José Paulo
A dupla virtual e atual introduz
algo novo para a investigação das gramáticas da comunicação do capitalismo?
Os mass media eletrônicos se constituem como gramática da forma de
consciência burguesa comunicacional. Eles continuam funcionando no espaço
moderno da representação. A técnica
digital teria abandonado este espaço da representação moderna?
Gerando uma torsão em uma tese de
um filósofo: a forma de consciência burguesa remete para a insistência do
virtual no atual como dinamismo espaço-temporal destinado a nos permitir
apreender o mundo como acontecimento, e a perceber a experiência real em todas
as suas particularidades ou heterogênese. (Alliez:23). A técnica digital cria
um espaço em ruptura com a forma de consciência burguesa comunicacional?
A filosofia vem antes do domínio
territorial da subjetividade pela técnica. A filosofia do virtual de Deleuze
antecipa o domínio da técnica virtual (técnica digital industrial)?
Caro leitor, perca um tempinho
refletindo na:
Proposição 1: A filosofia deve
constituir-se como teoria do que fazemos, não como a teoria do que é, pois o
pensamento só diz o que é ao dizer o que faz; re-construir a imanência
substituindo as unidades abstratas por multiplicidades concretas, o É de
unificação pelo E enquanto processo ou devir (uma multiplicidade para cada
coisa, um mundo de fragmentos não-totalizáveis comunicando-se através de
relações exteriores). (Alliez: 19).
O que significa pensar uma
gramática da comunicação de fragmentos não-totalizáveis? Ela existe em qual
realidade material? Em qual realidade de subjetivação? O que significa a
subjetivação da gramática teledigital?
Da monumental obra de Christian
Godin retiro duas ideias:
Partons donc du constatable. Nous
disposons, pour reprendre le titre d’un ouvrage de N. Goodman, de plusiers
moyens pour construire un monde. Il existe le monde de nos perceptivos, et
celui de nos images, le monde de nos mots, et celui de nos concepts.
L’appellation de mondes pour désigner
ces ensembles de réprésentations n’est pas simplement métaphorique: d’une part
ces ensembles constituent bien des systèmes (les mots dans un langage ou un
roman, les concepts dans une théorie, etc.), d’autre part ils renvoient au
monde ˂réel> comme à un référent ultime”. (Godin: 11).
Na gramática da comunicação de
fragmentos não totalizáveis, o fenômeno político é um mundo de práticas e
representações metafóricas e ˂reais>. A gramática pode ser percebida como um
mundo através da percepção, de imagens, de palavras da língua usual ou
artificial, de conceitos e de significantes lacanianos. A gramática constitui
um sistema (os termos e expressões da língua política, heróis da narrativa
romanceada do mundo-da-vida, os conceitos de uma teoria), de uma parte; de
outro lado, ela reenvia ao mundo ˂real>: referente último.
Godin diz:
Nous appelons imaginaire tout ce qui est relatif à une
représentation sensible, symbolique
ce qui a trait à une représentation conceptuelle. Les symboles, donc, en ce
sens, font partie de l’imaginaire, et non du symbolique. L’ordre d’ensemble
adopté pour cette Section est celui de la phénoménologie hégélienne: de la
conscience sensible au savoir absolu, des représentations immédiates de la
notion de totalité comme perception ou vécu jusqu’au concept de la totalité
consciente de soi dans les théories holistes”. (Godin: 12).
A gramática hegeliana vai da
consciência sensível ao saber absoluto, das representações imediatas da noção
de totalidade, como percepção ou experiência vivida, até o conceito de
totalidade consciente de si na fenomenologia dialética. A representação
encontra-se no centro tático da fenomenologia hegeliana.
A representação remete para a
forma de consciência real da história universal, em Marx:
“Em uma etapa de seu
desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em
contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que
a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais
aquelas até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças
produtivas estas relações se transformam em grilhões. Sobrevém então uma época
de revolução social. Com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura
se transtorna com maior ou menor rapidez.
Na consideração de tais transformações é necessário distinguir sempre
entre a transformação material das condições econômicas de produção, que pode
ser objeto de rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurídicas,
políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas
ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito e o conduzem
até o fim”. (Marx. 1974: 136).
Uma leitura do conceito de
representação da década de 1960 nos leva até o livro “Les mots et les choses”.
Porém, o texto de Marx fala da contradição que se desenvolve entre gramáticas
da sociedade na história universal em um período no qual a gramática econômica
entra em um antagonismo agônico com a gramática da propriedade, como
representação sensível e conceitual, que articula as relações sociais de
produção. A representação da economia é uma das chaves do pensamento de Marx,
pois, a gramática das formas ideológicas (formas de consciência) também fazem a
economia funcionar na acumulação ampliada mundial do capital.
A relação de Marx com as ciências
humanas é irrevogável. Foucault diz que a representação muda de estrutura na
episteme do século XIX. A autonomia da lógica em relação à gramática tout court significa que a gramática
passa para outro patamar, com as condições de possibilidade de uma lógica não
verbal e a de uma gramática histórica. (389). Trata-se do funcionamento da
representação destacada da vida, aguda e sensível presença daquilo que elas
representam. (343). Aí faz presença a gramática histórica:
“La seconde compensation au
nivellement du langage, c’est la valeur critique qu’on a prêtée à son étude.
Devenu réalité historique épaisse et
consistante, le langage forme le lieu des traditions, de habitudes muettes de
la pensée, de l’esprit obscur des peuples; il acumule une mémoire fatale qui ne
se connaît même pas comme mémoire”. (Foucault. 1966: 310). Y 5t
A literatura é um campo de saber
que faz pendant com a gramática histórica da representação destacada das
coisas:
La littérature, c’est la
contestation de la philologie (dont elle est pourtant la figure jumelle): elle
ramène le langage de la grammaire au pouvoir dénudé de parler, et là elle rencontre
l’être sauvage et impérieux des mots”. (Foucault. 1966: 313).
A ciência do homem pode ser
imaginada como a gramática da representação das necessidades e da sociedade a
partir das quais se pode obter uma representação da própria economia, distinta
da gramática da economia do burguês:
“l’économie n’est pas pour cela
une science humane. On dira peut-être qu’elle a recours pour définir des lois qui sont pourtant
intérieures aux mécanismes de la production
(comme l’accumulation du capital ou les rapports entre le taux des
salaires et les prix de revient) à des comportements humains, et une
représentation qui le fondent (l’intérêt, la recherche du profit maximum, la
tendence à l’épargne); mais ce faisant, elle utilize les représentations comme
réquisit d’un fonctionnement (qui passe, en
effet, par une activité humaine explicite); en revanche il n’y aura science
de l’homme que si on s’adresse à la
manière dont les individus ou les groupes
se représentent leurs partenaires, dans la production et dans l’èchange, le
mode sur lequel ils èclairent ou ignorent ou masquent ce fonctionnemment et la
position qu’ils y occupent, la façon dont ils se représentent la société où il
a lieu, la manière dont ils se sentent
intégrés à elle ou isolés, dépendants, soumis ou libres; l’objet des
sciences humaines n’est pas cet homme qui depuis l’aurore du monde, ou le
premier cri de son âge d’or est voué au travail; c’est cet être qui, de
l’intérieur des formes de la production par lesquelles tout son existence est
commandée, forme la représentation de ces besoins, de la société par laquelle,
avec laquelle ou contre laquelle il les satisfait, si bien qu’à partir de là
peut finalement se donner la représentation de l’économie elle-même”.
(Foucault. 1966: 363-364).
A gramática da representação da
política põe e repõe o problema da articulação entre governante e governado,
representante e representado como criação da soberania popular. A forma de
consciência ideológica é o princípio de uma articulação entre classes sociais e
representação; entre classes e governo. Para isto é preciso admitir a
existência da gramática da forma de
consciência burguesa.
Na segunda metade do século XX,
surge a forma de consciência burguesa comunicacional no lugar da forma de
consciência burguesa social. A representação passa a funcionar no domínio da
técnica visual eletrônica; ela se torna irreconhecível para o marxismo tout court; com o marxismo brasileiro
gramatical, a representação da comunicação eletrônica volta a ser um fenômeno
visível na tela gramatical da comunicação.
Finalmente no século XXI, a
representação passa a funcionar no domínio da técnica digital? Eis o nosso
problema estratégico.
A técnica digital abre um campo
de saber virtual para além da representação? Deleuze diz que sim:
“Quando a potência de pensar se
define pelos afectos que é capaz de produzir para individuar a vida que a
compreende e ‘explicar’ o desejo de que é inseparável como potencial e
acontecimento”. (Alliez: 27).
A técnica digital faz surgir uma
filosofia materialista virtual que
dispensa a representação? Trata-se de um passo dado para além da ciência do homem e da economia burguesa:
“Proposição IV: Ética do
Ser-Pensamento, ética das relações que opõem as potências da vida às doutrinas
do juízo, a filosofia é uma onto-etologia à medida que seus conceitos formam mundos
possíveis e acontecimentos presos no movimento de um infinito virtual-real”. (Alliez:
17)
Creio que a filosofia virtual da
técnica digital altera a política tout
court, pois, a representação ideológica passa a fazer pendant com a
gramática saussuriana da política. Nesta, a soberania popular burguesa (a
política como expressão da gramática da forma de consciência burguesa
comunicacional) faz pendant com a arbitrariedade do signo saussuriano
(Saussure: 81) na articulação entre representante e representado, entre governante
e governado.
II
A relação da gramática com o
virtual foi bem estabelecido por Pierre Levy:
“As operações de gramatização
recortam um continuum fortemente
ligado a presenças aqui e agora, a corpos, a relações ou situações
particulares, para obter afinal elementos convencionais ou padrão. Esses átomos
são descartáveis, transferíveis, independentes de contextos vivos. Já formam o
grau mínimo do virtual na medida em que cada um pode ser atualizado numa
variedade indefinida de ocorrências, todas qualitativamente diferentes, mas no
entanto reconhecíveis com exemplares do mesmo elemento virtual. Portanto não se trata de átomos reais ou substanciais. Esse ponto deve ser sublinhado, pois ele faz toda a
diferença entre a análise à moda cartesiana, que separa partes reais, e a
gramatização que cria partículas virtuais. Sua propriedade de não-significância
autoriza o reemprego de um conjunto
limitado de tijolos de base, livres e descartáveis, para construir uma
quantidade infinita de sequências, de cadeias ou de compostos significantes. A
significação de um composto não pode ser deduzida a priori da lista de seus elementos: trata-se de uma atualização
criadora em contexto”. (Levy. 1996: 87-88).
A significação na política de um
composto (partido político ou facção política etc.) não se deduz a priore da lista de seus elementos. A
lista dos elementos da Constituição pode falar em partido político como sujeito
da política. O artigo 17 do capítulo V da Constituição brasileira 1988
estabelece o partido político como sujeito da política. “É livre a criação,
fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardada a soberania
nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais
da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
I – caráter nacional.
A significação nacional do
composto não pode ser deduzido a priori
de sua realidade virtual constitucional: do dito constitucional. A norma só existe como atualização do virtual. Trata-se
de uma atualização criadora do virtual em um contexto.
O contexto do capitalismo
neocolonial significa que o partido político age em prol de interesses
não-nacionais. O bloco de partidos dominante no Congresso e no governo nacional
é neoliberal e neocolonial. O neoliberalismo segue a política do “Consenso e
Washington”. Se trata de um bloco de
partidos não-nacionais. Como o partido político é definido constitucionalmente
(virtualmente) como nacional, então a existência de grupos políticos
institucionais não-nacionais significa que a política se define por ser uma facçdemocracia: sgrammaticatura da democracia das facções políticas constituídas
pela lógica simbólica do particular, pela lógica na qual a política não se totaliza em nação.
Pierre Levy esclarece a relação
entre gramática e sgrammaticatura ou
falta de gramática:
“O destino da escrita ilustra particularmente
bem a gramatização; o que a etimologia
confirma: gramma, em grego antigo, é
a letra. A fala é antes de mais nada indissociável
de um sopro, de um presença viva aqui e
agora. A escrita (a gramatização da fala) separa a mensagem de um corpo vivo e de uma situação particular. A
impressão leva adiante esse processo ao padronizar a grafia, separando o texto lido do traço direto de uma performance móvel. Reencontramos em quase todos os
processos de virtualização o equivalente de um ‘caráter móvel, liberado,
deslocado das situações concretas, reprodutível e circulante”. (Levy. 1996:
88).
Com o último parágrafo, o
problema da política se põem de um modo mais preciso em Levy. O contexto é também
uma gramática (econômica, política,
cultural). O contexto brasileiro é a gramática do capitalismo neocolonial.
Trata-se de uma virtualização mundial que se atualiza na política da nação, do
país, de uma região geoeconômica.
Há um salto qualitativo na
gramaticalização do homo informacionalis:
“A informatização acelera o
movimento iniciado pela escrita ao reduzir todas as mensagens a combinações de
dois símbolos elementares, zero e um. Esses caracteres são os menos
significantes possíveis, idênticos em todos os suportes de memória. Seja qual
for a natureza da mensagem, eles compõem sequências traduzíveis em e por
qualquer computador. A informática é a mais virtualizante das técnicas por ser
também a mais gramaticalizante. Sabe-se que a língua se caracteriza por uma
dupla articulação, a que junta os fonemas e as unidades significantes (as
palavras) e a que junta as palavras entre si para produzir frases. No que
concerne à informática, poder-se-ia falar de uma articulação de n tempos:
códigos eletrônicos de base, linguagens-máquinas, linguagens de programação,
linguagens de alto nível, interfaces e operadores de traduções múltiplas para finalmente
chegar à escrita clássica, à linguagem, a todas as formas visuais e sonoras, a
novos sistemas de signos interativos”. (Levy. 1996: 88-89).
O efeito do homo informacionalis sobre a política é os mass media (eletrônico e digital) no comando da cultura e da
política. A facçdemocracia tem na facção dos mass media um poder de gramaticalização da política virtual ainda pouco
entendido: a) em sua estrutura gramatical; b) em sua atualização prática; c) em
suas consequências para o futuro imediato.
A facção dos mass media é um efeito da gramática do capitalismo neocolonial (e
neoliberal tupiniquim). A gramática dos mass
media é uma atualização da virtualidade da gramática do capitalismo
neocolonial. Portanto, trata-se de uma facção antinacional, naturalmente.
Na eleição 2018, o candidato Ciro
Gomes faz do discurso nacional a plataforma eleitoral de sua campanha à
presidência da república. Assim ele entra em choque com a facção dos mass media. A internacionalização
virtual da política brasileira pela gramaticalização do capitalismo neocolonial
mundial é um processo contínuo e permanente de oclusão da nação na consciência
burguesa comunicacional, como consciência do capitalismo neocolonial.
O problema em tela não nos
introduz empiricamente na relação da gramaticalização do antinacional no homo informacionalis digital?
III
O A técnica digital cria o
ambiente para a expressão de uma subjetivação fragmentada. Bilhões de pessoas
escrevem e leem o que outros internautas escrevem em um cotidiano no qual a
forma de consciência não tem terreno objetivo/subjetivo para se totalizar? Hoje,
já vivemos a realidade de um mundo digital, do homo digitalis, como um fenômeno mundial.
O que é o homo digitalis?
Há o Estado digital como um passo
além do tele Estado eletrônico?
Na década de 1990, o Estado
digital ainda era uma fantasia lacaniana do futuro. Pierre Levy procurou
balizar a gramática da política digital, em seu frescor de novidade.
Seria o caso de pensar uma
tribalização algorítma do mundo?
Maffesoli fala de uma
tribalização real do espaço político mundial:
“Numerosos são os indícios que,
nacional ou internacional, exprimem esse sentimento de vinculação
comunitária ou tribal. Regiões, cidades,
departamentos, levantam-se contra o
centralismo jacobino, em torno de
um herói epônimo: prefeito, notável local, estrela esportiva ou personalidade
de renome afirmam um imaginário que os constitui como tal. O mesmo vale nos quatro
cantos do mundo, a partir de uma reivindicação étnica, de uma especificidade
cultural ou um fanatismo religioso, Em cada um desses casos, afirma-se o que
Wittgenstein chamava de ‘semelhança de famílias’”. (Maffesoli: 19).
“Semelhança de família” é o avesso
da política racional. Trata-se do estado sentimental ou do campo dos afetos ou
de estado animus no comando da política: “Desse ponto de vista, a gestão das
paixões é certamente a arte suprema de toda boa política”. (Maffesoli: 34).
A “semelhança de família” faz
pendant com o aspecto religioso do político:
“O político, no seu aspecto
religioso, assegura de uma parte, pelo viés da liderança, a ligação com o meio
natural; reforça, de outra parte, pelo sentimento coletivo e pela emoção
partilhada, o estar-junto necessário a toda vida social”. (Maffesoli: 45).
A força do sentimento é o
instrumento de tribalização do político:
“A transfiguração do político
completa-se quando a ambiência emocional toma o lugar da argumentação ou quando
o sentimento substitui a convicção”. (Maffesoli:147).
A força do sentimento remete para
o poder de afetar e ser afetado por emoções, paixões na política. Este estado
da política maffesoliana não parece ter sido transplantado para a tela digital?
Uma política digital algorítma
voltada para a comunicação afetiva de familiares e amigos é o ideal das redes
sociais digitais. Toda uma sociedade de afecto articula famílias e amigos ao redor
do planeta. A “semelhança de família” é o princípio de funcionamento
institucional da gramática das redes sociais digitais.
Não obstante, há circulação de
discurso político, difusão de gramática política, fabricação de gramáticas da
comunicação na parte invisível da tela gramatical digital ao lado de uma
política oficial de estabelecimento de
pequenos campos de concentração da expressão escrita pessoal
e grupal. Se a escrita tout court é a
virtualização da fala, a escrita digital é a virtualização de um fala
confiscada em sua liberdade de dizer a verdade.
A política digital algorítma é
aquela de um dispositivo industrial de segregação dos internautas. No entanto, ela
pode ser ultrapassada por sujeitos digitais no ciberespaço. Neste espaço, pode
acontecer campanhas políticas permanentes para a tomada do poder via eleição, articulação
digital da mobilização de massas na rua para derrubar regimes autocráticos ou
para transformar a democracia representativa, polarização ideológica etc.
Pierre Levy resume a
historicidade da relação entre técnica e política:
“A infraestrutura de comunicação e
as tecnologias intelectuais sempre mantiveram estreitas relações com as formas
de organização econômicas e políticas. Lembremos a esse respeito alguns exemplos
bem conhecidos. O nascimento da escrita está ligado aos primeiros Estados burocráticos
de hierarquia piramidal e às primeiras formas de administração econômica
centralizadas (imposto, gestão de grandes domínios agrícolas etc.). O
surgimento do alfabeto na Grécia antiga é contemporâneo ao aparecimento da
moeda, da cidade antiga e, sobretudo, da invenção da democracia: tendo a
prática da leitura se difundido, todos podiam tomar conhecimento das leis e
discuti-las. A imprensa tornou possível uma ampla difusão de livros e a existência
de jornais, base da opinião pública. Além disso, a imprensa representa a
primeira indústria de massa, e o desenvolvimento tecnocientífico por ela
promovido foi um dos motores da Revolução Industrial. A mídia audiovisual do
século XX (rádio, televisão, discos e filmes) participou do surgimento de uma
sociedade do espetáculo, que transformou as regras do jogo tanto na cidade como
no mercado [publicidade]”. (Levy. 2015: 57-58).
As gramáticas da política se
encontram associadas ao domínio da técnica. Com a Revolução Industrial, a
política fez laço com a técnica industrial. No século XXI, a política se
encontra sob efeito da técnica industrial digital. A democracia se torna uma
questão do ciberespaço:
“Antes de nos engajar às cegas em
vias irreversíveis, urge imaginar, experimentar e promover, no novo espaço da
comunicação, estruturas de organização, estilos de decisão orientados para um aprofundamento da democracia. O ciberespaço poderá se tornar um meio de
exploração dos problemas, de discussões pluralistas, de evidências de processos
complexos, de tomada de decisão coletiva e de avaliação dos resultados o mais próximo possível das comunidades
envolvidas”. (Levy. 2015: 58).
O idealismo da interpretação de
Pierre Levy não integra em sua análise a materialidade da política fazendo
pendant com a physis da economia. O
ciberespaço brasileiro inventou uma nova gramática da nossa política. Ela é a
junção de uma paixão de massa digital pela autocracia bonapartista de chumbo e a adaptação darwinista desta massa ao futuro imediato do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.
No entanto, como evangelho da
política digital, os livros de Pierre Levy se constituem em uma fonte de
leitura pública para a defesa de um aprofundamento da democracia realmente
existente.
ALLIEZ, Éric. Deleuze. Filosofia
virtual. SP: Editora 34, 1996 Champ Vallon, 1998
FOUCAULT, Michel. Les mots et les
choses. Paris: Gallimard, 1966
GODIN, Christian. La totalité. v.
1. De l’imaginaire au symbolique. Paris:
LEVY, Pierre. O que é o virtual?
SP: Editora 34, 1996
LEVY, Pierre. A inteligência coletiva. SP: Folha de São Paulo, 2015
MAFFESOLI, Michel. A
transfiguração do político. A tribalização do mundo. Porto Alegre: Sulinas,
1997
MARX. OS Pensadores. SP: Abril
Cultural, 1974
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de
linguística geral. SP: Cultrix, Sem Data