José Paulo
MIGRANTE – O NÃO-SUJEITO
AMERICANO
Em Michel Foucault encontra-se a
fabricação de uma gramática (Agamben: 28) do sujeito distinta de Lacan e
Althusser.
Em Althusser, o sujeito é a
produção no campo da representação capitalista de indivíduos fabricados pela ideologia
em sujeitos. A destruição da teoria do
sujeito em Althusser se resume ao seguinte:
“Até em Althusser se assiste à
seguinte operação: descoberta da produção social como ‘máquina’ ou
‘maquinaria’, irredutível ao mundo da representação objetiva (Vorstellung); mas, logo em seguida, redução
da máquina à estrutura, identificação da produção com uma representação
estrutural e teatral (Darstellung). (Deleuzee G. 1972: 369).
Foucault diz:
“A partir e Ricardo, o trabalho,
desnivelado em relação à representação, e instalando-se numa região que esta já
não abarca, organiza-se segundo uma causalidade que lhe é própria”. (Foucault. 1966:
367).
O trabalho (a economia política)
e não a representação (teatro) comanda o espaço do saber a partir de Ricardo:
“O que mudou na viragem do século
e sofreu uma alteração irreparável foi o próprio saber como modo de ser prévio
e indiviso entre o sujeito cognoscente e o objeto de conhecimento; e se começou a estudar o custo da produção, e
se já não se utiliza a situação do valor, é porque ao nível arqueológico a
produção como figura fundamental no espaço do saber, substitui a troca, fazendo
surgir por um lado novos objetos cognoscíveis (como o capital) e prescrevendo,
por outro lado, novos conceitos e novos métodos (como a análise das formas de
produção).”. (Foucault.1966: 264).
O sujeito social é o trabalho que
troca o uso de força de trabalho por um salário no processo de produção de
riqueza nacional capitalista. Marx faz a teoria do sujeito proletariado para
demonstrar que a riqueza não é produzida pelo burguês e sim pelo operário como
capital humano variável.
O sujeito em tela advém como
revolução social, como máquina desejante revolucionária em uma época de
contrarrevolução burguesa. O burguês aparece como sujeito da contrarrevolução.
A dialética da história da sociedade capitalista é aquela da revolução social
das máquinas desejantes em um processo de desterritorilização dos fluxos das
representações capitalistas e da contrarrevolução burguesa comoreterritorialização
despótica edipiana da máquina desejante operária revolucionária. Com Marx e
Engels., a história se reparte em capitalismo e comunismo a partir do
“Manifesto do Partido Comunista”.
II
Há o sujeito institucional. Foucault
estabelece a gramática do sujeito institucional:
“A) Primeira questão: quem fala?
Quem, no conjunto de todos os sujeitos falantes, tem boas razões para ter esta
espécie de linguagem? Quem é seu titular? Quem recebe dela sua singularidade,
seus encantos, e de quem, em troca recebe, se não garantia, pelo menos a
presunção de que é verdadeira? Qual é o status dos indivíduos que têm – e
apenas eles _ o direito regulamentar ou tradicional, juridicamente definido ou
espontaneamente aceito, de proferir semelhante discurso? O status do médico
compreende critérios de competência e de saber: instituições, sistemas, normas
pedagógicas; condições legais lhe dão direito – não sem antes lhe fixar limites
– à prática e a experimentação do saber”. (Foucault, 2017: 61).
Quem fala? Interrogação que põe o
indivíduo em uma relação com alguma espécie de linguagem. Há sujeitos que são
ersatz do sujeito institucional. É o caso do telejornalista. O telejornalista
faz de conta que tem o mesmo status do médico. Ele seria o médico da opinião
pública; ele cuida da saúde da opinião pública; os critérios de sua competência
é um faz de conta que é uma competência que se equivale ao do médico; No
Brasil, a profissão de jornalista exigia um diploma universitário; hoje ela
dispensa o diploma universitário.
Mesmo com toda a influencia do
cibernauta na formação da opinião pública ou eleitoral ou política, a sociedade
de comunicação de massa permanece como um poder influente.
O intelectual público fala uma
espécie de linguagem universitária interpretativa considerada verdadeira?
Lacan diz:
“Se a experiência analítica se acha
implicada, por receber seus títulos de nobreza do mito edipiano, é justamente
por preservar a contundência da enunciação do oráculo e, eu diria ainda, porque
a interpretação permanece sempre nesse mesmo nível. A interpretação não é
submetida à prova de uma verdade que decida por sim ou não, mas desencadeia a
verdade como tal. Só é verdadeira na medida em que é verdadeiramente seguida”.
(Lacan. S. !8: 13).
A interpretação é oracular. Ela
faz a profecia racional. (Weber. 1968: 316).
A interpretação desencadeia a verdade na medida em que só é verdadeira
se é verdadeiramente seguida pelas massas gramaticalizadas na mitologia
edipiana. Ou massas gramaticalizaveis como máquina social desejante da
revolução social.
O intelectual gramsciano
(Buci-Glucksmann: 48-49) pode ou não exercer uma função intelectual ou uma
profissão. Pode ou não ter sua vida juridicamente definida. Pode pertencer ou
não a uma burocracia racional. Assim,
ele pode ou não ser um sujeito como o médico inscrito em um sistema de
diferenciações e de relações - divisão das atribuições, subordinação
hierárquica, complementariedade funcional, demanda, transmissão e troca de
informações. O partido bolchevique é habitado por intelectuais que não exercem
função intelectual.
O intelectual cyber é livre dos
critérios ajuizados supracitados. Não se pode assim designá-lo como sujeito
institucional.
Uma outra pergunta na definição
do sujeito: quem age?
O policial age, ele não fala. A
videocracia é uma cultura do policial que age. Ela constrói tal sujeito para o
entretenimento das massas de consumidores; ela não qualifica o sujeito por sua
competência ou por pertencer a uma burocracia racional; o policial não se define
por relação a alguma espécie de linguagem; estou falando da realidade da
América Latina; o policial não é o médico da segurança pública; ele não cuida
da saúde da população da sociedade civil.
O policial é um sujeito como
efeito da gramática estatal em uma grande cidade sob constante ameaça de organizações criminosas dos debaixo; ele é
uma máquina de guerra molar voltado para manter o equilíbrio frágil do campo de
poderes estatizados, legal e ilegal, visível e invisível em uma sociedade em
colapso. Sua verdadeira competência é prática, competência do agir regulado
pelo saber da estratégia e das táticas na guerra urbana lunpesinal dos de baixo
e dos de cima. O sujeito policial juridicamente definido é o objeto de lutas
das forças no Congresso voltadas para fazer a legislação que pune o policial
que se excede ou relaxe na acusação a ele. Esta luta caracteriza, em parte, a
vida do legislativo na periferia do capitalismo globalizado.
Assim, o sujeito: “Compreende,
também um sistema de diferenciações e de relações (divisão das atribuições,
subordinação hierárquica, complementariedade funcional, demanda, transmissão e
troca de informações) com outros indivíduos ou outros grupos que têm eles
próprios seu status (com o poder
político e seus representantes, com o Poder Judiciário, com diferentes corpos
profissionais, com os grupos religiosos, e, se for o caso, como os sacerdotes).
[Foucault. 2017:61).
A instituição da medicina moderna
ou a medicina moderna como instituição é uma máquina social de uma estratégia
biopoder fazendo pendant com o capitalismo da sociedade industrial da
modernidade:
“A fala médica não pode vir de
quem quer que seja; seu valor, sua eficácia, seus próprios poderes terapêuticos
e, de maneira geral, sua existência como fala médica não são dissociáveis do
personagem, definido, por status, que
tem o direito de articulá-lo, reivindicando para si o poder de conjurar o
sofrimento e a morte. Mas sabe-se também que esse status foi profundamente modificado na civilização ocidental, no
final do século XVIII e no início do século XIX, quando a saúde das populações
se tornou uma das normas econômicas requeridas pela sociedade industrial”.
(Foucault. 2017: 62).
O que é o avesso do sujeito
institucional?
A personagem do migrante é o
anverso do sujeito institucional no século XXI. Ele pode ser um indivíduo com
todas as características de sujeito institucional sem estatuto jurídico
nacional. A muralha da China (que Donald Trump quer construir na fronteira com
o México) é o signo da articulação do imigrante como não-sujeito americano.
Fugindo da vida sem oportunidades de seus país (ou de países devastados
economicamente, ou pelo capitalismo criminoso), o não-sujeito americano vive na
América acossado pela Okhrana legal dos Estados Unidos. A contradição
gramatical entre o não-sujeito americano e a Okhrana americana é um dos fatos
espetaculares de nossa.
Em visita oficial ao presidente
Trump, o presidente Bolsonaro diz: “o imigrante não quer o bem do povo
americano”. O chefe do Itamaraty brasileiro diz que o Estado brasileiro vai
ajudar o governo americano a repatriar brasileiros para o inferno da vida
messiânica (de Jair Messias Bolsonaro). O imigrante americano é o inimigo da
extrema-direita de Bolsonaro a Trump.
O não-sujeito americano é
excluído da máquina social americana biopoder.
Ele não tem direito aos cuidados médicos que a população americana
recebe da medicina privada/pública, cuja gênese se encontra nas necessidades da
sociedade capitalista europeia:
“Se dessine ainsi toute une
décomposition utilitaire de la pauvreté, où commence à apparaître le probleme
spécifique de la maladie des pauvres dans son rapport avec les impératifs de
travail et la necessite de la production”. (Foucault. 1994, v. 3: 16).
O não-sujeito americano é um fato
gramatical da história americana capitalista:
“As enormes e contínuas levas
humanas impelidas todos os anos para a América, deixam um sedimento
estacionário no Leste dos Estados Unidos; a onda imigratória oriunda da Europa
lança aí no mercado de trabalho mais gente do que a que pode ser absorvida pela
onda emigratória que daí parte em busca do Oeste. A Guerra Civil Americana
acarretou uma dívida pública gigantesca. Com esta vieram a pressão tributaria,
a mais vil aristocracia financeira, entrega de partes enormes das terras de domínio
público às sociedades de especulação para explorarem estradas de ferro, minas
etc., em suma, a mais rápida centralização do capital. A grande República
deixou de ser a terra prometida dos trabalhadores emigrantes”. (Marx. 1977. L.
1: 556
A desterritorilização da
sociedade industrial capitalista americana funciona como parte de uma gramática
que produz o não-sujeito americano? Trump quer o fim da máquina social biopoder
americana, lançando para a posição de não-sujeito americano uma parcela considerável
da população de seu país.
Na Ásia, surge o sujeito do
capitalismo industrial cyber do sistema neomercantilista de Estados nacionais
asiático. O sujeito operário cyber é a grande personagem da narrativa do
discurso capitalista asiático.
III
Lacan parte das estruturas do
sujeito como psicótico, neurótico e perverso. (Lacan. 1966: 71). A sociedade
industrial é aquela do processo molar da edipianização dos sujeitos
territorializados em uma sociedade dos neuróticos. No entanto, o familismo tem
investimentos libidinais da máquina social capitalista ocidental:
“Se Freud recorda a relação do eu
com o sistema perceptivo-consciência, é apenas para indicar que nossa tradição,
reflexiva – que erraríamos em crer que não teve incidências sociais por ter
dado apoio as formas políticas do estatuto pessoal – testou nesse sistema seus
padrões de verdade”. (Lacan, 1996: 69).
A sociedade industrial
capitalista cyber asiática recria as estruturas de sujeito da sociedade
industrial ocidental?
A sociedade industrial ocidental
é aquela da dialética do sujeito estrutural. (Badiou. 1982: 71). A sociedade
industrial capitalista asiática é aquela do sujeito gramatical como sujeito do
enunciado e da enunciação do desejo?
As massas se apresentam como
maquina social desejante revolucionária:
“et qu'aucune entreprie politique
n'a d'advenir - si pauvre que'apparaisse, la tempête esplacée, son présent -
sauf à se soutenir dans le sens que prodigue la disparition fondatrice du
moumement de masse” (...) c’est dans la modalité de leur esplacement stable que
les masses sont l’histoire, dans celle apparaître-disparaissant qu’elle la
font”. (Badiou. 1982: 82).
O sujeito da enunciação é máquina
desejante da produção capitalista:
“A tese da esquizoanálise é
simples: o desejo é máquina, síntese de
máquinas, agenciamento maquínico – máquinas desejantes. O desejo é da ordem da
produção; toda produção é ao mesmo tempo desejante e social. Portanto,
censuramos a psicanálise por ter esmagado esta ordem da produção, por tê-la
revertido à ordem da representação. Longe de ser a audácia da psicanálise, a
ideia de representação inconsciente marca, desde o início, sua falência ou sua
renúncia: um inconsciente que não mais produz, mas que se limita a acreditar. O
inconsciente acredita no Édipo, ele crê na castração e na lei. Sem dúvida, o
psicanalista foi o primeiro a dizer que a crença, a rigor, não é um ato do
inconsciente; que é sempre o pré-consciente que crê”. (Deleuze e G. 1972: 356).
Um inconsciente que se limita a
crer nas representações do capitalismo e que não se atualiza como massas
revolucionárias, isto é, como máquina desejante gramatical de revolução social
gramatical. Será este o inconsciente da sociedade industrial capitalista cyber
asiática?
Virando as costas para a teoria
da representação do sujeito, Althusser anota:
<ce sont les masses qui font
l’histoire, la lutte des classes est le moteur de l’histoire>. (Althusser:
42).
A sociedade de classes
gramatical-industrial encontra-se na Ásia capitalista cyber. O ponto de partida
para pensá-la começa na junção de Marx com Freud, como faz Deleuze e Lacan e,
em certa medida sutil, Foucault (e não Sartre):
“Le fait est là: bien qu’il
<pense > aprés Marx e Freud,
Sartre est, paradoxalement, à bien
des égards, philosophiquement parlant, un idéologue prémarxiste et préfreudien.
Au lieu d’aider à developper les découvertes scientifiques de Marx et Freud, il
s’engage brillamment sur des pistes qui égarent le recherche marxiste, plus
qu’elles ne la servent”. (Althusser: 44-45).
Uma formação intelectual marxista
de massas cyber chinesa, eis o fato da contemporaneidade do século XXI. A vanguarda marxista cyber restaura a guerra
de classe rumo à revolução social mundial:
“Non que le quantitatif et les
armements soient le facteur décisif de la guerra: on sait depuis Clausewitz que
les <forces morales> et l’appui des masses sont les seuls facteurs
d’invincibilité”. (Badieu. 1975: 93).
A stasis no capitalismo cyber
significa a retomada da história universal na contradição capitalismo versus
comunismo?
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder
soberano e a vida nua. V. 1. Belo Horizonte: UFMG, 2002
ALTHUSSER, Louis. Réponse a John
Lewis. Paris: Maspero, 1973
BADIOU, Alain. Théorie de la
contradiction. Paris: Maspero. 1975
BADIOU, Alain. Théorie du sujet.
Paris: Seuil, 1982
DELEUZE
& GUATTARI. Capitalisme et schizophrénie. V. 1. L’Anti-Oedipe. Paris: Munuit,
1972
FOUCAULT,
Michel. Les mots et les choses. Paris: Gallimard, 1966
FOUCAULT,
Michel. Dits et Écrits. V. 3. Paris: Gallimard, 1994
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. RJ. Forense
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LACAN, Jacques. Écrits.
Paris:Maspero, 1966
LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 18. De um
discurso que não fosse semblante. RJ: Zahar, 2009
MARX, Karl. Le capital. Livre premier.
Texte integral. Paris: Éditions Sociales, 1977
WEBER, Max. História geral da
economia. SP: Mestre Jou, 1968