José Paulo
Capítulo 3. Ilusões perdidas: o Estado não é apenas um aparelho
Nas eleições para a presidência em 1960, os pequenos partidos excluídos do getulismo, as facções dissidentes do getulismo 1950 e a UDN se utilizaram de um fenômeno carismático, JQ, para alcançarem o governo nacional. Se o capitalista é a personificação do capital, o artista JQ pode não ser o efeito causal das gramáticas do capitalismo subdesenvolvido. O artista pode não estar sujeito ao jogo das necessidades e da compulsão à repetição ou do movimento inercial da prática política na tela da mente estética. Daí surge o problema da liberdade de criação na praxis individual do governante. Essa criação é o ópio do governante.
No Brasil, o período pós-1930 se caracterizou por uma transição das gramáticas e de uma plurivocidade de poder d’ars da sociedade oligárquica-rural para a sociedade urbano industrial. JQ aparece como um dos criadores na prática política da tela da mente estética das grandes cidades. Nesse hiato conjuntural, surgiu gramáticos e artistas da política cujo agir não foi explorado como conteúdo concreto. Alguns cientistas políticos atribuíram, mecanicamente, a JQ a pecha de bonapartista. Não sabiam que o bonapartismo é um fenilomenico do ocidente graco-romano, é um fenilomenico do casarismo (Gramsci. 2014: 77), ou autoritário, ou democrático. Ele é um fenilomenico da tradição milenar do Ocidente.
O sr. Quadros era um fenilomenico carismático com efeito de uma sociedade de massas urbanas; massas que podiam se constituir em grupos sociais através do artista como líder delas. O que não se percebeu na época foi que este “fenômeno” da soberania popular - relação líder/massas- criou na prática política no período 1945/64, por efeitos pertinentes, condições para que JQ interviesse no aparelho de Estado, arrombando as fronteiras de seu funcionamento. Graças a isto a a prática política passou a ser representada como um mundo sem alma, um universo no qual um corpo político não estava determinado socialmente, como se afinal existisse um corpo político que não fosse habitado por um ser social.
JQ não foi a transvalorização dos valores da tela da mente estética da democracia populista. Ele aparece como a desintegração dos valores dessa democracia constitucional. Ele procura desintegrar o ser social da prática política de então com seu agir cesarista autoritário populista-udenista inédito. Ele era um xipófago, um ser da praxis individual heteróclita.
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O <poder> de JQ se apresentava como um “fenômeno” eleitoral capaz de sobrepujar os getulismos. Portanto, se ele podia ser usado como instrumento do bloco político-estético udenista para derrotar o inimigo, jamais tal fato emergiu do real da tela da mente estética do cesarismo populista. Na medida em que JQ possuía o dom de ser o eleito das massas eleitorais, ele se tornava o fetiche das forças políticas que o apoiavam, pois: “(...) aqui, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas, que mantém relações entre si e com os homens (Marx.1977. v. 1: 69). Marx lidou com esse problema no texto “O ‘18 do Brumário de Luís Bonaparte”:
“Unicamente sob o segundo Bonaparte o Estado parece tornar-se completamente autônomo. A máquina do Estado consolidou a tal ponto a sua posição em face da sociedade civil que lhe basta ter à frente o chefe da Sociedade de 10 de Dezembro, um aventureiro surgido de fora, glorificado por uma soldadesca embriagada, comprada com aguardente e salsichas e que deve ser constantemente recheada de salsichas. Daí o pusilânime desalento, o sentimento de terrível humilhação e degradação que oprime a França e lhe corta a respiração. A França se sente desonrada”. (Marx. 1974: 402).
A <humilhação> e a <degradação> da França são a afecção nacional da língua fenilato francesa. Essas afecções, esses quimilatos é a prática política como o “fenômeno do desagradável, o fetiche que corta a respiração:
“E, não obstante, o poder estatal não está suspenso no ar. Bonaparte representa uma classe, e justamente a classe mais numerosa da sociedade francesa, os pequenos (<Parzellen) camponeses”. (Marx, Idem: 402).
JQ representava a maioria da soberania popular. Esta se identifica esteticamente com JQ como efeito de um poder d’ars populista-udenista que só agora se torna conhecido. Ao ter jogado com JQ para o assalto estético-político do governo, abriu a possibilidade do artista trabalhar com a matéria-prima que é o aparelho de Estado. O udenismo fez a aliança do artista carismático com a prática política do partido contra o sistema de partidos políticos do getulismo-1946. Ora! uma vez no governo nacional o presidente passou a agir como se o Estado fosse a personificação da pessoa do artista-soberano Jânio Quadros da Silva. Porém, como diz Weber, o carisma como padrão dominante é incompatível com as instituições permanentes (Bendix: cap. 10). Assim, a renúncia de JQ à presidência foi um ato de plurivocidade de significação.
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A história da prática política republicana pós Segunda Guerra Mundial tem um ponto de inflexão com o golpe de 1964 e a aplicação da <geopolítica do Brasil> do general Golbery. (General Golbery; 1967. A prática política normal é território factual (território da terra) e território contrafactual ou território virtual. 1964 criou e recriou um outro território no aparelho de estado com o SNI (polícia secreta da ditadura militar). Esse território é um conjuntos de ações do subterrâneo, do refundo da prática política. A história de 1960 não possuía esse território do subterrâneo da tela da mente estética nacional. Os professores cassados da USP Octavio Ianni e Florestan Fernandes escreveram sobre a prática política da forma de governo ditatorial-1964. Ianni fala do cesarismo autoritário oligárquico:
“É nesse sentido que a dissociação entre o ‘país real’ e o ‘país formal’ não é uma figura de retórica. O que é um fenômeno antigo e reiterado na história da sociedade brasileira - o caráter oligárquico, autoritário, ditatorial do poder estatal - reaparece com novo significado [...] Desde o bloco de poder formado pela grande burguesia, militares, policiais, latifundiários, setores de classe média, setores da Igreja, a grande imprensa, a indústria cultural, sob a orientação do imperialismo, desde que esse bloco de poder assumiu o poder em 64, cresceu e generalizou-se a dissociação entre o Estado e amplos setores da sociedade civil. É verdade que a ditadura adotou várias políticas destinadas a recriar laços com as classes subordinadas. o rádio, a televisão, o futebol e o conjunto da indústria cultural, muitos foram os elementos acionados pelos governantes para recriar ou desenvover laços entre as classes subordinadas, oprimidas e o bloco de poder”. (Ianni. 1981: 174).
O Estado 1964 é um Estado integral com aparelho de Estado e aparelhos de hegemonia de Estado, que refletem a sociedade civil. O hegemonikón da prática política-1964 foi efeito de um poder d’ars neobarroco, poder exercido, principalmente, pelos artistas ae gramáticos da TV Globo. Isso permitiu a duração da ditadura militar por mais de duas décadas. Em um outro diapasão, Florestan diz:
“No Brasil, as forças sociais que detém maior influência na sociedade civil, gerada pelo desenvolvimento capitalista, não só se bateram contra o aprofundamento da descolonização, da revolução nacional e da revolução democrática; ao fazer isso puseram em marcha uma contrarrevolução global prolongada e, através dela, forjaram um Estado autocrático burguês e sua forma de ditadura política; e até agora não se dissociaram de modo pronunciado daquela contrarrevolução e da ditadura, à qual continuam a dar aval político, suporte de classe e sentido histórico. Por isso, a correlação de mão aposta - sociedade civil e ditadura - não pode nem deve ser negligenciada” (Fernandes. 1982: 16).
A prática política de hoje não rompeu com a gramática da prática política de 1964. Há uma continuidade entre tela da mente estética-1964 e a de hoje. O governo Collor dissolveu o SNI, mas FHC o recriou. O governo Dilma Rousseff dissolveu o GSI (pastiche de SNI), mas o governo Michel Temer o recriou. O governo Lula governa com o SNI, com a geopolítica do Brasil-1930 do general Golbery.
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VIVERÌAMOS a transição do governo democrático mundial de Obama para o governo policial mundial de Trump. Obama criou uma legislação extreterritorial para punir o assassino político, o terrorista, o destruisdor da forma de governo democrática territorial. Trump usa a lei obama para perseguir e destruir juizes do Brasil e juizes do tribunal penal internacional. O governo mundial é algo da natureza das relações entre nações desde a antiguidade greco-romana. O Estado nacional moderno criou a ilusão de realidade de que o governo mundial era coisa de outras eras do passado. Com a globalização liberal, o Estado nacional foi questionado permanentemente e sistematicamente pelo capitalismo corporativo mundial.Com o fim da globalização pós-modernista, o governo mundial retorna com Obama. Com Biden, o governo mundial militar industrial criou guerras e Trump derrotou a candidatura de Biden com promessas de acabar com a guerras.
Donald Trump cria e recria, todo dia, uma forma de governo POLICIAL mundial. Ao sistema policial do serviço secreto americano se acrescenta o sistema policial digital das telas como o youtube e outras. A técnica digital desintegra o território factual da democracia com a lógica de seu território contrafactual ou virtual. Uma revolução da tecnica digital é a base da autofabricação da <forma de governo policial> do futuro que se reflete na atualidade.
A forma de governo da Constituição-1988 sobreviverá à mundialização da forma de governo policial planetária?
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A forma policial se tornou a segunda natureza da prática política na tela da mente estética. Porém, a tela técnica [TV, Youtube etc.] mantém a ilusão de realidade de que não existe o fenilomenicio supracitado. Por quê?
Bourdieu decifra Flaubert:
Fréderic não chega a aplicar-se em um ou outro dos jogos de arte ou de dinheiro propostos pelo mundo social. Recusando a ,illusio> como ilusão unanimemente aprovada e compartilhada, portanto, como <ilusão de realidade>, refugia-se na <ilusão> verdadeira, declarada como tal, cuja forma por excelência é a ilusão romanesca em suas formas mais extremas (em Dom Quixote ou Emma Bovary, por exemplo). A entrada na vida como entrada na ilusão de real garantida por todo o grupo não é evidente. E as adolescências romanescas, como as de Fréderic ou de Emma, que, como o próprio Flaubert, levam a ficção a serio porque não conseguem levar a sério o real, lembram que a ‘realidade’ pela qual medimos todas as ficções não é mais que o referente universalmente garantido de uma ilusão coletiva”. (Bourdieu. 1992: 32-33).
A prática política de hoje é distinta da prática política de 1960. A de 1960 é mais efeito do poder d’ars rerealista do que a de hoje? ou a de 1960 assim como a de hoje é uma combinação específica de poder d’ars rerealista e realista fantástica?
O governo de JQ foi, em certo sentido, a compulsão à repetição, em escala nacional, da gramática de seu governo paulista. Criou e recriou uma práxis para a presidência da república que rompeu com os limites desta instituição, atribuindo-lhe novas funçoes, como já fizera com relação ao governo paulista. intervindo diretamente no exercício do aparelho burocrático de Estado através dos <bilhetinhos> e de outros atos gramaticais, Com isso provocava constentes curto-circuitos nos ramos e aparelhos do Estado, alterando seu funcionamento rerealista, o normal do funcionamento do princípio de funcionamento da hierarquia burocrático-patrimonialista da não separação do público e do privado na tela da mente estética do Estado. Os bilhetinhos aparecem como um efeito do poder d’ars realista fantástico em choque com o poder d’ars do rerealismo da vida normal do Estado territorial.
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Poeta do neoconcretismo grotesco sublime, Ferreira Gullar estabeleceu a relação entre arte e luta de classe como luta política da tela da mente estética:
“A maioria dos escritores brasileiros engajou-se na luta política e prosseguiu nela. Foi, então, que os concretistas retornaram à superfície brandindo o nome de Maiakóvski. <Não há arte revolucionária, sem forma revolucionária>. Ora, Maiakóvski é precisamente o exemplo de que é possível falar a língua de todos, ser entendido, exprimir as aspirações da massa e criar poeticamente [...] A renovação não significa romper com todo o patrimônio de experiências acumulado. forma revolucionária não é a mera diluição de ‘achados’ formais e sim a forma que nasce como decorrência inevitável do conteúdo revolucionário. São os fatos, a história, que criam as formas, e não o contrário. E a prova de que furtar-se aos fatos é que esclerosa as formas e esteriliza os artistas está na própria poesia concreta, que se estagnou num número extremamente reduzido de variações formais”. (Ferreira Gullar. 1969:5-6).
“No Brasil, a luta ideológica moderna contra a estrutura grotesca do dominante na ditadura militar-1964 foi realizada por um oeta de São Luís do maranhão. Ferreira Gullar foi preso e torturado pelo SNI por ordem do monstro político presidente da república general João Batista de Figueiredo. A poesia de Gullar fala do campo político grotesco da cultura popular realista grotesca do dominado, segundo a interpretação do realismo grotesco (Bakhtin: 290. 305). (Bandeira da Silveira. 07/2024: 229).
Ferreira Gullar criou e recriou a revolução das massas anabolizantes do general intellect gramatical na prática política da tela da mente estética brasileira. Ele é o artista do poder d’ars do realismo grotesco sublime
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O poder d’ars realista fantástico provoca o mais-gozar (Lacan. S. 16: 30, 29; Zizek: 333) policial válido de perseguição à objetos políticos vivos singulares na burocracia e na classe política. Entre os objetos temos as sindicâncias espetaculares que acabaram atingindo o vive-presidente Jango, pois este foi citadio nominalmente pela Comissão de Sindicância. O poder d’ars conduz a luta policial entre o presidente e o vice-presidente nominalmente como corrupção de um sujeito singular. JQ foi além em sua luta policial, na prática política nacional-territorial, tendo como objeto morto particular o funcionamento do aparelho de Estado, ao nomear oficiais do exército para conduzirem asw sindicâncias, envolvendo diretamente o núcleo armado do aparelho policial de Estado na cruzada anti-corrupção, que acabou por atingir o PSB e o PTB. Esses atos de JQ provocou uma forte reação nop sistema de partidos políticos no parlamento> (Skidmore: 244).
JQ provocou no legislativo o curto-circuito mais grave, o qual aparece na velocidade com que o Congresso Nacional ratificou a renúncia do presidente da república. Este procurou governar por decreto-lei, sem considerar a lógica econômica de uma maioria parlamentar que aprovasse seus atos governamentais. Sobretudo, evocando o artigo 70 da Constituição, usou seu poder d’ars realista fantástico de veto contra os projetos-lei do parlamento. Assim, criou e recriou sérios problemas ao funcionamento do legislativo; para os parlamentares, os vetos os humilhavam e refletiam um pouco caso com trabalho rerealista da prática política congressual. O congresso era governado por um bloco estético-politico que ainda possuia os valores da aristocracia republicana que se envolveu com o golpe de Estado de 1964.
Na ofensiva de JQ sobre o parlamento e/ou o aparelho de Estado, foi o sistema partidário que acabou sendo afetado por essa ação de um mais-gozar policial num duplo sentido: a ação policial-política desorganizou a distribuição rerealista entre o legislativo e o governo, baseada na distribuição de equilíbrio de força entre os partidos políticos no congresso e no governo, constitutiva do regime cesarista democrático populista. este fato foi estudado pela cientista política Lúcia Hippólito, que atribuiu ao agir policial de JQ: “a ruptura do padrão de correspondência entre força parlamentar e representatividade no Executivo, mantido até então” (Hippólito: 104). Esta ação policial janista visou também reduzir consideravelmente a influência dos partidos políticos sobre o aparelho de Estado. A criação dos sub-gabinetes da presidência da república nos estados federativos e do Serviço de Assistência aos Municípios teve um objetivo bem preciso, ou seja, a formação de dispositivos e anéis burocráticos de uma estrtura de dominação policial governamental que instaurou centros de orientação0 da política do Estado nacional territorial e como ponto de estrangulamento de decisões tomadas nas regiões do aparelho de Estado com autonomia em relação ao governo, regiões sob o domínio da vontade de partidos como o PSD e o PTB. Hippólito: 109). A luta da ação policial janista do poder d’ars realista fantástico ocorria contra o poder d’ars do rerealismo do PSD e PTB;.
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A imagem de JQ para a posteridade se tornou uma imagem estética problemática, uma imagem folclórica para a nação, mas não para os paulistanos. Ele disputou o governo estadual paulista em 1962 e perdeu para Adhemar de Barros. O Estado militar 1964 cassou seus direitos políticos por dez anos. Em 1982, disputou sem sucesso o governo de São Paulo e foi derrotado.. Mas em 1985 derrotou FHC na eleição para prefeito de SP. Os dois eram da USP, um estudante de direito e o outro professor de sociologia. O artista político é aparecido por seu modo de fazer sua obra-de-arte politica ou por sua própria obra-de-arte produzida? A soberania popular vê o artista a partir do quê?
Humberto Eco:
“Seja como for, o seu percurso crítico demonstrou-nos, se é que havia necessidade disso, que, no que se refere à arte moderna, o problema da arte prevaleceu sobre o problema da obra enquanto coisa feita e concreta; a maneira de fazer tornou-se mais importante do que o que se faz, a forma é fruída enquanto exemplo de um modo de formar”. (Eco. 1981: 248).
A natureza e os fins da acção do presidente JQ eram, para a época, um segredo de polichinelo, sendo que a impressão geral era de que ele procurava anular o Congresso através dos sub-gabinetes Com os decretos n° 50 333 e n° 50 334, dos sub-gabinetes, JQ procurava dissolver as relações dos interesses que ligavam os parlamentares como governadores e prefeitos:
“Não era desconhecido do povo que o decreto do presidente Jânio Quadros tirava a grande número de deputados a oportunidade de transacionaram com os problemas da coletividade, em troca de vantagens eleitorais junto aos prefeitos e governadores. Os Subgabinetes, na realidade, tornavam-se obstáculos à políticagem, ao ‘coronelato’ que imperava no interior do Norte e Nordeste”. (Victor; 142).
O que nas aparências de semblância (Arendt. 1992: 31) estava em questão no conflito de JQ com o sistema partidário e o Congresso era o poder político destes sobre a ossatura e o funcionamento do aparelho de Estado. Inclusive, a própria atividade do Congresso no julgamento dos projetos do governo nacional eram imaginadas por JQ como uma relação de poder. JQ via o Estado, em sua luta político/estética, como condensação de uma relação de forças. (Poulantzas. 1978: 141; Arinos:. 1965: 50).
Qual obra-de-arte JQ queria fabricar? Seria o Estado capitalista moderno? Este Estado capitalista janista acabou sendo fabricado pelo Estado militar de 1964?
Luciano Martins:
“Essa <feudalizaçã> do Estado é acelerada, por paradoxal que isso possa parecer, justamente pela introduçã, como prática administrativa, do instrumento moderno por excelência que é a empresa. Do ponto de vista sociológico, isso sugere a emergência, junt6o ao Estado burocrático, de um Estado empresarial, ou a transformação do primeiro no sengundo. No limite, a distância que pode separar um do outro é a mesma que separa o Estado ‘representante da <nação>, do estado protagonista do <mercado> Nesse sentido, aliás, a expansão das atividades estatais se faz acompanhar de uma <privatização> do Estado, através da apropriação por grupos específicos (e não apenas da natureza burocrática) da <coisa pública>”. )Martiins. 1965: 81).
A obra-de-arte de JQ era a fabricação de um Estado territorial moderno nacional. O Estado da ditadura militar é um Estado capitalista como feudalização empresarial do aparelho de Estado. O modo de fazer do poder d’ars (poder poético) criou a imagem nacional de Jânio e não a obra-de-arte que ele queria fazer como Estado:
“Ao contrário, afirmamos que a obra vive e vale como realização da própria poética, expressão concreta de um universo de problemas culturais vistos como problemas construtivos, mas o universo dos problemas construtivos só ganha sentido mais pleno no contacto directo com a forma formada, que apenas dá sentido e valor ao modelo formal proposto e realizado. Isto não significa, pois, renegar o facto de que na arte contemporânea o problema da poética se ter tornado o problema central e de a obra dever patentear com evidência a declaração de uma poética, mas defendemos que a obra somente realiza esta sua função se o modelo da poética puder ser fruído enquanto <formado>. (Eco.1981: 255).
O poder poético janista é o poder d’ars realista fantástico que quer criar um Estado moderno nacional territorial ci=om uma burocracia pública como poder d’ars rerealista:
“Foi esta atitude que permitiu a toda uma época da estética definir a fruição da obra como um acto de intuição, precisamente para sublinhar o facto de na compreensão da forma de intervir um conjunto de factores não redutíveis ao simples movimento da compreensão referencial; um conjunto de factores confluindo num acto dificilmente analisável, a não ser a <posteriori>, mas orgânico em si (por outras palavras, a <emoção estética> - se se tratasse só de emoção e intuição) [...] quer dizer, mesmo quando um modelo estrutural emerge da nossa relação de fruição da obra e se apresenta como o valor primário realizado e comunicado pela forma (isto é, quando a obra aparece como <veícuilo> de uma poética), <a obra realiza o seu pleno valor estético na medida em que a coisa formada, fruída enquanto tal, acrescenta qualquer coisa ao modelo formal> (e, portanto, a obra se apresenta como <formação concreta> de uma poética)> <A obra é algo mais do que a própria poética>, enunciável também por outras vias, <na medida em que o contacto com a matéria fixa, na qual a poética se concretiza, acrescenta qualquer coisa à nossa compreensão e à nossa fruição”. (Eco. 1981: 255–56).
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Donald Trump representa a forma de governo policial mercantilista do poder d’ars realista fantástico da época do mercantilismo capitalista asiático (Bandeira da Silveira. 11/2021). É natural que Donald estabeleça um estado de guerra latente contra o que ele chama de NarcoEstado na América Latina: Venezuela, México, Colômbia. O NarcoEstado existe se há um governo presidencialista fantoche do narcopoder. O narcopoder é um fenilomenico do conjunto poder d’1ars realista fantástico. Ele é o subterrâneo da prática política das Américas. Em resposta a Trump, o governo de Lula fez uma operação policial contra o PCC paulista, uma organização empresarial crminosa internacional com centro de poder em Sâo Paulo. Com isto atingiu a Faria Lima, centro do mercado financeiro brasileiro. A reação e emissoras de TV, do Youtube, rádio e podcasts foi imediata. Todos começaram a dizer que o Brasil é um narco-Estado.
Em 1996, publiquei um texto na revista “Cultura Vozes” sobre narcopoder. Em um subterrâneo virtual de podcast, um jovem cientista social, jornalista e documentarista diz que o narcotráfico nasceu na Ilha Grande com os guerrilheiros de classe média presos ensinando a uma facção criminosa a se planificar na prática criminosa. Assim, a aliança da esquerda com o crime carioca seria um fato originariamente histórico. Logo, hoje, governos de esquerda na América Latina teriam se aliado ao crime organizado. Sobre o Rio, o jovem cientista esquece que a planificação do crime ocorreu na década de 1980 com a antropologia barroca carnavalesca do <Jogo do Bicho>. Por outro lado, a falsa consciência do jovem cientista jornalista vê nas redes sociais o espaço de uma guerra civil digital, que ele profecia que logo se tornará guerra civil territorial. Ele parece não entender que a stasis do mundo virtual obedece a expressão das afecções (como amor e ódio etc.) da lingua fenilato mundial (Bandeira da Silveira; 03/2025).
No meu texto de 1966 escrevi:
“No Brasil, o narcotráfico é apresentado como o signo econômico mais poderoso da economia criminal que inclui vasta, intensa e volumosa operação de lavagem de dinheiro e numerosas atividades econômicas ilegais. E no Rio de Janeiro - a antiga corte imperial, a excapital da República, o ex-estado da Guanabara -parece ter se tornado uma cidade submersa:a capital de fato do narcotráfico”. (Bandeira da Silveira. 2000: 113).
Em 2015 nos EUA e 2017 no Brasil, foi publicado o livro “capitalismo criminoso” (Platt; 2017) sobre a relação do Banco como o crime organizado, confirmando meu texto de 1996. O livro foi best seller nos EUA e no Brasil ele permaneceu desconhecido da audiência de leitores e cientistas sociais da universidade e dos jornalistas. O livro mostra que o crime organizado passara a integrar o bloco no poder (Poulantzas. 1977: 229) nas Américas. No bloco no poder, o narcopoder aparece na década de 1980/1990 na Colômbia com Plabo Escobar fazendo pendant com a guerra civil feudal do dominado ilegal (Rufin org. 1996: 383, 467; Roziers; 1995).
Meu texto de 1996:
“ O narcotráfico é uma potente economia mercantil que faz circular com outras atividades do crime organizado 750 bilhões de dólares atualmente no planeta, quase dois PIBs brasileiros. Ele é uma complexa realidade econômica que para a sua reprodução ampliada necessita das instituições econômicas capitalistas e das instituições de inúmeros Estados- nação. Um fenômeno que parece instituir a atualidade conjuntamente com o sistema industrial militar, a sociedade de comunicação, a transnacionalização da economia e a formação de blocos regionais de poder compostos por Estados. Na América Latina, notícias sobre o envolvimento do narcotráfico com o pessoal do Estado e dos clãs políticos, que controlam as estruturas de poder, fazem parte do caderno político dos grandes jornais. Na Europa, a Itália parece ser a capital da <Mafia Incorporated> e o exemplo mais acabado de um fenôeno político que Derrida - o último filósofo francês estruturalista vivo - chamou de <Estado-fantasma>. Na França, o jornal <Le Monde> usa um discurso histérico quando trata do problema das drogas e máfias na Europa. o SIVAM, um projeto de instalação de um Sistema integrado de Vigilância da Amazônia, nas mãos de uma empresa americana, é apenas um dos dividendos obtidos pela política externa americana baseada na < doutrina de combate ao narcotráfico> que parece ter substituído a envelhecida <doutrina da guerra fra>. A Colômbia e o Peru teriam assinado tratados que permitem ao DEA (Drug Enforcement Administration), através de radares instalados na fronteira amazônica daqueles países, monitorar o espaço aéreo desta imensa região. Os jornais noticiam como fato incontestável o poder da <Mafia incorporated no Paraguai como uma ameaça para o Mercosul. O Paraguai pode estar se tornando a primeira república demi=ocrático-mafiosa da América Latina? Ou as instituições formais funcionariam como uma fachada externa para uma forma de regime político que deve ser designado como um <principado> mafioso? No Paraguai, a <máfia incorporated> não funda um Estado-fantasma de um Estado-nação. Ela cria um ,protetorado> que transforma o Estado paraguaio em um simulacro de Estado-nação. na Colômbia e México, a ,máfia incorporated> parece fazer parte do bloco no poder subdividida em famílias, facções, frações e clãs, travando uma luta armada e terrorista. No Rio de Janeiro, a sua ação política lembra imagem gramsciana da guerra de posição [...]”. Bandeira da Silveira. 2000: 121-22).
O mundo se alterou com as telas da mente digitais em relação à 1996. O fim da pós-modernidade significa uma outra época de fenilomênicos inéditos em relação à 1996. Este ano se encontra no meio da relação de 1960 e 2025. Hoje, o Estado-fantasma se tansmutou em Estado fantoche do capitalismo noir criminoso mundial. O pder d’ars policial realista fantástico de Donald Trump aparece como uma geopolítica para reconquistar pela força armada a perda da América Latina para a China, e Brasil.
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No fio da navalha. Para o presidente da república JQ transformar o Congresso em seu antagonista, foram suficientes os enfrentamentos em redor do projeto de lei anti-truste - derrotado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara -, da rejeição pelo Senado da indicação de José Ermírio de Moraes para o cargo de embaixador na alemanha Federal e também da derrubada do veto presidencial ao projeto que dava estabilidade aos empregados da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (NOVACAP). Parece que outros projetos de JQ passaram meses nas gavetas das comissões sem nenhum andamento.
Além dos combates à máquina administrativa, os partidos e o parlamento, JQ pôs políticos “de diversas tendência e de linhas de ação as mais variadas’ (Carone. 1985. v 2: 140) nos ministérios. JQ fez dessa região do aparelho governamental um espaço permanente de táticas contraditórias; elas se chocavam provocando curto-circuitos nos ramos e aparelhos de Estado que configuravam o setor dos ministérios. Deixou-se, assim, a JQ, o papel de traçar a linha de força geral que atravessava os combates no interior do Estado, ou seja, temos então a prática política do governamental como expressão da unidade política do aparelho de Estado. Este comportamento de JQ pode ser concebido como um esforço a mais republicano para transformar a presidência da república em um centro de um poder d’ars realista fantástico que pudesse usufruir o máximo de poder político. Isto implicava o agastamento das principais forças políticas presentes no aparelho de Estado. Esta perspectiva de JQ, por um lado, inquietava até mesmo as camadas mais modernizantes do dominante ligadas ao capitalismo corporativo mundial; por outro lado, JQ se chocava com a estrutura pluralista do Estado nacional territorial, a qual se caracterizava por uma materialização, nos aparelhos de Estado, de relações de força entre frações do grande capital multinacional, dos grandes proprietários rurais e outras frações do dominante, como a burguesia urbana paulista.
Uma análise da inserção de JQ no poder de Estado precisa considerar como fator decisivo a relação do governo nacional com a dinâmica capitalista e, sobretudo, com a economia política do capital corporativo mundial, pois, este detinha funcionava como uma espécie de hegemonikon (Elorduy: 26) capitalista no bloco no poder. É um fato político que JQ herdou do governo JK um acúmulo de problemas espinhosos e dificuldades que procurou encontrar soluções, num primeiro momento, através de medidas inspiradas nas ideias do Fundo Monetário Internacional. Porém: “Em poucos meses, revelou-se a incompatibilidade entre a política anti-inflacionária - nos termos em que estava executada - e a popularidade política do governo [...]”. (Ianni. 1977: 202). Além desses fatos, JQ se via diante de um ritmo e de um horizonte de um processo capitalista que conduzia o país para uma crise catastrófica.
Ora! o domínio aparentemente mais paradoxal consistia nas relações de Jânio com as Forças Armadas. A política externa de JQ - de abertura e nacionalização das relações comerciais e diplomáticas com os países socialistas, inclusive Cuba, punha o exércto em pé de guerra com JQ, pois este mexia com a fenilideologia do americanismo das Forças Armadas brasileira desde a Segunda Guerra Mundial. Um anticomunismo hidrófobo se torna parte da língua fenilato do exército desde a revolução vermelha de Luís Carlos Prestes, um herói das insurreições tenentistas. Uma lenda era estudada no Colégio Militar do Rio. De que os comunistas oficiais teriam assassinado oficiais legalistas nos alojamentos dos quarteis. O importante era a prática política do exército como alinhamento automático às diretrizes políticas e ideológicas do EUA. Para completar, JQ diminuiu e humilhou os mandarins militares ao condecorar Che Guevara com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Todavia, no momento da renúncia - quando Jânio se sentia abalado pela ordem do dia do marechal Denys (ministro da Guerra), que deixava nas entrelinhas um possível golpe militar contra o governo. e se posicionava contra, Um fantasma da crise política era a íntima ligação pessoal de Sílvio Heck (ministro da Marinha e do ministro da Aeronáutica com Carlos Lacerda. Este acusava JQ, na imprensa, de tê-lo convidado ( a ele Lacerda) para um putsch. Lacerda punha visibilidade no cesarismo autoritário de JQ, um fato politico que identificava esteticamente Jânio com o poder d’ars do populismo de Getúlio de 1930 e 1937. Os ministros militares foi de perplexidade e um deles revelou o segredo que fazia de Jânio, ainda, uma peça essencial no dispositivo de poder das forças sociais, políticas e ideológicas que o tinham apoiado:
“[...] o ministro da marinha, extremamente comovido, chora e declara: ‘Mas presidente, levamos tantos anos para tirar essa gente do poder. Como é que V. Ex° lhes vai entregar o governo novamente?’ [...} (De Carli: 22). Diz JQ em resposta - “Formem uma junta militar”.
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Dostoiévski foi de uma sociedade secreta revolucionária entre 1846-184. Ele retira a personagem Stiepan Trofímovitch desse subterrâneo da liberdade política da tela da mente estética russa. Stiepan fez uma poema-manifesto, um poema sobre o poder d’ars realista fantástico do subterrâneo da prática política tzarista:
“Tenho dificuldade de narrar o enredo, pois, para falar a verdade, não entendo nada dele. É uma espécie de alegoria em forma lírico-dramática, que lembra a segunda parte do <Fausto>. A cena é aberta com um coro de mulheres, depois por um coro de homens, depois por um coro de certas forças e, no fim de tudo, por um coro de almas que ainda não viveram mas que gostariam muito de viver um pouco. Todos esses coros cantam sobre algo muito vago0, o mais das vezes sobre alguma maldição, mas com matriz de supremo humor. No entanto a cena é subitamente modificada e tem início alguma ‘festa da vida’, na qual cantam até insetos, aparece uma tartaruga dizendo algumas palavras sacramentais latinas e, se estou lembrado, até canta um mineral sobre sei lá o quê, ou seja, um objeto já inteiramente inanimado. No geral todos cantam sem cessar e, se conversam, xingam-se de um modo um tanto indefinido, porm mais uma aparace um lugar selvagem e entre rochas perambula um jovem civiklizado, que arranca e chupa certas ervas e à pergunta da fada: por que está chupando essas ervas? - responde que, sentindo em si um excedente de vida, procura o esquecimento e o encontra no suco de ervas; mas que o seu desejo principal é perder o quanto antes a razão (talvez seja desejo excessivo). Em seguida, aparece subitamente em um cavalo negro um jovem de uma beleza indescritível, seguido de um número monstruosamente grande de gente de todas as nacionalidades. O jovem representa a morte e todos os povos estão sequiosos dela. Finalizando, na última das cenas aparece súbito a torre de Babel, alguns atletas finalmente estão acabando de construí-la entoando o canto de uma nova esperança, e quando concluem a construção até da própria cúpula o possuidor - do Olimpo, suponhamos - foge de maneira cômica e a o Homem, que se dera conta e se apossara do lugar dele, começa imediatamente a nova vida com uma nova convicção das coisas”. (Dostoiévski: 18-19).
O poder d’ars realista fantástico da superfície factual territorial ou da superfície contrafactual virtual de JQ é claro e distinto? JQ queria fabricar uma forma de governo cesarista autoritária greco-romana nos trópicos. Como era seria, ele nunca revelou em seus bilhetinhos e pequenas anotações. Como artista ele trabalha uma materialidade, seja da sociedade, seja do Estado. Porém, ele era retórico, dialético e gramático, ao mesmo tempo. Ele usa a retórica dialética no dialogo com o ministro militar que invadido pela por emoção do agir se derrama em lágrimas:
“Que palavra é essa, <o Ser>, segundo a sua morfologia? Ao ‘ser’ correspondem outras formas, como ‘o voar’, ‘o sonhar’ ‘o chorar’ etc. Tais formas linguísticas se comportam na língua, como ‘o pão’, ‘a habitação’, ‘a erva’, ‘a coisa’. Não obstante logo descobrimos nas primeiras uma diferença. Podemos reduzi-las facilmente aos verbos, ‘voar’, ‘sonhar’, ‘chorar’ etc. o que as segundas parecem omitir”. (Heidegger. 1978: 83).
O poder d’ars realista fantástico faz pendant com a palavra SER da tela da mente estética da prática política de 1961, pois os generais e quejandos sonhavam, voavam choravam como efetro do agir político de JQ. Hoje, o <ser> da tela da mente estética foi substituido pela <técnica> - na tela da mente técnica digital, sem poder d’ars de nenhuma espécie?
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JQ queria desintegrar a forma de governo democracia populista-1946. Marxistas paulistas com quem fui a SP fazer pós-graduação diziam que o agir-gesto de Jânio iniciou um processo político que abriu as comportas da conspiração do capital corporativo mundial contra a forma de governo presidencialista, democrático-constitucional. Hoje,se faz necessário um conceito paraconsistente (Newton da Costa: 2008) de tela da mente estética para falar cientificamente desse passado d’ars da política brasileira:
“Nous avons suggéré précédemment que, dans son analogie structurelle avec la réflexion posante, l’universalité pouvait être envisagée comme étant à soi-même sa propre présupposition. Toutefois, il importe de bien entendre le sens de ce terme. Il ne peut plus s’agir désormais ni de cette présupposition anticipée des déterminations-de-réflexion au sein de la logique de l’Être, ni de ce procès dédoublé du poser et du présupposer caractéristique de la <Doctrine de l”Essence. Si L’universalité est ici à elle-même sa propre présupposition, c’est seulement dans la mesure où elle est la forme totalisante d’une immédiateté devenue qui n’a plus ni extériorité ni intériorité, mais qui n’est présupposition - implicite- de doi qu’en tant que son exposition - explicite - est sa propre position de soi. Nous nous situons donc bien ici au lieu de résolution par sursomption de la dualité contradictoire du poser et du présupposer qui avait sous-tendu le périple réflexive de l’essence”. (Biard: 47).
Na tela da mente estética universal não há um saber pressuposto estético que a estrutura e a faz funcionar. Ela tem em si uma plurivocidade de poder d’ars que estrutura e move seus objetos estéticos como o Estado lacaniano obra-de-arte (Bandeira da Silveira. agosto/2022: cap. 12, e 16) e o artista gramatical retórico, ideológico, dialético:
“O universal é, por conseguinte, a <potência livre>; é ele mesmo e pervade seu outro, não, porém, como algo violento, mas antes como sendo, dentro daquele, em repouso e junto a si mesmo. Assim como foi denominado a potência livre, ele também poderá ser dominado o <amor livre> e a beatitude irrestrita, pois ele é um relacionar de si com o diferente apenas enquanto relacionar consigo mesmo; dentro do diferente, ele retornou a si mesmo”. (Hegel. v. 3. 2018: 68-69).
O universal é Jesus como potência amorosa em relação ao diferente, ao próximo; com ele, a prática política não é jogos de lutas entre amigo e inimigo (Schmitt:54); o universal é necessário para o funcionamento da língua fenilato; sem ele, não há a sublimação do singular e do particular na tela da mente estética da prática política em geral. JQ foi um artista como plurivocidade de singularidade e particularidade que na sublimação do amor livre universal em relação ao diferente tinha sua práxis individual - como intenção - posta em relação à forma de governo democracia populista. Daí ele aparecer como uma mesclagem de cesarismo do populismo getulista com o udenismo lacerdista:
“O maior e mais eficaz de todos os meios para se poder persuadir e aconselhar bem é compreender as distintas formas de governo, e distinguir os seus caracteres, instituições e interesses particulares. Pois todos se deixam persuadir pelo que é conveniente, eo que preserva o estado é conveniente. Além disso, é soberana a manifestação do soberano, e as manifestações de soberania variam consoante as formas de governo; pois, quantas são as formas de governo, tantas as manifestações da soberania”. (Aristóteles. 2012: 43-44).
o artista gramatical, retórico, ideológico, dialético trabalha a materialidade da sociedade e do Estado. JQ tinha em seu cérebro uma forma de governo específica a ser implantada? Ele evocaria o passado estético do século XIX com seu poder moderador da monarquia cesarista autoritária de d.Pedro I ou do cesarismo democrático de d. Pedro II? Ou ele evocaria o cesarismo autoritário de um Floriano Peixoto: Ou, então, do Getúlio de 1930? ou ele começaria pelo alto uma revolução rumo ao Brasil capitalista desenvolvido? revolução pelo alto como Napoleão III:
“A magnanimidade é um virtude produtiva de grandes benefícios, a mesquinhez, o seu contrário. A magnificência é a virtude de fazer coisas grandes e custosas. a mesquinhez e a miséria, os seus contrários. A prudência é a virtude de inteligência mediante a qual se pode deliberar adequadamente sobre os bens e os males de que falamos em relação à felicidade”. (Aristóteles. Idem: 46).
Jânio era um homem magnânimo, magnificente, mas não era um político prudente ou feliz em sua praxis individual de iniciar uma revolução brasileira pelo alto como o fez Getúlio Vargas.
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Se JQ fez de uma contradição potencial o seu principal trunfo junto aos militares, para quem a prática política era uma divisão ideológica entre getulismo e as forças do 24 de agosto udenistas; ele, Jânio, não levou em consideração a trajetória política de seu ministro da guerra. O marechal Deny, um homem do getulismo, a partir de novembro de 1955 e durante o governo JK, alcançou um enorme prestígio no exército. Porém, ao assumir o ministério da guerra em substituição ao general Lott, se tornou um trânsfuga se bandeando para o lado do general Orlando Geisel e entregou a este a tarefa de selecionar os oficiais do gabinete ministerial, que acabou por adquirir as cores da Cruzada Democrática lacerdista, Todavia, ao ser um transfuga, Denys foi rechaçado pelo udenismo militar, o qual tentara impedir que ele se tornasse o ministro da guerra de JQ. Como ministro, o general Denys passou a viver a política no exército como um lobo solitário, sozinho em sua vontade de poder, imprevisível em seus atos. Pode-se usar as ciências sociais exatas do número para falar de JQ?
“Ao contrário, a matéria de tais ciências é, por causa disso, de natureza inferior; intuir as figuras ou os números não ajuda a ciência dos mesmos; somente o <pensar> sobre eles é capaz de produzir uma ciência. - Mas na medida em que por intuição se entende não meramente o sensível, mas a totalidade objetiva, ela é uma intuição intelectual, isto é, não tem como objeto o ser aí em sua existência externa, mas aquilo que, dentro dele, é realidade imperecível e verdade. -, a realidade somente enquanto está determinada essencialmente dentro do conceito [...] A vantagem que a intuição enquanto tal deve ter sobre o conceito é a realidade externa, o sem conceito, que obtém um valor somente através dele”. (Hegel. 2018: 77).
Analisar os fenilomenicos fora do conceito de tela da mente estética universal é cair no anarco-empirismo da estatística. Na tela, encontra-se a verdade imperecível da prática política, isto é, dentro do ser da tela da mente universal com o realidade verdadeira factual e contrafactual e não como realidade externa ao conceito e, portanto, sem conceito da tela universal concreta.
o destino de JQ se deveu às singularidades contingentes da prática política e não à verdade imperecível da tela da mente estética universal da forma de governo democrática, presidencialista, constitucional.Assim, apesar do propósito do ministro da justiça e do chefe da casa-civil de que a carta-renúncia fosse entregue à câmara após às 14 horas, Denys traiu Jânio e antecipou a comunicação da renùncia conversando informalmente com o presidente da câmara, Ranieri Mazzilli; por maiores que sejam as dificuldades de avaliar os efeitos deste ato político no fluxo dos acontecimentos, tudo aponta para ele ter contribuido para um fracasso antecipado do cálculo político de JQ, Pedroso Horta e Quintanilha Ribeiro:
“isso mesmo, era sexta-feira. Aí houve um pouco de desconhecimento do Pedro Horta, que achou que a renúncia teria que ser apreciada primeiro pela CCJ da câmara, que daria um parecer. Portanto, só seria deliberado em plenário na segunda-feira. Até lá, ou em São Paulo ou no Rio Grane (sic), o Jânio prepararia a reação, faria com que o pvo viesse ao seu encontro pedindo a ele que não renuciasse. (Camargo. 1986: 443; De Carli: 89).
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Quando a carta-renúncia chegou ao congresso, Auro Moura Andrade, então presidente do Senado, encontrava-se na direção dos trabalhos do congresso. Ele, que havia sido um amigo e aliado de JQ na política paulista, tornou-se um dos muitos inimigos que Jânio colecionou al longo de sua biografia política. Assim, Auro, da aristocracia do bacharelismo político paulistano, agenciou a antipatia generalizada que havia no congresso contra JQ para golpear, sem piedade, o presidente da república. Na versão de carlos Lacerda:
“[...] nessa altura, minha reação estava um pouco em suspenso, porque o Horta me dissera: ‘Entreguei a carta renúncia. Mas não sabia o que tinha acfontecido com ela’. aí o Auro moura Andrade deu um golpe no Jânio. ele, que presidia o Congresso, abriu a carta e disse:’Uma carta de renúncia do presidente da república é um ato de vontade e não depende do Congresso. Está recebida a carta!’. E com isso consumou a renúncia. então, a primeira parte do golpe, que seria uma manifestação do Congresso de apreço a ele (Jânio), falhou, graças ao Auro Moura Andrade. Quando chegou essa notícia, de um lado eu fiquei tranquilo. Pensei: pelo menos ditador pelo Congresso não vai ser”. (Lacerda: 262; Andrade: 57)
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