sexta-feira, 3 de abril de 2015

Leitura das máquinas de guerra antigas, modernas e outras

O OCIDENTE É UM CADÁVER QUE CHORA?
“A República” de Platão é uma obra de um filósofo e de um físico das máquinas de guerra. A filosofia política de Platão não é filosofia, mas, sobretudo, física das máquinas. Platão criou a partir da cultura oral de Sócrates a dialética episteme versus doxa. A episteme significa máquina de guerra de pensamento platônica e a doxa máquina de guerra sofista. A episteme articula “A República” de Platão como o nascimento de uma estrela: o Ocidente como máquina de guerra política-cultural contra o Oriente. Derrida mostrou como Pólemos (guerra  externa) e stásis ( discórdia=luta política) criaram a fronteira entre a polis e o mundo bárbaro (oriental). A polis é o lugar da paz, pois nela, o homem busca a felicidade. Aristóteles foi categórico sobre esta questão: “E pensamos que a felicidade depende do lazer, pois trabalhamos para ter direito ao lazer, como fazemos a guerra para poder viver em paz”.
O Ocidente é a junção da cultura greco-romana com a cultura política greco-romana que tem sua forma mais acabada na Roma res publicana. Esta inventou a hegemonia como articulação da cultura com a política metabolizando os artefatos simbólicos da cultura grega. Hegemonia significa a luta cultural na superfície política do mundo-da-vida que evita a instauração do reino das máquinas de guerra na política strictu sensu. O Império romano significou a desintegração da hegemonia res publicana  e sua substituição pelo discurso do mestre cesarista que articulou a cultura política totalitária imperial como dominus do inconsciente político romano. Mas não devemos nos perder nos meandros da história romana. Pois, o fundamental é que o choque político com o Oriente definiu o Ocidente como máquina de guerra imperial em constante batalha para se autodefender ou tonar-se imperialista em relação ao Oriente. A história política universal nasceu no Oriente; o Urstaat nasceu oriental (arquétipo-máquina de guerra das máquinas de guerra) e o mundo greco-romano foi um ponto de inflexão na história universal. No livro “Filosofia da história”, Hegel quer provar que a história universal é ocidental. Hegel é a máquina de guerra de pensamento platônica moderna que retoma a dialética Ocidente versus Oriente no século XIX pela negação do Oriente como parte positiva e autônoma da história universal. Na idade Média, as Cruzadas foram apenas o sintoma deste choque quase permanente entre Ocidente e Oriente.
O livro “A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental” anunciou o fim do Ocidente no território da cultura mundial. Husserl faz da fenomenologia transcendental a máquina de guerra de pensamento platônica que ia salvar a cultura europeia. Mas Nietzsche tinha razão quanta a soberania da pulsão de morte (vontade de matar) na história universal. Soberania que o Ocidente tentou esconjurar através da distinção entre pólemos e stásis: paz para cidade-estado e guerra para o exterior. No entanto, pólemos se impôs como lógica política no espaço europeu (agora visto como uma cidade-estado) – na Primeira Guerra Mundial e na Segunda – como lógica da pulsão de morte (uso da violência sem limite ou lei) agenciada pelas frações da oligarquia financeira internacional em luta. Isso gerou um banho de sangue apocalíptico – através dos Estados-nação-  que devorou dezenas de milhões jovens europeus. Freud ficou chocado e chamou isso de mal-estar da civilização europeia!
Assim, o Ocidente europeu parecia ter chegado ao fim. Mas ele sobreviveu como uma cópia americana do ocidente: os USA. A cópia americanizou do Ocidente (=Europa) ao ponto deste ficar irreconhecível, pois tratava-se de um simulacro de simulação do Ocidente. Mas tudo parecia continuar o choque entre o Ocidente (USA) e o Oriente agora marxista (URSS, China). A guerra do Vietnã foi o maior choque traumático orientalista para o Ocidente americanizado. No entanto, o fim da URSS apareceu como a vitória definitiva do Ocidente americanizado sobre o Oriente marxista suplementada pelo globalismo neoliberal. Tratava-se do apogeu do Ocidente, simulacro de Ocidente! Depois, os USA deixaram de ser a única superpotência da política mundial e o globalismo neoliberal entrou em crise. Na Europa e nos EUA, a cultura política totalitária desbancou o individualismo liberal como artefato simbólico no mundo-da-vida e na política strictu sensu. O colapso do modelo oligarquia política híbrida é questão de tempo! Finalmente chegamos no Obama máquina de guerra terrorista-drone em combate com o Oriente (Islã Político), na máquina de guerra criptonazista e antissemita declarada Viktor Orbán e Marine Le Pen: a nanomáquina de guerra totalitária francesa arrependida em Nome do Pai. Enfim, o Ocidente se autoaniquila e sobrevive apenas nos espasmos cadavéricos da cultura europeia mergulhada em um narcisismo infinito. O narcisismo é um recurso evolutivo da história universal que na atualidade funciona na história cultural mundial como um modo de denegação cultural de um fenômeno: o Ocidente é o cadáver que chora lágrimas de cristais!        
                           
HEGEL/MARX/LENIN
Esta postagem é uma leitura de Hegel pela física das máquinas de guerra a partir do livro “Política e Liberdade em Hegel”, de Denis L. Rosenfield. Nós precisamos urgente começar a investigar a história intelectual a partir do agir das máquinas de guerra de pensamento na interseção da cultura com a cultura política, tendo presente que a história intelectual e a história do acontecimento guardam sempre uma autonomia relativa.
Seja qual for o conceito de crítica em Kant e Fichte, em Hegel e Marx ele existe e funciona como máquina de guerra de pensamento. Em Hegel, a crítica é um artefato (arma) simbólico, motor que decide o futuro do mundo na crítica do que é existente. Esta máquina de guerra de pensamento da Ilustração alemã tem em seu agir a realização do processo de simbolização pela articulação da unidade (totalidade que articula identidade e diferença) entre o pensamento e o pensado. A vontade é uma peça desta máquina de guerra ilustrada que articula-a como vontade ilustrada de uma comunidade de homens livres como motor de uma cultura política moderna. A finalidade desta máquina de guerra moderna é liberar, no presente, o que se encontra voltado para o futuro. O futuro dorme no presente!
“O Capital” de Marx tem como subtítulo “Crítica da Economia Política”. Os marxistas acreditaram em Marx e tomaram a crítica da economia política como o método maior do materialismo histórico. Marx não sabia que havia criada a máquina de guerra de pensamento que repartiria o mundo em dois no século XX? Lenin que é o Calvino dessa história disse que uma lógica verdadeira é sempre uma “Logik in Aktion”. Definição sublime da metamorfose da máquina de guerra de pensamento em máquina de guerra política revolucionária. Assim, Lutero (Marx) e Calvino (Lênin) articularam um mundo histórico sob o dominus da cultura política totalitária do socialismo realmente existente.
Pela lógica hegeliana da história, a vontade da máquina marxo-leninista  teve o direito e o dever de dizer não ( afinal a realidade não é um efeito do dizer?) à facticidade (capitalismo), teve o direito e o dever de transformar o realmente existente, teve o direito de não aceitar o mundo como ele é imposto. Assim, o processo de resultante desse movimento (revolução) surgiu com a diferenciação de uma unidade que se tornou, portanto, o seu próprio outro. O conceito se exteriorizou no processo de universalização de sua própria particularidade. Do mesmo modo que o fato não é nada sem o movimento que o constitui em artefato simbólico, a totalidade só existe pelo processo que produz cada parte como membro do todo e, assim, pelo desdobramento de sua particularidade como universal. Tal processo define a revolução como simbolização das figuras do espírito como liberdade e vontade. Hegel foi o pensador da Ilustração que pensou a simbolização na cultura política moderna como futuro do pensamento livre como vida ética e, inversamente, o reconhecimento da vida ética como livre pensamento. Isso é o fundamento do conceito realista de hegemonia da Ilustração articulado pela máquina de guerra de pensamento hegeliana, pois a confrontação e o diálogo são as formas mesmas da produção do conceito. O Príncipe Moderno de Gramsci, inegavelmente, bebeu sofregamente, nesta fonte. Com efeito, não há uma distância estrutural entre “A Filosofia do Direito” e a “Crítica da Economia Política”?   

CORPORAÇÃO DE OFÍCIO FREUDIANA/SANTO OFÍCIO FREUDIANO
Quando morre um campo de pensamento significa que ele perdeu a força da gravidade conceitual e simbólica. Assim, o conceito torna-se visagem do significante. Ele perde sua força de lei, isto é, sua força simbólica. A alma livre o abandona e, ou a alma ancilar se apossa do corpo conceitual, ou, como na atualidade, torna-se um corpo sem alma que pode ser associado ao corpo sem órgão deleuziano: o capital é um corpo desalmado sem órgão.   
A alma de um campo de pensamento como a do campo freudiano era uma alma livre – até uma determinada fronteira geosimbólica – capaz de fazer voos para além do corpo freudiano como Corporação de Ofício Freudiano: o corpo freudiano sem alma. No estágio atual, a corporação freudiana tornou-se o Santo Ofício Freudiano – o corpo desalmado sem órgão {cultura política freudiana do dinheiro (capital)} - através da transformação do pensamento de Freud em algo da ordem do sagrado, ou melhor, do mito (Totem e Tabu): “talvez ao senhor (Einstein) possa parecer serem nossas uma espécie de mitologia e, no presente caso, mitologia nada agradável. Todas as ciências, porém, não chegam, afinal, a uma espécie de mitologia como esta? Não se pode dizer o mesmo, atualmente, a respeito da sua física?” (Freud. Por que a guerra?: 254). A articulação mitológica do pensamento freudiano pelo Santo Ofício Freudiano é metabolizada por uma cultura política freudiana totalitária, que tem seu território principal na cultura industrial freudiana de massas dos USA. Esta não adora mitos cadavéricos?  
Para começar a discussão sobre o totalitarismo do campo freudiano basta tomar com objeto a episteme freudo-lacaniana. O centro tático epistêmico do pensamento de Freud gira ao redor dos significantes: neurose, perversão e psicose. São as estruturas existenciais a partir das quais todo sujeito é determinado, como demonstrou Alain Juranville no seu excelente “Lacan et la philosophie” (Juranville: 242-276). O discurso do analista seria o artefato simbólico através do qual o determinismo das estruturas existências seria reduzido em sua fácticidade possibilitando o sujeito respirar debaixo do oceano freudiano? O totalitarismo freudiano consiste em transformar tais estruturas existenciais nos únicos psisignificantes universais da história política universal, desde a civilização arcaica. Todas as geoculturas políticas articularam-se (articulam-se) – e foram habitadas - apenas por estes psitipos ideias (estrutura) existenciais? Ou, então, eles são os tipos existenciais de um universo finito freudiano que constitui uma vontade totalitária de imperar sobre todos os campos de pensamento da história universal? O pensamento totalitário é um universo fechado, finito. No entanto, esta episteme finita seguia a lógica empiricista totalitária – reversível – que o Santo Ofício Freudiano transformou em cultura totalitária fáctica. Como isso foi possível?
Lacan é o criador do campo freudiano (ele o nomeou assim), pois ele teceu o pensamento formal freudiano – até a matematização, especialmente lacaniana, do objeto freudiano – que institui a episteme facticamente totalitária. O RSI (Real/Simbólico/Imaginário) é a episteme totalitária que possibilita a conceituação dos quatro discursos para toda a história universal. Trata-se de um enunciado tipicamente totalitário: “só existem quatro discursos”. E segue, a história é constituída apenas pelo discurso; não existe fato, somente artefato etc. O RSI foi uma estratégia lacaniana para colonizar todos os campos de pensamento incluindo as ciências ambientais. Para isso, ele bloqueia a lógica do inconsciente nietzschiano: o inconsciente político como TERRA.  Além disso, ele denega a episteme transdisciplinar ou qualquer significante da tradição ocidental eclética, ou retirado da cultura política sincrética. O totalitarismo lacaniano tem horror ao contraconceito inconsciente político mestiço! O RSI opera como uma episteme disciplinar freudiana cuja vontade se constitui como um reducionismo freudiano dos saberes e dos fenômenos, inclusive do fenômeno político. O totalitarismo lacaniano é um fator que concorre para a impotência e inapetência atual da filosofia? Ele ajudou a desintegra a totalitária divisão do trabalho disciplinar do campo das ciências humanas? Estas se recusaram a substituir o seu totalitarismo disciplinar pelo totalitarismo freudo-lacaniano, mesmo depois de mortas. No século XXI, uns e outros tornam-se cadáveres que falam uma língua morta, ou seja, a luz de uma estrela que já não mais existe! E o campo freudiano tornou-se um resto de Ocidente cadavérico que balbucia na liturgia, na língua sagrada, consagrada freudo-lacaniana, do Santo Ofício Freudiano. Estou condenado a vagar eternamente pelo inferno de Dante por profanar o campo freudiano? Mas não é um campo científico? O confronto e o diálogo não são parte do funcionamento substantivo dele?  

RECONSTUÇÃO DA PSICANÁLISE
Na década de 1960 nos USA, Marcuse ensaiou a formulação de um conceito: totalitarismo freudiano. Na década de 1970 na França, Poulantzas transformou o marxismo ocidental em uma arma demolidora do totalitarismo ocidental capitalista. Para ele, o essencial era usar o marxismo para tecer uma cultura política antitotalitária. Simultaneamente na Alemanha, Habermas concebeu uma nova epistemologia: "reconstrução do materialismo histórico". Não é possível ignorar a natureza antitotalitária deste novo campo marxista. Habermas acreditava que o marxismo reconstruído poderia ser metabolizado pela cultura procedimental. Assim, a ideia de esfera pública ilustrada parece vital para o processo de reflexão/simbolização da política no mundo da vida para os sujeitos que não se constituem como máquina de guerra freudiana. Se o totalitarismo deriva da cultura política freudiana e, simultaneamente, articula as máquinas de guerra, a RECONSTRUÇÃO da psicanálise é um artefato simbólico contratotalitário do século XXI. A reconstrução da psicanálise significa a produção de um campo de pensamento funcionando através de contraconceitos como cultura política freudiana, máquina de guerra freudiana, totalitarismo freudiano e outros. Tais contraconceitos serão desenvolvidos pela análise freudo-lacaniana concreta de uma situação concreta. Este é o único interesse que constitui a vontade espiritual de fundação e desenvolvimento da contraciência freudiana da política.
Isso era o estágio do confronto e do diálogo da física das máquinas de guerra com o campo freudiano até o Santo Ofício Freudiano atacar violentamente o contraconceito máquina de guerra freudiana como fruto de uma imaginação sartreana. Hoje, a física das máquinas de guerra se estabelece como uma contramáquina de guerra de pensamento mestiça (eclética, sincrética) articulada ao inconsciente político mestiço a à contracultura política mestiça. Ela é habita por uma alma livre que só e livre por estar enredada a uma ética mestiça. O objeto/alvo desta contamáquina é o inconsciente ariano e o que deriva dele principalmente o totalitarismo em todas as suas formas e cores étnicas. Assim, a reconstrução do campo freudiano só será possível a partir do agir da contramáquina mestiça de pensamento sobre o arianismo (totalitarismo) dele. A contramáquina de guerra de pensamento mestiça reconstrói o pensamento de Lacan, pois: “é que de ex nihilo nada se cria senão o significante” (Lacan. S. 11: 266). Se a história do inconsciente nietzschiano mestiço é parte da história natural da espécie humana, da biologia, ele não é um significante criada ex nihilo. Este enunciado lacaniano do ex nihilo é apenas a prova que o campo lacaniano não fez a passagem do mito (totalitarismo epistêmico) para a história: história natural da espécie humana.

A VERDADE SOBRE A ECONOMIA BRASILEIRA
A comunidade dos economistas profissionais e universitários quer ter o monopólio sobre o pensamento econômico baseado na ideia axiomática de que a economia só pode ser tratada por cientistas, pois trata-se, em resumo, de ciência econômica. Assim, os USA controlaram o pensamento econômico depois da Segunda Guerra Mundial. No contrafluxo deste totalitarismo economicista norte-americano, o nosso Celso Furtado fez uma junção do pensamento econômico com Freud. Então, é preciso ter clareza que o pensamento econômico não é, em sua totalidade, uma máquina de guerra de pensamento totalitária neoliberal. Se tomarmos o exemplo da Venezuela, a história recente deste país começa com a intervenção na economia de uma máquina de guerra neoliberal modelada pelo Consenso de Washington. Reeleito presidente em fevereiro de 1989, Carlos André Peres baixou um plano de austeridade fiscal que foi duramente contestado pela população venezuelana, especialmente a de Caracas. Tal descontentamento popular ficou conhecido como Caracazo e é tido por muitos como a gênese do fenômeno Hugo Chávez (que soube construir sua liderança política ao longo da década de 1990, canalizando este descontentamento). A máquina de guerra de pensamento neoliberal está na origem do domínio da Venezuela pela máquina de guerra bolivariana-chavista que levou a Venezuela para o abismo com Nicolas Maduro. 
Não sou da comunidade profissional dos economistas, mas escrevi um livro demonstrando que o problema econômico da crise brasileira do século XXI encontra-se no governo Fernando Henrique Cardoso e na adoção do modelo neoliberal autárquico FHC pela era Lula. A guinada para um simulacro de modelo capitalista de Estado - que rompe com o modelo neoliberal a partir de 2008 - só piorou a nossa situação. O modelo-2008 introduziu um elemento que a economia brasileira havia superado desde FHC. Tratou-se de evitar permanentemente o funcionamento da economia pela lógica do caos. Guido Mantega é o mestre econômico stalinista (com doutorado em economia na UNICAMP) que fez a economia brasileira passar a funcionar por um discurso do mestre econômico que transformou a população brasileira em escrava potencialmente dócil ao funcionamento da lógica do caos. Este é o problema fáctico que atormenta a vida brasileira. A população já percebeu que a elite tem na panaceia neoliberal (Consenso de Washington) o remédio para a crise brasileira. Hoje, estaríamos em um espaço-temporal da “Revolta da Vacina” no Rio de Janeiro da República Velha? Joa antigaquim Levy é o nosso Oswaldo Cruz? Ou ele é o nosso Moisés Naim, a máquina de guerra de pensamento neoliberal que instalou (irresponsavelmente)o caos político do Caracazo?     

DA ALMA/CONTRAMÁQUINA DE GUERRA
“Da Alma” é um livro de Aristóteles tão fundamental para o campo da física das máquinas de guerra quanto o “A República” de Platão. Os dois tratam da alma como um significante da cultura filosófica da Antiguidade. Platão definiu a alma associada às práticas como dirigir, governar e deliberar e todas as práticas desse gênero (Ediouro: 47). Assim, a alma pode ser má ou boa. A má dirigi ou governa mal e a boa bem. Aí temos uma diferença entre o modelo universal ocidental de máquina de guerra (tirânica) e o homem. A alma má é a alma da máquina de guerra tirânica. A alma boa é a alma da polis (homem). Estamos longe do psicopata que é uma máquina de guerra em si, isto é, sem alma. A alma é uma categoria que alcança Nietzsche: “A alma aristocrática venera a si mesma”. Em Nietzsche o problema do narcisismo não é um problema simplesmente psicológico, ele só adquire inteligibilidade na relação da elite com a cultura política. A elite aristocrática venera a si própria não como um fato gratuito, vulgar. A veneração de si da alma aristocrática estabelece aquele pathos da distância estrutural entre superior (aristocracia) e inferior (plebe). Mais de uma cultura política articula-se a partir da estrutura narcísica, pois esta é o significante mais potente e universal da história natural da espécie humana. Mas não se trata simplesmente do imaginário lacaniano, em jogo. Teólogo evangélico do século XIX, William Channing escreveu: “O desenvolvimento e a proteção de seres humanos como deuses é o objetivo de todas as instituições sociais. O espírito humano é maior e mais sagrado que o Estado e nunca deve ser sacrificado a ele”. Quando os cristãos diziam que a grandeza da alma era o caminho narcísico mais curto para Deus, eles falavam que a grandeza da alma era o caminho da simbolização que elevava o homem ao campo simbólico. Isso é diferente da sublimação da pulsão de morte na cultura em geral: arte, ciência, religião.
A sublimação acadêmica do século XX tomou a alma (e o espírito) como significantes metafísicos a serem secularizados. Mas eles não o foram por uma física das máquinas de guerra, e sim por inúmeras disciplinas universitárias que foram forjando conceitos como mente, cérebro, aparelho psíquico, subjetividade, consciente e inconsciente freudiano. A secularização dos significantes metafísicos como alma (e espírito) restringiram-no ao espaço da cultura política religiosa. A física das máquinas de guerra está mergulhada, ecleticamente, em uma reconstrução da alma como contraconceito. Mesmo a máquina de guerra psicótica tem alma, mas trata-se da alma má platônica. Trata-se da alma que se define pelo mal governo e pela má direção da comunidade dos homens, mulheres e crianças. A alma da máquina de guerra totalitária não simboliza um caminho para a polis em direção ao campo simbólico da cidade-estado. A lógica dela é privatista, a vontade dela é a de privatizar o Grande Outro: particular como simulacro de universal: “Asi, pues: em un ser vivo (ou na polis), como decimos, es donde primeramente no es posible discernir el gobierno del señor (máquina de guerra) y del hombre de estado; el alma rige el cuerpo (político)con el dominio de un señor (máquina); la inteligencia rigi los apetitos  con una autoridad de jefe político o de rey, y en estos ejemplos resulta evidente que es natural y útil para el cuerpo (político) ser gobernado por el alma (da máquina) , y para las emociones ser gobernadas por el intelecto y la parte del alma que posee la razón (contramáquina), mientras que para ambas partes es, en todos los casos, nocivo hallarse en igualdad de condiciones o en posiciones contrarias” (Aristoteles. Política). Note bem! Trocando máquina por contramáquina, Aristóteles antecipou na cultura política da antiguidade o Príncipe Moderno de Gramsci  e de Maquiavel. O significante da cultura política da antiguidade grega aparece como repetição na cultura Renascentista e na cultura moderna, mas diferente e lúdico. Um mistério que a física pretende desvendar. Há uma homologia com Aristóteles na tradução da ideia de hegemonia hegeliana para a cultura política maquiavélica que Gramsci transformou em uma contramáquina: Príncipe moderno. Em Gramsci o Partido Comunista deveria ser uma contramáquina hegemônica antinômica ao Partido Stalinista: máquina de guerra psicótica. O Príncipe Moderno é a junção Príncipe (= Condottiere ou máquina de guerra maquiavélica) com a modernidade política (hegemonia=Hegel). O Príncipe gramsciano tem como modelo particular o condottiere italiano como contramáquina de guerra voltada para uma finalidade, a saber: a construção da hegemonia no sentido hegeliano. Este conceito de príncipe moderno jamais se tornou um fato da TERRA, do inconsciente político (nietzschiano). Ele permaneceu como uma abstração conceitual marxista. Agora, ele deve ser pensado como um contraconceito da física das máquinas de guerra.

CULTURA RELIGIOSA TOTALITÁRIA NO BRASIL

“Na maioria das vezes, trata-se de casas ligadas à Igrejas Católica ou igrejas evangélicas, onde os próprios dependentes de drogas, em estágio mais avançado de recuperação, conduzem os demais pelo caminho da abstinência do vício. O tratamento, muitas vezes, é baseado na leitura da bíblia e o consumo da droga é creditado à influência de espíritos malignos. Não há um número oficial de quantas dessas instituições existem no Brasil, mas um Censo de 2011 da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) aponta que são cerca de 1.800. Em 2011, 68 delas foram fiscalizadas pelo Conselho Federal de Psicologia, que apontou que a regra nas comunidades visitadas era o tratamento sem recursos terapêuticos, com uso de castigos, torturas e a imposição religiosa”.
“Esse tipo de instituição se tornou o centro das atenções no final de 2011, quando o Governo Dilma Rousseff (PT) lançou o programa “Crack, É Possível Vencer”. Desde então, essas entidades, que não faziam parte da rede de atenção aos dependentes de drogas do Governo federal, passaram a ser financiadas pelo poder público. Em 2013, o Governo Rousseff liberou às entidades 82 milhões de reais. Em 2014, o valor subiu para 99,6 milhões, destinado a 375 entidades, que têm, juntas, 8.300 vagas. Órgãos Estaduais e municipais também as utilizam. O Governo de São Paulo, por exemplo, criou o programa Recomeço, em 2013, uma política baseada na parceria com essas comunidades terapêuticas em que a internação à força de dependentes de droga é permitida”.
As Igrejas e os governos querem fazer o bem para a sociedade? A ética religiosa (secundada pela política de Estado) está fazendo o Bem? Trata-se de uma inscrição destes artefatos (Igreja, Estado) no SIMBÓLICO (=Deus)? Ou é a lógica do Diabo de Goethe: “faço bem e também faço o mal? Talvez não seja melhor falar em JUSTIÇA? No “A República”, o que é a injustiça (e a justiça)? Cometer injustiça é, por natureza, um BEM e sofrê-la uma Mal. A origem da justiça estaria no meio termo entre o maior BEM, que é cometer injustiça sem sofrer castigo, e o maior MAL, que é sofrer injustiça sem poder castigá-la! O campo de concentração não é o avesso deste meio? termo. O nazista comete injustiça sem sofrer castigo (os USA e a Argentina acolheram em massa os nazistas e a Igreja católica os protegeu); o judeu sofre injustiça sem poder castiga-la. O campo de concentração nazista não é o conceito prático (universal concreto) de uma máquina de guerra psicótica totalitária? O sofista Trasímaco concebe (e defende) que a justiça é o BEM de um outro (da elite) e o interesse do mais FORTE (totalitarismo), enquanto a injustiça é conveniente e proveitosa para quem a pratica (a elite como máquina de guerra totalitária), e só prejudicial ao FRACO (a população, em geral): “Trata-se do paradigma no direito ocidental da lógica totalitária. A antipsiquiatria foi um movimento contra a lógica totalitária do campo de concentração para psicóticos. Fiz palestra no abjeto Juliano Moreira. Eu vi com meus próprios olhos como funcionava tal campo de concentração: sinistro. Seu fechamento obedeceu à lógica da batalha contra a cultura política totalitária no mundo-da-vida patrocinada pelo Estado, pelo poder público. Agora o poder político privado (igrejas Católica e Evangélica) financiado pelo poder político público ocupam o lugar do nazista (novamente) e os “dependentes de drogas” o lugar do judeu nesta máquina de guerra freudo-heideggeriana, que é o campo de concentração para “dependentes de drogas”. A comunidade jurídica liberal brasileira não vai intervir neste poder fáctico totalitário? Não chegou a hora de abandonar a tradicional justiça oligárquico-totalitária brasileira colonial (ajudar os amigos, prejudicar os outros=inimigos) por um outro conceito de justiça: “NÃO FAZER O MAL PARA NINGUÉM”! Não é este o tempo de não deixar que a lógica do maior bem (cometer injustiça sem sofrer castigo) regule poderes políticos público e privado? Evitar que tais poderes políticos (privado/público) concorram para instalação da cultura política totalitária no mundo-da-vida brasileiro?     

ANDREASAIRBUS A320
“A revelação de que o copiloto Andreas Lubitz deliberadamente provocou a morte de outras 149 pessoas a bordo do Airbus A320-211 da Germanwings, braço da Lufthansa, autoriza pesadelos e dúvidas: é certo confiar tantas vidas ao comandante a seu parceiro na cabine”. Sim, mas os fatores humanos são essenciais para segurança de voo e devem merecer os mesmos cuidados dispensados às tecnologias” (VEJA. 01/abril/2015: 69).
A VEJA “pensa” a partir do contraponto humano/máquina. Isso é muito útil juridicamente para a Germanwings, pois ela não será responsabilidade pela falha humana. VEJA é uma revista capitalista e a defesa da empresa capitalista submete a lógica desse jornalismo à cultura política do dinheiro. No entanto na televisão, um psicanalista iniciou uma discussão de que existe o campo humano e o campo da máquina que não é tecnológica, da máquina “humana. Nesta os indivíduos podem ser parte dela como um mecanismo no mínimo neural. Assim, o problema seria o seguinte: quem (ou o quê) estava pilotando o avião em um voo catastrófico em direção à terra?
O psicanalista identificou o copiloto como portador de um quadro crônico depressivo psicótico. O psicótico é um tipo existencial (humano) tratado pela comunidade dos neuróticos como uma ameaça potencial à comunidade dos neuróticos. Freud deixou páginas, ao longo de sua obra, associando violência física e psicose. Freud se orgulhava de ser um neurótico leve. A cultura industrial de massas dos USA ganhou e tem ganhado muito dinheiro com esta ideia da vulgata freudiana. O jornalismo dominado pelas comunidades de neuróticos se mobilizou para mais uma vez transformar o psicótico em objeto da violência simbólica dos neuróticos. Agora vamos aos fatos!
O maior desejo do copiloto era virar piloto: comandante da espaçonave.  Este desejo parecia cada vez mais difícil de se realizar devido ao conflito da depressão de Andreas com a cultura autocrática (totalitária) que rege a aviação, em geral, e a aviação civil capitalista, em particular. Então, ele podia ser copiloto, mas não o capitão do navio. O desejo de Andreas - vivido na cultura autocrática – como único desejo que articulava o sentido de sua da vida, se constituiu, finalmente, como uma vontade de derrubar o Airbus. Fator humano? A cultura política totalitária articula seres humanos enquanto máquina de guerra na história universal desde a civilização arcaica. Assim, neuróticos, perversos e psicóticos têm sido articulados como máquina de guerra psicótica. Assim, mantemos a ideia de Freud de que o neurótico também pode se constituir em máquina de guerra psicótica. Não é uma coincidência atroz para os psicóticos, Andreas ser um psicótico? E se fosse um perverso? No caso do psicótico, os psi sacam logo a ideia de que ele estava delirantemente se sentido perseguido pela empresa. No caso do perverso eles não encontrariam explicação na vulgata freudiana. Não pode ser neurótico, pois um neurótico jamais cometeria uma violência desse tipo. Só poderia ser um psicótico, então!
A passagem ao ato do humano para a máquina de guerra terrorista (uso da violência sem limite) pode muito bem ser entendida. O ato de Andreas-máquina teve um sentido muito claro. Uma única vez, ele foi o capitão da espaçonave, pois decidiu sobre o destino final dela: o choque com a TERRA. Mas não se tratou de uma decisão racional, calculista. A nanomáquina de guerra-andreas foi constituída como vontade de matar (Nietzsche) a partir de sua integração simbólica ao inconsciente político ariano. Este sempre esteve associado ao discurso do mestre que articula cultura política totalitária que se define pela realização da satisfação da pulsão de morte por máquinas de guerra, em geral, terrorista. Só um estudo sério poderia descobrir quando Andreas se tornou a nanomáquina-andreas terrorista. A finalidade do ataque desta foi o uso da violência física sobre os passageiros para gerar a violência simbólica sem limite contra os usuários de avião comercial em todo o planeta. Essa violência simbólica só existe graças a transformação da morte de 149 pessoas a bordo em espetáculo, durante 24 horas por dia_Transformação da morte em artefato imaginário-simbólico da cultura industrial de massas “ocidental”. O sentido do ato da nanomáquina era gerar um choque simbólico em uma dimensão específica do Imaginário mundial através da sociedade do espetáculo. Teve êxito? Até quando a sociedade do espetáculo vai propiciar o gozo necrófilo dos espectadores ao redor do planeta? Afinal para ela isso é apenas uma mercadoria, a morte pilotada pela lógica da mercadoria!      
CONTRAMÁQUINA DE PENSAMENTO MESTIÇA/MULTIDÃO
 A história intelectual brasileira é digna de ser narrada? Inquestionavelmente, jamais intelectuais brasileiras criaram um campo epistêmico próprio para o estudo da história do Brasil e, por conseguinte, da América Latina. Sempre estivemos submetidos às revoluções epistêmicas europeias. No entanto, isso não é inteiramente verdade. Euclides da Cunha, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, a sociologia da USP do século XX, Celso Furtado e muitos outros intelectuais nativos se dedicaram a criar o terreno para a construção de uma episteme brasileira.
O caso de Luís Pereira merece ser lembrado. Vindo da sociologia eclética marxista da USP (o ecletismo é uma janela para o pensamento contratotalitário), já acossado por uma doença incurável foi estudar na França para se converte ao marxismo estruturalista althusseriano, especializando-se no pensamento de Nicos Poulantzas. Esta conversão resultou em um livro de crítica à ciência política   marxista da USP que monopolizava o campo dos problemas que orientava a historiografia brasileira. A explicação da Revolução de 1930 e dos fenômenos políticos gerados por esta revolução, como por exemplo, o Estado de compromisso 91930-1964) eram parte de tal monopólio. Hoje, os alunos de ciências sociais não se interessam pela história em si ou pela história intelectual do país. Quem perde? A sociologia da USP foi um artefato simbólico que articulado a uma determinada cultura política chegou ao poder nacional com Fernando Henrique Cardoso. Não foi um acaso. Ela é o motor da constituição, entre nós, do modelo oligarquia política híbrida (um modelo estéril que não pode gerar uma saída para crise brasileira atual) e do modelo neoliberalismo autárquico, que entrou em colapso em 2008. Assim como Luís Pereira não começou no Brasil o desenvolvimento intelectual de uma cultura contratotalitária marxista– como o fez Poulantzas na França -, FHC não começou a revolução cultural na política (afinal ele esteve no poder durante 12 anos) capaz de transformar o espaço político brasileiro. Desde o Brasil colonial, este espaço foi articulado pela interseção da lógica do simulacro liberal introduzida pelo Marquês de Pombal com a cultura totalitária substantiva secundada pela cultura oligárquica. A pergunta é a seguinte: não precisamos retomar o pensamento político mestiço de Euclides da Cunha, de Mário de Andrade, de Oswald de Andrade e Gilberto Freyre? Tal pensamento não está associada às revoluções e revoltas – como Canudos – que metabolizaram uma cultura política mestiça no mundo-da-vida brasileira? O estudo das revoluções e revoltas pela física das máquinas de guerra – que se estabelece a partir de uma episteme para integrar o Brasil e a América Latina à história política universal – não pode ser importante para articular contramáquina de pensamento mestiço, multidão e inconsciente político mestiço? Realmente, não há saída no horizonte da crise brasileira? Não podemos estar, finalmente, na antessala da revolução contratotalitária no país? Ou vamos perder mais uma vez o bonde da história como diziam os meus amigos do PCB?    
QUE AS CEM FLORES DESABROCHEM!
O livro de Bruno Latour “Jamais fomos modernos” é da década de 1990. O deseja da dialética maoísta parece pilotar o ensaio: que cem flores desabrochem. Latour fala de cem conceitos de modernidade, ou ele queria mais, ainda? Vocábulos como moderno, modernidade e modernização já não são usados corriqueiramente na linguagem política do século XXI. Ninguém quer ser moderno, nenhum país vê na modernidade ou na modernização a solução para a sua crise. O Brasil não vê na modernidade a saída para a sua crise do século XXI. No apagar da linguagem política moderna, outra linguagem está sendo tecida? Ou linguagens-fantasma do passado ocupam o vazio da linguagem moderna?
Uma definição de modernidade se dissolveu no ar como fato. Trata-se da definição que era a junção do desejo de emancipação de todo despotismo (Hegel falou sobre o fim da história sob domínio do discurso do mestre) com, através da ciência, o domínio absoluto sobre a natureza. O marxismo foi moderno neste sentido e hoje a juventude continua acreditando nele. Trata-se do marxismo-fantasma que preenche o vazio do fim da modernidade.
Em seu complexo conceito de modernidade lunar, Latour diz que a modernidade é a denegação de um fenômeno avassalador: os híbridos. Só a episteme das redes sóciotécnicas pode descortinar este mundo recalcado no inconsciente político da modernidade. “As redes são ao mesmo tempo reais (fácticas) como a natureza, narradas como o discurso, coletivas como a sociedade”. Ela articula-se três conjuntos ontológicos; fatos, poder e discursos. Como junção do sujeito com o objeto, natureza e cultura, o híbrido acaba, de fato, com a lógica moderna da autonomia absoluta entre as três dimensões (variedades) ontológicas. Por isso: “jamais fomos modernos”. O híbrido cria uma identidade absoluta entre as três variedades ontológicas: fato, poder, discurso. Assim, ele torna-se o significante que vai sobredeterminar a cadeia de significantes da política mundial e talvez da história política universal. Ao definir a modernidade como um conceito totalitário voltado para apagar da história os híbridos, Latour substitui tal conceito pelo conceito totalitário de rede sóciotécnica híbrida. Isso porque ele não consegue pensar que um conceito não-totalitário de modernidade precisa manter a distinção entre as dimensões ontológicas supracitadas assegurando na prática a autonomia relativa entre natureza (fato), política (poder) e sociedade (discurso). Em um conceito antitotalitário latourniano, o discurso faria o laço social entre as três variedades ontológicas existentes especificamente através da autonomia relativa. Mas é preciso subjetivar – para seguir adiante no processo de simbolização para a tessitura de uma nova linguagem política – o apagar da luz dos significantes como fato, poder e sociedade, que desarticula três campos de saber: historiografia tradicional e moderna, ciência política universitária ou foucaultiana e a sociologia moderna. Enfim, o livro ainda suscita uma boa discussão! 

MAX WEBER: uma flor de lótus moderna?   
O conceito de modernidade pode jogar com a fluidez, com a impermanência, com a inconsistência e está baseado na lógica da purificação. Mas o conceito de modernidade de Weber define bem a sua fronteira transdisciplinar, a sua consistência, a sua permanência. Weber acreditava que a burocracia moderna era indestrutível e sobreviveria em um modelo político futuro na junção do oriental-Egito da civilização arcaica. Há uma homologia entre a burocracia privada (empresa capitalista) e a burocracia pública (Estado moderno). Há uma autonomia relativa entre o público e o privado, não há uma autonomia absoluta como quer a modernidade totalitária que busca assim a pureza do público e do privado. No século XX, articulou-se a junção do público com o privado no capitalismo de Estado. Isso para Weber era um outro caminho da cultura política totalitária moderna.  
Uma rede de significantes sobredeterminada pelo significante burocracia racional faz a modernidade ex-sistir e funcionar fácticamente pela lógica racional-burocrática: empresa capitalista, funcionário profissional, direito moderno, máquina sem alma, técnica moderna, cultura totalitária (Espírito hierárquico centralista), Estado moderno e, finalmente, burocracia moderna.
A burocracia moderna define o Estado moderno como administração institucional política, ou seja, como instituição política. A diferença entre a administração em si (quadro administrativo) e a burocracia racional (administração política institucional moderna) se define pelo uso da violência. Na primeira, trata-se do uso da violência sem limite; na segunda, a violência tem que ser legítima, ou seja, inibida em sua finalidade (violência sem limite) pelo direito.
O conceito em Weber é um tipo ideal. Ele não existe na história e na geografia, a não se raramente. Então, ele adquire a consistência de um contraconceito. Ele aparece como um   geostóricosignificante. Ele ex-siste historicamente em um determinado território geográfico. Que só pode exitir uma  religião. Assim é possível dizer, com certa tranquilidade, que o Estado moderno existiu (existe ainda?) na Europa ocidental. E dizer que ele jamais existiu na América Latina. Nesta, ele ex-sistiu como um simulacro de Estado moderno que tem como espelho a linguagem do pensamento político liberal da comunidade jurídica.s cristãos
O que fazer com isso?                                                                                                          
                                                                           
CRISTIANISMO/NIETZSCHE
A cultura cristã em si não materializa o elemento universalista (totalitário) de que só existe um Deus e, portanto, só pode existir uma religião sobre a terra. Esse elemento universalista não faz a passagem para o ato simbólico na cultura religiosa no início do cristianismo primitivo. A literatura primitiva cristã se dirigia apenas à comunidade cristã. A perseguição do Império Romano aos cristãos foi o motor inicial que articulou o cristianismo como uma cultura religiosa no século II como corpo literário através do qual os cristãos falavam à maioria da população pagã em sus própria defesa. Mas esta cultura cristã como coro polifônico não podia, na sua apologia, defender a ideia de religião universal. Assim, tal cultura religiosa era defendida como paideia (cultura letrada superior). Ela se dirige a maioria letrada, educada, inclusive aos governantes do Império Romano. A forma da sua difusão não é a eloquência cristã, mas o espírito filosófico. Os cristãos necessitavam se defender contra a acusação de canibalismo declarado porque, na eucaristia, comiam a carne e bebiam o sangue de Deus.  Eram designados como ateus, pois não adoravam os deuses do Estado. Negavam honra divina ao próprio imperador, ou seja, o ateísmo cristão era visto como rebelião política cultural. A cultura política cristã tem como motor a cultura política totalitária romana. Tácito encarava os cristãos como um setor politicamente fanático do povo judeu à frente da rebelião contra os suseranos romanos, que terminará com a destruição de Jerusalém sob Tito. Filósofo estoico imperador, Marco Aurélio tinha horror a entusiástica vontade grotesca cristã de sofrer a morte através dos animais selvagens no Coliseu. Nesta linha de força cristã surge uma máquina de guerra grotesca aterradora e arrebatadora. Trata-se de uma máquina de guerra que se adequa ao conceito de grotesco, de Wolfgang Kayser, pois ela gera o horror no inimigo.
Nietzsche pode ter partido deste ato cristão de martírio grotesco no seu “Anticristo”? Como o maior físico das máquinas de guerra da era moderna, ele reconstruiu os significantes bom, mau e felicidade. Bom é tudo que aumenta o poder da máquina de guerra aristocrática, o sentimento do poder, a vontade para o poder, o próprio poder. Mau é tudo quanto aumenta a fraqueza. Felicidade é o sentimento com que o poder se engrandece, com que se vence uma resistência. “Não contentamos, senão mais poder; não paz antes de tudo, senão guerra”. O cristianismo é o hiper-vício, ele é o vício mais vicioso que o próprio conceito de vício. Mas Nietzsche admite que o cristão é “a besta doméstica, a besta de rebanho, a enferma besta humana”. Besta é o significante que designava para a cultura grega da Antiguidade (Platão, Aristóteles) uma Coisa que parece animal, mas não é animal. Tratava-se claro da máquina de guerra bárbara. Assim, Nietzsche admite que o cristão é uma máquina de guerra que volta a violência sem limite sobre o corpo do cristianismo. Mas a finalidade não é o suicídio da comunidade cristã. Aplicar a força sobre si significa o uso de violência física em um sentido de violência simbólica (e também de violência simbólica pura) para gerar uma Igreja universal. A violência simbólica aplicada sobre si – sobre o partido -  é a lógica que Lenin usou para fazer a auto-reconstrução (teórico-prática)  permanente do partido bolchevique – como máquina de guerra política marxista - até o golpe de Estado que iniciou a Revolução Russa. Além disso, nenhum campo de pensamento se desenvolve a não ser aplicando violência simbólica sobre si próprio em um trabalho permanente de auto-reconstrução das redes de contraconceitos que o faz existir e funcionar.        

CHARLES DICKENS/MARX
Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da descrença, foi a estação da Luz, a estação das Trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós, íamos todos diretos para o Paraíso, íamos todos direto no sentido contrário – em suma, o período era em tal medida semelhante ao presente que algumas de suas mais ruidosas autoridades insistiram em seu recebimento, para o bem ou para o mal, apenas no grau superlativo de comparação” ( “Um Conto de duas Cidades”)
O primeiro romance que li, aos treze anos, foi o “Tempo e o Ventos” de Érico Veríssimo. Fiquei tão maravilhado que nunca mais parei de ler romances. Hoje sei porque fui arrebatado por ele. Além de ser o nosso “Guerra e Paz”, e em função dessa dialética (guerra e paz), a temática dele fala, com muita competência, da máquina de guerra universal. No momento estou me preparando para transformá-lo em um objeto do campo da física das máquinas de guerra.
Mas o parágrafo acima   que começa o romance de Dickens fala de um tempo que é humano? Na física da máquina de guerras, as máquinas de guerra são o dominus da história universal política natural sobre homens, mulheres e crianças desde o tempo da civilização arcaica. O tempo de Dickens parece ser humano (esperança, Paraíso, Inferno) do homem e da máquina de guerra. A antiguidade greco-romana inventou o homem a semelhança da polis (cidade-estado); polis=cidade=homem. Isso só foi possível pela articulação do humano pela ética da cidade, ética do homem. A máquina de guerra é articulável por alguma espécie de ética? Na ética do homem, a razão antiga ou moderna deve ser o dominus do campo da pulsão de morte e do campo dos afetos. Então é possível começar a investigar o Homem pelo funcionamento da ética aristotélica (Ética a Nicômacos) ou pela ética da razão prática (ética kantiana) nas culturas políticas da antiguidade e da modernidade. Freud estabeleceu a ética do humano, pois essa só é possível de ser lida na história da psicologia do indivíduo a partir da existência do inconsciente freudiano. Mas Lacan fez o campo freudiano deslizar para a cultura política ao falar de um tempo no qual a ética do desejo seria o dominus, sem a abertura de todas as comportas. Ele estava pensando no incesto? Em Aristóteles e Platão, determinados desejos bestiais (incesto, canibalismo, parricídio etc.) transformam o humano em besta, e impossibilitam a articulação do homem. A besta era o nome pelo qual eles designavam o bárbaro. Hoje sabemos que eles estavam estabelecendo a dialética homem (grego-civilizado-ocidental) versus máquina de guerra (bárbara, oriental) para além do humano.

Quando li o Um Conto de duas Cidades, eu vivia sob o dominus de uma visão de mundo marxista. Mesmo sendo uma visão modelada pelo “Guerra Civil em França (visão anarco-marxista; vejam bem não confundi-lo com o abjeto narco-marxismo), esse marxismo me fez interpretar o romance de Dickens como uma obra contrarrevolucionária. Eu ainda não tinha conhecimento da interpretação da Revolução Francesa de François Furet. Hoje mergulhado no campo da física, leio Dickens como um romance sobre humanos, homem e máquinas de guerra. Nele o homem aparece como parte do tempo da sabedoria, da sensatez, da época da Luz. É particularmente impressionante o modo ficcional da transformação da população em multidão revolucionária e desta em uma máquina de guerra grotesca. Com Dickens, a literatura inglesa é integrada - como cultura intelectual - à cultura política universal através do inconsciente político literário ocidental. Marx concebeu o contraconceito tragédia histórica no “18 Brumário”. Assim, a estética tornou-se constitutiva da cultura política e da política in nuce. Com Marx, a ficção deixou de ser um monopólio da CORPORAÇÃO DE OFÍCIO DAS LETRAS (monopólio sagrado da literatura) para se transformar em algo constitutivo da história. Esse contraconceito de estética não é estratégico para pensar o campo da física das máquinas de guerra? A máquina de guerra pode não precisar da ética na sua articulação. Mas ela não se articula sem a estética. A estética (a ficção) é constitutiva da máquina de guerra. Não existe uma estética grotesca da multidão-máquina de guerra revolucionária no “Um Conto de duas Cidades”?                                                         

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