sábado, 23 de março de 2019

MIGRANTE – O NÃO-SUJEITO AMERICANO



José Paulo 


MIGRANTE – O NÃO-SUJEITO AMERICANO

Em Michel Foucault encontra-se a fabricação de uma gramática (Agamben: 28) do sujeito distinta de Lacan e Althusser.  

Em Althusser, o sujeito é a produção no campo da representação capitalista de indivíduos fabricados pela ideologia em sujeitos. A destruição da teoria  do sujeito em Althusser se resume ao seguinte:
“Até em Althusser se assiste à seguinte operação: descoberta da produção social como ‘máquina’ ou ‘maquinaria’, irredutível ao mundo da representação objetiva (Vorstellung); mas, logo em seguida, redução da máquina à estrutura, identificação da produção com uma representação estrutural  e teatral (Darstellung). (Deleuzee G. 1972: 369).

Foucault diz:
“A partir e Ricardo, o trabalho, desnivelado em relação à representação, e instalando-se numa região que esta já não abarca, organiza-se segundo uma causalidade que lhe é própria”. (Foucault. 1966: 367).

O trabalho (a economia política) e não a representação (teatro) comanda o espaço do saber a partir de Ricardo:
“O que mudou na viragem do século e sofreu uma alteração irreparável foi o próprio saber como modo de ser prévio e indiviso entre o sujeito cognoscente e o objeto de conhecimento;  e se começou a estudar o custo da produção, e se já não se utiliza a situação do valor, é porque ao nível arqueológico a produção como figura fundamental no espaço do saber, substitui a troca, fazendo surgir por um lado novos objetos cognoscíveis (como o capital) e prescrevendo, por outro lado, novos conceitos e novos métodos (como a análise das formas de produção).”. (Foucault.1966: 264). 

O sujeito social é o trabalho que troca o uso de força de trabalho por um salário no processo de produção de riqueza nacional capitalista. Marx faz a teoria do sujeito proletariado para demonstrar que a riqueza não é produzida pelo burguês e sim pelo operário como capital humano variável.

O sujeito em tela advém como revolução social, como máquina desejante revolucionária em uma época de contrarrevolução burguesa. O burguês aparece como sujeito da contrarrevolução. A dialética da história da sociedade capitalista é aquela da revolução social das máquinas desejantes em um processo de desterritorilização dos fluxos das representações capitalistas e da contrarrevolução burguesa comoreterritorialização despótica edipiana da máquina desejante operária revolucionária. Com Marx e Engels., a história se reparte em capitalismo e comunismo a partir do “Manifesto do Partido Comunista”.  
                                                                                      II
Há o sujeito institucional. Foucault estabelece a gramática do sujeito institucional:
“A) Primeira questão: quem fala? Quem, no conjunto de todos os sujeitos falantes, tem boas razões para ter esta espécie de linguagem? Quem é seu titular? Quem recebe dela sua singularidade, seus encantos, e de quem, em troca recebe, se não garantia, pelo menos a presunção de que é verdadeira? Qual é o status dos indivíduos que têm – e apenas eles _ o direito regulamentar ou tradicional, juridicamente definido ou espontaneamente aceito, de proferir semelhante discurso? O status do médico compreende critérios de competência e de saber: instituições, sistemas, normas pedagógicas; condições legais lhe dão direito – não sem antes lhe fixar limites – à prática e a experimentação do saber”. (Foucault, 2017: 61).

Quem fala? Interrogação que põe o indivíduo em uma relação com alguma espécie de linguagem. Há sujeitos que são ersatz do sujeito institucional. É o caso do telejornalista. O telejornalista faz de conta que tem o mesmo status do médico. Ele seria o médico da opinião pública; ele cuida da saúde da opinião pública; os critérios de sua competência é um faz de conta que é uma competência que se equivale ao do médico; No Brasil, a profissão de jornalista exigia um diploma universitário; hoje ela dispensa o diploma universitário.

Mesmo com toda a influencia do cibernauta na formação da opinião pública ou eleitoral ou política, a sociedade de comunicação de massa permanece como um poder influente.

O intelectual público fala uma espécie de linguagem universitária interpretativa considerada verdadeira?

Lacan diz:
“Se a experiência analítica se acha implicada, por receber seus títulos de nobreza do mito edipiano, é justamente por preservar a contundência da enunciação do oráculo e, eu diria ainda, porque a interpretação permanece sempre nesse mesmo nível. A interpretação não é submetida à prova de uma verdade que decida por sim ou não, mas desencadeia a verdade como tal. Só é verdadeira na medida em que é verdadeiramente seguida”. (Lacan. S. !8: 13).

A interpretação é oracular. Ela faz a profecia racional. (Weber. 1968: 316).  A interpretação desencadeia a verdade na medida em que só é verdadeira se é verdadeiramente seguida pelas massas gramaticalizadas na mitologia edipiana. Ou massas gramaticalizaveis como máquina social desejante da revolução social.  

O intelectual gramsciano (Buci-Glucksmann: 48-49) pode ou não exercer uma função intelectual ou uma profissão. Pode ou não ter sua vida juridicamente definida. Pode pertencer ou não a uma burocracia racional.  Assim, ele pode ou não ser um sujeito como o médico inscrito em um sistema de diferenciações e de relações - divisão das atribuições, subordinação hierárquica, complementariedade funcional, demanda, transmissão e troca de informações. O partido bolchevique é habitado por intelectuais que não exercem função intelectual.

O intelectual cyber é livre dos critérios ajuizados supracitados. Não se pode assim designá-lo como sujeito institucional.  

Uma outra pergunta na definição do sujeito: quem age?

O policial age, ele não fala. A videocracia é uma cultura do policial que age. Ela constrói tal sujeito para o entretenimento das massas de consumidores; ela não qualifica o sujeito por sua competência ou por pertencer a uma burocracia racional; o policial não se define por relação a alguma espécie de linguagem; estou falando da realidade da América Latina; o policial não é o médico da segurança pública; ele não cuida da saúde da população da sociedade civil.

O policial é um sujeito como efeito da gramática estatal em uma grande cidade  sob constante ameaça  de organizações criminosas dos debaixo; ele é uma máquina de guerra molar voltado para manter o equilíbrio frágil do campo de poderes estatizados, legal e ilegal, visível e invisível em uma sociedade em colapso. Sua verdadeira competência é prática, competência do agir regulado pelo saber da estratégia e das táticas na guerra urbana lunpesinal dos de baixo e dos de cima. O sujeito policial juridicamente definido é o objeto de lutas das forças no Congresso voltadas para fazer a legislação que pune o policial que se excede ou relaxe na acusação a ele. Esta luta caracteriza, em parte, a vida do legislativo na periferia do capitalismo globalizado.  

Assim, o sujeito: “Compreende, também um sistema de diferenciações e de relações (divisão das atribuições, subordinação hierárquica, complementariedade funcional, demanda, transmissão e troca de informações) com outros indivíduos ou outros grupos que têm eles próprios seu status (com o poder político e seus representantes, com o Poder Judiciário, com diferentes corpos profissionais, com os grupos religiosos, e, se for o caso, como os sacerdotes). [Foucault. 2017:61).

A instituição da medicina moderna ou a medicina moderna como instituição é uma máquina social de uma estratégia biopoder fazendo pendant com o capitalismo da sociedade industrial da modernidade:
“A fala médica não pode vir de quem quer que seja; seu valor, sua eficácia, seus próprios poderes terapêuticos e, de maneira geral, sua existência como fala médica não são dissociáveis do personagem, definido, por status, que tem o direito de articulá-lo, reivindicando para si o poder de conjurar o sofrimento e a morte. Mas sabe-se também que esse status foi profundamente modificado na civilização ocidental, no final do século XVIII e no início do século XIX, quando a saúde das populações se tornou uma das normas econômicas requeridas pela sociedade industrial”. (Foucault. 2017: 62).

O que é o avesso do sujeito institucional?

A personagem do migrante é o anverso do sujeito institucional no século XXI. Ele pode ser um indivíduo com todas as características de sujeito institucional sem estatuto jurídico nacional. A muralha da China (que Donald Trump quer construir na fronteira com o México) é o signo da articulação do imigrante como não-sujeito americano. Fugindo da vida sem oportunidades de seus país (ou de países devastados economicamente, ou pelo capitalismo criminoso), o não-sujeito americano vive na América acossado pela Okhrana legal dos Estados Unidos. A contradição gramatical entre o não-sujeito americano e a Okhrana americana é um dos fatos espetaculares de nossa.

Em visita oficial ao presidente Trump, o presidente Bolsonaro diz: “o imigrante não quer o bem do povo americano”. O chefe do Itamaraty brasileiro diz que o Estado brasileiro vai ajudar o governo americano a repatriar brasileiros para o inferno da vida messiânica (de Jair Messias Bolsonaro). O imigrante americano é o inimigo da extrema-direita de Bolsonaro a Trump. 

O não-sujeito americano é excluído da máquina social americana biopoder.   Ele não tem direito aos cuidados médicos que a população americana recebe da medicina privada/pública, cuja gênese se encontra nas necessidades da sociedade capitalista europeia:
“Se dessine ainsi toute une décomposition utilitaire de la pauvreté, où commence à apparaître le probleme spécifique de la maladie des pauvres dans son rapport avec les impératifs de travail et la necessite de la production”. (Foucault. 1994, v. 3: 16).

O não-sujeito americano é um fato gramatical da história americana capitalista:
“As enormes e contínuas levas humanas impelidas todos os anos para a América, deixam um sedimento estacionário no Leste dos Estados Unidos; a onda imigratória oriunda da Europa lança aí no mercado de trabalho mais gente do que a que pode ser absorvida pela onda emigratória que daí parte em busca do Oeste. A Guerra Civil Americana acarretou uma dívida pública gigantesca. Com esta vieram a pressão tributaria, a mais vil aristocracia financeira, entrega de partes enormes das terras de domínio público às sociedades de especulação para explorarem estradas de ferro, minas etc., em suma, a mais rápida centralização do capital. A grande República deixou de ser a terra prometida dos trabalhadores emigrantes”. (Marx. 1977. L. 1: 556   


A desterritorilização da sociedade industrial capitalista americana funciona como parte de uma gramática que produz o não-sujeito americano? Trump quer o fim da máquina social biopoder americana, lançando para a posição de não-sujeito americano uma parcela considerável da população de seu país.
                                                                  
Na Ásia, surge o sujeito do capitalismo industrial cyber do sistema neomercantilista de Estados nacionais asiático. O sujeito operário cyber é a grande personagem da narrativa do discurso capitalista asiático. 
                                                                            III

Lacan parte das estruturas do sujeito como psicótico, neurótico e perverso. (Lacan. 1966: 71). A sociedade industrial é aquela do processo molar da edipianização dos sujeitos territorializados em uma sociedade dos neuróticos. No entanto, o familismo tem investimentos libidinais da máquina social capitalista ocidental:
“Se Freud recorda a relação do eu com o sistema perceptivo-consciência, é apenas para indicar que nossa tradição, reflexiva – que erraríamos em crer que não teve incidências sociais por ter dado apoio as formas políticas do estatuto pessoal – testou nesse sistema seus padrões de verdade”. (Lacan, 1996: 69).

A sociedade industrial capitalista cyber asiática recria as estruturas de sujeito da sociedade industrial ocidental?

A sociedade industrial ocidental é aquela da dialética do sujeito estrutural. (Badiou. 1982: 71). A sociedade industrial capitalista asiática é aquela do sujeito gramatical como sujeito do enunciado e da enunciação do desejo? 

As massas se apresentam como maquina social desejante revolucionária:
“et qu'aucune entreprie politique n'a d'advenir - si pauvre que'apparaisse, la tempête esplacée, son présent - sauf à se soutenir dans le sens que prodigue la disparition fondatrice du moumement de masse” (...) c’est dans la modalité de leur esplacement stable que les masses sont l’histoire, dans celle apparaître-disparaissant qu’elle la font”. (Badiou. 1982: 82).



O sujeito da enunciação é máquina desejante da produção capitalista:
“A tese da esquizoanálise é simples:  o desejo é máquina, síntese de máquinas, agenciamento maquínico – máquinas desejantes. O desejo é da ordem da produção; toda produção é ao mesmo tempo desejante e social. Portanto, censuramos a psicanálise por ter esmagado esta ordem da produção, por tê-la revertido à ordem da representação. Longe de ser a audácia da psicanálise, a ideia de representação inconsciente marca, desde o início, sua falência ou sua renúncia: um inconsciente que não mais produz, mas que se limita a acreditar. O inconsciente acredita no Édipo, ele crê na castração e na lei. Sem dúvida, o psicanalista foi o primeiro a dizer que a crença, a rigor, não é um ato do inconsciente; que é sempre o pré-consciente que crê”. (Deleuze e G. 1972: 356).

Um inconsciente que se limita a crer nas representações do capitalismo e que não se atualiza como massas revolucionárias, isto é, como máquina desejante gramatical de revolução social gramatical. Será este o inconsciente da sociedade industrial capitalista cyber asiática?

Virando as costas para a teoria da representação do sujeito, Althusser anota:
<ce sont les masses qui font l’histoire, la lutte des classes est le moteur de l’histoire>. (Althusser: 42).

A sociedade de classes gramatical-industrial encontra-se na Ásia capitalista cyber. O ponto de partida para pensá-la começa na junção de Marx com Freud, como faz Deleuze e Lacan e, em certa medida sutil, Foucault (e não Sartre):
“Le fait est là: bien qu’il <pense > aprés Marx e Freud, Sartre est, paradoxalement, à bien des égards, philosophiquement parlant, un idéologue prémarxiste et préfreudien. Au lieu d’aider à developper les découvertes scientifiques de Marx et Freud, il s’engage brillamment sur des pistes qui égarent le recherche marxiste, plus qu’elles ne la servent”. (Althusser: 44-45). 

Uma formação intelectual marxista de massas cyber chinesa, eis o fato da contemporaneidade do século XXI.  A vanguarda marxista cyber restaura a guerra de classe rumo à revolução social mundial:
“Non que le quantitatif et les armements soient le facteur décisif de la guerra: on sait depuis Clausewitz que les <forces morales> et l’appui des masses sont les seuls facteurs d’invincibilité”. (Badieu. 1975: 93).

A stasis no capitalismo cyber significa a retomada da história universal na contradição capitalismo versus comunismo?   

AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua. V. 1. Belo Horizonte: UFMG, 2002
ALTHUSSER, Louis. Réponse a John Lewis. Paris: Maspero, 1973
BADIOU, Alain. Théorie de la contradiction. Paris: Maspero. 1975
BADIOU, Alain. Théorie du sujet. Paris: Seuil, 1982
DELEUZE & GUATTARI. Capitalisme et schizophrénie. V. 1. L’Anti-Oedipe. Paris: Munuit, 1972
FOUCAULT, Michel. Les mots et les choses. Paris: Gallimard, 1966
FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits. V. 3. Paris: Gallimard, 1994
 FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. RJ. Forense Universitária, 2017                                                   
LACAN, Jacques. Écrits. Paris:Maspero, 1966
 LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 18. De um discurso que não fosse semblante. RJ: Zahar, 2009
MARX, Karl. Le capital. Livre premier. Texte integral. Paris: Éditions Sociales, 1977
WEBER, Max. História geral da economia. SP: Mestre Jou, 1968


  





    
   



   

   

   

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