falam em eleições gerais. Para quê?  
Trata-se de eleições para começar o que devia ter iniciado em 1990. A eleição de 1989 resultou na instalação de uma ditadura eletrônica pós-modernista de d. Fernando Collor de Mello e Grupo Globo. Hoje, a eleição deve servir para instalar uma forma política objetiva liberal-democrática no espírito da Constituição de 1988, finalmente!
As eleições devem ser o momento da Paideia das massas sujeito zero participativas para articular um processo de trans-subjetivação democrático das massas sujeito zero social. Para isso, é necessário que as máquinas de guerra partidárias cedam espaço para os partidos políticos. E, finalmente, que o capital corporativo eletrônico se transforme em uma tela eletrônica sem dynamis, sem poder de definir quem vence e quem perde a eleição.
Sei que a natureza do escorpião que atravessa o rio nas costas do sapo é ferroar o sapo e matá-lo, morrendo ambos na travessia. A tela eletrônica é o escorpião e as massa políticas são o sapo. Isso é o determinismo político que enfrentamos em 2016. Porém, tudo isso é processo de trans-subjetivação das massas intelectuais e das massas comuns. Tal processo não é um simples processo causal. O determinismo pode se autodissolver se as massas intelectuais construírem uma vontade para tal finalidade.
A autodissolução do determinismo político (incluído o utilitarismo) começa com a homónoia da classe política na convocação de eleições gerais. Será que o Brasil deixou de ser amado por sua classe política. Pois no horizonte da crise política em tela espera-nos a desintegração do significante literariamente técnico Brasil.
O que restou de classe política entre nós deve mirar a eleição americana presidencial atual. Trata-se de um espetáculo trans-subjetivo mundial que definirá o rumo da cultura política mundial (Nova Ordem Mundial), se o confronto final for entre Bernie Sanders e Donald Trump.    
         
                     

   

Um comentário:

  1. Muito bom! O que mais gostei? "Hoje, a eleição deve servir para instalar uma forma política objetiva liberal-democrática no espírito da Constituição de 1988, finalmente!"

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