O OCIDENTE É UM CADÁVER QUE CHORA?
“A República” de Platão é uma obra de um filósofo e de um
físico das máquinas de guerra. A filosofia política de Platão não é filosofia,
mas, sobretudo, física das máquinas. Platão criou a partir da cultura oral de
Sócrates a dialética episteme versus doxa. A episteme significa máquina de
guerra de pensamento platônica e a doxa máquina de guerra sofista. A episteme
articula “A República” de Platão como o nascimento de uma estrela: o Ocidente
como máquina de guerra política-cultural contra o Oriente. Derrida mostrou como
Pólemos (guerra externa) e stásis (
discórdia=luta política) criaram a fronteira entre a polis e o mundo bárbaro (oriental).
A polis é o lugar da paz, pois nela, o homem busca a felicidade. Aristóteles
foi categórico sobre esta questão: “E pensamos que a felicidade depende do
lazer, pois trabalhamos para ter direito ao lazer, como fazemos a guerra para
poder viver em paz”.
O Ocidente é a junção da cultura greco-romana com a cultura
política greco-romana que tem sua forma mais acabada na Roma res publicana.
Esta inventou a hegemonia como articulação da cultura com a política
metabolizando os artefatos simbólicos da cultura grega. Hegemonia significa a
luta cultural na superfície política do mundo-da-vida que evita a instauração
do reino das máquinas de guerra na política strictu sensu. O Império romano
significou a desintegração da hegemonia res publicana e sua substituição pelo discurso do mestre
cesarista que articulou a cultura política totalitária imperial como dominus do
inconsciente político romano. Mas não devemos nos perder nos meandros da
história romana. Pois, o fundamental é que o choque político com o Oriente definiu
o Ocidente como máquina de guerra imperial em constante batalha para se
autodefender ou tonar-se imperialista em relação ao Oriente. A história
política universal nasceu no Oriente; o Urstaat nasceu oriental
(arquétipo-máquina de guerra das máquinas de guerra) e o mundo greco-romano foi
um ponto de inflexão na história universal. No livro “Filosofia da história”,
Hegel quer provar que a história universal é ocidental. Hegel é a máquina de
guerra de pensamento platônica moderna que retoma a dialética Ocidente versus
Oriente no século XIX pela negação do Oriente como parte positiva e autônoma da
história universal. Na idade Média, as Cruzadas foram apenas o sintoma deste
choque quase permanente entre Ocidente e Oriente.
O livro “A crise das ciências europeias e a fenomenologia
transcendental” anunciou o fim do Ocidente no território da cultura mundial.
Husserl faz da fenomenologia transcendental a máquina de guerra de pensamento platônica
que ia salvar a cultura europeia. Mas Nietzsche tinha razão quanta a soberania
da pulsão de morte (vontade de matar) na história universal. Soberania que o
Ocidente tentou esconjurar através da distinção entre pólemos e stásis: paz
para cidade-estado e guerra para o exterior. No entanto, pólemos se impôs como
lógica política no espaço europeu (agora visto como uma cidade-estado) – na
Primeira Guerra Mundial e na Segunda – como lógica da pulsão de morte (uso da
violência sem limite ou lei) agenciada pelas frações da oligarquia financeira internacional
em luta. Isso gerou um banho de sangue apocalíptico – através dos
Estados-nação- que devorou dezenas de
milhões jovens europeus. Freud ficou chocado e chamou isso de mal-estar da
civilização europeia!
Assim, o Ocidente europeu parecia ter chegado ao fim. Mas
ele sobreviveu como uma cópia americana do ocidente: os USA. A cópia
americanizou do Ocidente (=Europa) ao ponto deste ficar irreconhecível, pois
tratava-se de um simulacro de simulação do Ocidente. Mas tudo parecia continuar
o choque entre o Ocidente (USA) e o Oriente agora marxista (URSS, China). A
guerra do Vietnã foi o maior choque traumático orientalista para o Ocidente
americanizado. No entanto, o fim da URSS apareceu como a vitória definitiva do
Ocidente americanizado sobre o Oriente marxista suplementada pelo globalismo
neoliberal. Tratava-se do apogeu do Ocidente, simulacro de Ocidente! Depois, os
USA deixaram de ser a única superpotência da política mundial e o globalismo
neoliberal entrou em crise. Na Europa e nos EUA, a cultura política totalitária
desbancou o individualismo liberal como artefato simbólico no mundo-da-vida e
na política strictu sensu. O colapso do modelo oligarquia política híbrida é
questão de tempo! Finalmente chegamos no Obama máquina de guerra
terrorista-drone em combate com o Oriente (Islã Político), na máquina de guerra
criptonazista e antissemita declarada Viktor Orbán e Marine Le Pen: a
nanomáquina de guerra totalitária francesa arrependida em Nome do Pai. Enfim, o
Ocidente se autoaniquila e sobrevive apenas nos espasmos cadavéricos da cultura
europeia mergulhada em um narcisismo infinito. O narcisismo é um recurso
evolutivo da história universal que na atualidade funciona na história cultural
mundial como um modo de denegação cultural de um fenômeno: o Ocidente é o
cadáver que chora lágrimas de cristais!
HEGEL/MARX/LENIN
Esta postagem é uma leitura de Hegel pela física das
máquinas de guerra a partir do livro “Política e Liberdade em Hegel”, de Denis
L. Rosenfield. Nós precisamos urgente começar a investigar a história
intelectual a partir do agir das máquinas de guerra de pensamento na interseção
da cultura com a cultura política, tendo presente que a história intelectual e
a história do acontecimento guardam sempre uma autonomia relativa.
Seja qual for o conceito de crítica em Kant e Fichte, em
Hegel e Marx ele existe e funciona como máquina de guerra de pensamento. Em
Hegel, a crítica é um artefato (arma) simbólico, motor que decide o futuro do
mundo na crítica do que é existente. Esta máquina de guerra de pensamento da
Ilustração alemã tem em seu agir a realização do processo de simbolização pela
articulação da unidade (totalidade que articula identidade e diferença) entre o
pensamento e o pensado. A vontade é uma peça desta máquina de guerra ilustrada
que articula-a como vontade ilustrada de uma comunidade de homens livres como
motor de uma cultura política moderna. A finalidade desta máquina de guerra
moderna é liberar, no presente, o que se encontra voltado para o futuro. O
futuro dorme no presente!
“O Capital” de Marx tem como subtítulo “Crítica da Economia
Política”. Os marxistas acreditaram em Marx e tomaram a crítica da economia
política como o método maior do materialismo histórico. Marx não sabia que
havia criada a máquina de guerra de pensamento que repartiria o mundo em dois
no século XX? Lenin que é o Calvino dessa história disse que uma lógica
verdadeira é sempre uma “Logik in Aktion”. Definição sublime da metamorfose da
máquina de guerra de pensamento em máquina de guerra política revolucionária.
Assim, Lutero (Marx) e Calvino (Lênin) articularam um mundo histórico sob o
dominus da cultura política totalitária do socialismo realmente existente.
Pela lógica hegeliana da história, a vontade da máquina
marxo-leninista teve o direito e o dever
de dizer não ( afinal a realidade não é um efeito do dizer?) à facticidade
(capitalismo), teve o direito e o dever de transformar o realmente existente,
teve o direito de não aceitar o mundo como ele é imposto. Assim, o processo de
resultante desse movimento (revolução) surgiu com a diferenciação de uma
unidade que se tornou, portanto, o seu próprio outro. O conceito se
exteriorizou no processo de universalização de sua própria particularidade. Do
mesmo modo que o fato não é nada sem o movimento que o constitui em artefato
simbólico, a totalidade só existe pelo processo que produz cada parte como
membro do todo e, assim, pelo desdobramento de sua particularidade como
universal. Tal processo define a revolução como simbolização das figuras do
espírito como liberdade e vontade. Hegel foi o pensador da Ilustração que
pensou a simbolização na cultura política moderna como futuro do pensamento
livre como vida ética e, inversamente, o reconhecimento da vida ética como
livre pensamento. Isso é o fundamento do conceito realista de hegemonia da
Ilustração articulado pela máquina de guerra de pensamento hegeliana, pois a
confrontação e o diálogo são as formas mesmas da produção do conceito. O
Príncipe Moderno de Gramsci, inegavelmente, bebeu sofregamente, nesta fonte.
Com efeito, não há uma distância estrutural entre “A Filosofia do Direito” e a
“Crítica da Economia Política”?
CORPORAÇÃO DE OFÍCIO FREUDIANA/SANTO OFÍCIO FREUDIANO
Quando morre um campo de pensamento significa que ele perdeu
a força da gravidade conceitual e simbólica. Assim, o conceito torna-se visagem
do significante. Ele perde sua força de lei, isto é, sua força simbólica. A
alma livre o abandona e, ou a alma ancilar se apossa do corpo conceitual, ou,
como na atualidade, torna-se um corpo sem alma que pode ser associado ao corpo
sem órgão deleuziano: o capital é um corpo desalmado sem órgão.
A alma de um campo de pensamento como a do campo freudiano
era uma alma livre – até uma determinada fronteira geosimbólica – capaz de
fazer voos para além do corpo freudiano como Corporação de Ofício Freudiano: o
corpo freudiano sem alma. No estágio atual, a corporação freudiana tornou-se o
Santo Ofício Freudiano – o corpo desalmado sem órgão {cultura política
freudiana do dinheiro (capital)} - através da transformação do pensamento de
Freud em algo da ordem do sagrado, ou melhor, do mito (Totem e Tabu): “talvez
ao senhor (Einstein) possa parecer serem nossas uma espécie de mitologia e, no
presente caso, mitologia nada agradável. Todas as ciências, porém, não chegam,
afinal, a uma espécie de mitologia como esta? Não se pode dizer o mesmo,
atualmente, a respeito da sua física?” (Freud. Por que a guerra?: 254). A
articulação mitológica do pensamento freudiano pelo Santo Ofício Freudiano é
metabolizada por uma cultura política freudiana totalitária, que tem seu
território principal na cultura industrial freudiana de massas dos USA. Esta não
adora mitos cadavéricos?
Para começar a discussão sobre o totalitarismo do campo
freudiano basta tomar com objeto a episteme freudo-lacaniana. O centro tático
epistêmico do pensamento de Freud gira ao redor dos significantes: neurose,
perversão e psicose. São as estruturas existenciais a partir das quais todo
sujeito é determinado, como demonstrou Alain Juranville no seu excelente “Lacan
et la philosophie” (Juranville: 242-276). O discurso do analista seria o
artefato simbólico através do qual o determinismo das estruturas existências
seria reduzido em sua fácticidade possibilitando o sujeito respirar debaixo do
oceano freudiano? O totalitarismo freudiano consiste em transformar tais
estruturas existenciais nos únicos psisignificantes universais da história
política universal, desde a civilização arcaica. Todas as geoculturas políticas
articularam-se (articulam-se) – e foram habitadas - apenas por estes psitipos
ideias (estrutura) existenciais? Ou, então, eles são os tipos existenciais de
um universo finito freudiano que constitui uma vontade totalitária de imperar
sobre todos os campos de pensamento da história universal? O pensamento
totalitário é um universo fechado, finito. No entanto, esta episteme finita seguia
a lógica empiricista totalitária – reversível – que o Santo Ofício Freudiano
transformou em cultura totalitária fáctica. Como isso foi possível?
Lacan é o criador do campo freudiano (ele o nomeou assim),
pois ele teceu o pensamento formal freudiano – até a matematização,
especialmente lacaniana, do objeto freudiano – que institui a episteme facticamente
totalitária. O RSI (Real/Simbólico/Imaginário) é a episteme totalitária que possibilita
a conceituação dos quatro discursos para toda a história universal. Trata-se de
um enunciado tipicamente totalitário: “só existem quatro discursos”. E segue, a
história é constituída apenas pelo discurso; não existe fato, somente artefato
etc. O RSI foi uma estratégia lacaniana para colonizar todos os campos de
pensamento incluindo as ciências ambientais. Para isso, ele bloqueia a lógica
do inconsciente nietzschiano: o inconsciente político como TERRA. Além disso, ele denega a episteme
transdisciplinar ou qualquer significante da tradição ocidental eclética, ou
retirado da cultura política sincrética. O totalitarismo lacaniano tem horror
ao contraconceito inconsciente político mestiço! O RSI opera como uma episteme
disciplinar freudiana cuja vontade se constitui como um reducionismo freudiano
dos saberes e dos fenômenos, inclusive do fenômeno político. O totalitarismo
lacaniano é um fator que concorre para a impotência e inapetência atual da
filosofia? Ele ajudou a desintegra a totalitária divisão do trabalho
disciplinar do campo das ciências humanas? Estas se recusaram a substituir o
seu totalitarismo disciplinar pelo totalitarismo freudo-lacaniano, mesmo depois
de mortas. No século XXI, uns e outros tornam-se cadáveres que falam uma língua
morta, ou seja, a luz de uma estrela que já não mais existe! E o campo
freudiano tornou-se um resto de Ocidente cadavérico que balbucia na liturgia, na
língua sagrada, consagrada freudo-lacaniana, do Santo Ofício Freudiano. Estou
condenado a vagar eternamente pelo inferno de Dante por profanar o campo
freudiano? Mas não é um campo científico? O confronto e o diálogo não são parte
do funcionamento substantivo dele?
RECONSTUÇÃO DA PSICANÁLISE
Na década de 1960 nos USA, Marcuse ensaiou a formulação de
um conceito: totalitarismo freudiano. Na década de 1970 na França, Poulantzas
transformou o marxismo ocidental em uma arma demolidora do totalitarismo
ocidental capitalista. Para ele, o essencial era usar o marxismo para tecer uma
cultura política antitotalitária. Simultaneamente na Alemanha, Habermas
concebeu uma nova epistemologia: "reconstrução do materialismo
histórico". Não é possível ignorar a natureza antitotalitária deste novo
campo marxista. Habermas acreditava que o marxismo reconstruído poderia ser
metabolizado pela cultura procedimental. Assim, a ideia de esfera pública
ilustrada parece vital para o processo de reflexão/simbolização da política no
mundo da vida para os sujeitos que não se constituem como máquina de guerra
freudiana. Se o totalitarismo deriva da cultura política freudiana e,
simultaneamente, articula as máquinas de guerra, a RECONSTRUÇÃO da psicanálise
é um artefato simbólico contratotalitário do século XXI. A reconstrução da
psicanálise significa a produção de um campo de pensamento funcionando através
de contraconceitos como cultura política freudiana, máquina de guerra
freudiana, totalitarismo freudiano e outros. Tais contraconceitos serão
desenvolvidos pela análise freudo-lacaniana concreta de uma situação concreta.
Este é o único interesse que constitui a vontade espiritual de fundação e
desenvolvimento da contraciência freudiana da política.
Isso era o estágio do confronto e do diálogo da física das
máquinas de guerra com o campo freudiano até o Santo Ofício Freudiano atacar
violentamente o contraconceito máquina de guerra freudiana como fruto de uma
imaginação sartreana. Hoje, a física das máquinas de guerra se estabelece como
uma contramáquina de guerra de pensamento mestiça (eclética, sincrética)
articulada ao inconsciente político mestiço a à contracultura política mestiça.
Ela é habita por uma alma livre que só e livre por estar enredada a uma ética
mestiça. O objeto/alvo desta contamáquina é o inconsciente ariano e o que
deriva dele principalmente o totalitarismo em todas as suas formas e cores
étnicas. Assim, a reconstrução do campo freudiano só será possível a partir do
agir da contramáquina mestiça de pensamento sobre o arianismo (totalitarismo)
dele. A contramáquina de guerra de pensamento mestiça reconstrói o pensamento
de Lacan, pois: “é que de ex nihilo nada se cria senão o significante” (Lacan.
S. 11: 266). Se a história do inconsciente nietzschiano mestiço é parte da
história natural da espécie humana, da biologia, ele não é um significante
criada ex nihilo. Este enunciado lacaniano do ex nihilo é apenas a prova que o
campo lacaniano não fez a passagem do mito (totalitarismo epistêmico) para a
história: história natural da espécie humana.
A VERDADE SOBRE A ECONOMIA BRASILEIRA
A comunidade dos economistas profissionais e universitários
quer ter o monopólio sobre o pensamento econômico baseado na ideia axiomática
de que a economia só pode ser tratada por cientistas, pois trata-se, em resumo,
de ciência econômica. Assim, os USA controlaram o pensamento econômico depois
da Segunda Guerra Mundial. No contrafluxo deste totalitarismo economicista
norte-americano, o nosso Celso Furtado fez uma junção do pensamento econômico
com Freud. Então, é preciso ter clareza que o pensamento econômico não é, em
sua totalidade, uma máquina de guerra de pensamento totalitária neoliberal. Se
tomarmos o exemplo da Venezuela, a história recente deste país começa com a
intervenção na economia de uma máquina de guerra neoliberal modelada pelo
Consenso de Washington. Reeleito presidente em fevereiro de 1989, Carlos André
Peres baixou um plano de austeridade fiscal que foi duramente contestado pela
população venezuelana, especialmente a de Caracas. Tal descontentamento popular
ficou conhecido como Caracazo e é tido por muitos como a gênese do fenômeno
Hugo Chávez (que soube construir sua liderança política ao longo da década de
1990, canalizando este descontentamento). A máquina de guerra de pensamento
neoliberal está na origem do domínio da Venezuela pela máquina de guerra
bolivariana-chavista que levou a Venezuela para o abismo com Nicolas Maduro.
Não sou da comunidade profissional dos economistas, mas
escrevi um livro demonstrando que o problema econômico da crise brasileira do
século XXI encontra-se no governo Fernando Henrique Cardoso e na adoção do
modelo neoliberal autárquico FHC pela era Lula. A guinada para um simulacro de
modelo capitalista de Estado - que rompe com o modelo neoliberal a partir de
2008 - só piorou a nossa situação. O modelo-2008 introduziu um elemento que a
economia brasileira havia superado desde FHC. Tratou-se de evitar
permanentemente o funcionamento da economia pela lógica do caos. Guido Mantega
é o mestre econômico stalinista (com doutorado em economia na UNICAMP) que fez
a economia brasileira passar a funcionar por um discurso do mestre econômico que
transformou a população brasileira em escrava potencialmente dócil ao
funcionamento da lógica do caos. Este é o problema fáctico que atormenta a vida
brasileira. A população já percebeu que a elite tem na panaceia neoliberal
(Consenso de Washington) o remédio para a crise brasileira. Hoje, estaríamos em
um espaço-temporal da “Revolta da Vacina” no Rio de Janeiro da República Velha?
Joa antigaquim Levy é o nosso Oswaldo Cruz? Ou ele é o nosso Moisés Naim, a
máquina de guerra de pensamento neoliberal que instalou (irresponsavelmente)o
caos político do Caracazo?
DA ALMA/CONTRAMÁQUINA DE GUERRA
“Da Alma” é um livro de Aristóteles tão fundamental para o
campo da física das máquinas de guerra quanto o “A República” de Platão. Os
dois tratam da alma como um significante da cultura filosófica da Antiguidade. Platão
definiu a alma associada às práticas como dirigir, governar e deliberar e todas
as práticas desse gênero (Ediouro: 47). Assim, a alma pode ser má ou boa. A má
dirigi ou governa mal e a boa bem. Aí temos uma diferença entre o modelo
universal ocidental de máquina de guerra (tirânica) e o homem. A alma má é a
alma da máquina de guerra tirânica. A alma boa é a alma da polis (homem).
Estamos longe do psicopata que é uma máquina de guerra em si, isto é, sem alma.
A alma é uma categoria que alcança Nietzsche: “A alma aristocrática venera a si
mesma”. Em Nietzsche o problema do narcisismo não é um problema simplesmente
psicológico, ele só adquire inteligibilidade na relação da elite com a cultura
política. A elite aristocrática venera a si própria não como um fato gratuito,
vulgar. A veneração de si da alma aristocrática estabelece aquele pathos da
distância estrutural entre superior (aristocracia) e inferior (plebe). Mais de
uma cultura política articula-se a partir da estrutura narcísica, pois esta é o
significante mais potente e universal da história natural da espécie humana.
Mas não se trata simplesmente do imaginário lacaniano, em jogo. Teólogo
evangélico do século XIX, William Channing escreveu: “O desenvolvimento e a
proteção de seres humanos como deuses é o objetivo de todas as instituições
sociais. O espírito humano é maior e mais sagrado que o Estado e nunca deve ser
sacrificado a ele”. Quando os cristãos diziam que a grandeza da alma era o
caminho narcísico mais curto para Deus, eles falavam que a grandeza da alma era
o caminho da simbolização que elevava o homem ao campo simbólico. Isso é
diferente da sublimação da pulsão de morte na cultura em geral: arte, ciência,
religião.
A sublimação acadêmica do século XX tomou a alma (e o
espírito) como significantes metafísicos a serem secularizados. Mas eles não o
foram por uma física das máquinas de guerra, e sim por inúmeras disciplinas
universitárias que foram forjando conceitos como mente, cérebro, aparelho
psíquico, subjetividade, consciente e inconsciente freudiano. A secularização
dos significantes metafísicos como alma (e espírito) restringiram-no ao espaço
da cultura política religiosa. A física das máquinas de guerra está mergulhada,
ecleticamente, em uma reconstrução da alma como contraconceito. Mesmo a máquina
de guerra psicótica tem alma, mas trata-se da alma má platônica. Trata-se da alma
que se define pelo mal governo e pela má direção da comunidade dos homens,
mulheres e crianças. A alma da máquina de guerra totalitária não simboliza um
caminho para a polis em direção ao campo simbólico da cidade-estado. A lógica
dela é privatista, a vontade dela é a de privatizar o Grande Outro: particular
como simulacro de universal: “Asi, pues: em un ser vivo (ou na polis), como decimos,
es donde primeramente no es posible discernir el gobierno del señor (máquina de
guerra) y del hombre de estado; el alma rige el cuerpo (político)con el dominio
de un señor (máquina); la inteligencia rigi los apetitos con una autoridad de jefe político o de rey,
y en estos ejemplos resulta evidente que es natural y útil para el cuerpo (político)
ser gobernado por el alma (da máquina) , y para las emociones ser gobernadas
por el intelecto y la parte del alma que posee la razón (contramáquina),
mientras que para ambas partes es, en todos los casos, nocivo hallarse en
igualdad de condiciones o en posiciones contrarias” (Aristoteles. Política).
Note bem! Trocando máquina por contramáquina, Aristóteles antecipou na cultura
política da antiguidade o Príncipe Moderno de Gramsci e de Maquiavel. O significante da cultura
política da antiguidade grega aparece como repetição na cultura Renascentista e
na cultura moderna, mas diferente e lúdico. Um mistério que a física pretende
desvendar. Há uma homologia com Aristóteles na tradução da ideia de hegemonia
hegeliana para a cultura política maquiavélica que Gramsci transformou em uma
contramáquina: Príncipe moderno. Em Gramsci o Partido Comunista deveria ser uma
contramáquina hegemônica antinômica ao Partido Stalinista: máquina de guerra
psicótica. O Príncipe Moderno é a junção Príncipe (= Condottiere ou máquina de
guerra maquiavélica) com a modernidade política (hegemonia=Hegel). O Príncipe gramsciano
tem como modelo particular o condottiere italiano como contramáquina de guerra
voltada para uma finalidade, a saber: a construção da hegemonia no sentido
hegeliano. Este conceito de príncipe moderno jamais se tornou um fato da TERRA,
do inconsciente político (nietzschiano). Ele permaneceu como uma abstração
conceitual marxista. Agora, ele deve ser pensado como um contraconceito da
física das máquinas de guerra.
CULTURA RELIGIOSA TOTALITÁRIA NO BRASIL
“Na maioria das vezes, trata-se de casas ligadas à Igrejas
Católica ou igrejas evangélicas, onde os próprios dependentes de drogas, em
estágio mais avançado de recuperação, conduzem os demais pelo caminho da
abstinência do vício. O tratamento, muitas vezes, é baseado na leitura da
bíblia e o consumo da droga é creditado à influência de espíritos malignos. Não
há um número oficial de quantas dessas instituições existem no Brasil, mas um
Censo de 2011 da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) aponta
que são cerca de 1.800. Em 2011, 68 delas foram fiscalizadas pelo Conselho
Federal de Psicologia, que apontou que a regra nas comunidades visitadas era o
tratamento sem recursos terapêuticos, com uso de castigos, torturas e a
imposição religiosa”.
“Esse tipo de instituição se tornou o centro das atenções no
final de 2011, quando o Governo Dilma Rousseff (PT) lançou o programa “Crack, É
Possível Vencer”. Desde então, essas entidades, que não faziam parte da rede de
atenção aos dependentes de drogas do Governo federal, passaram a ser
financiadas pelo poder público. Em 2013, o Governo Rousseff liberou às
entidades 82 milhões de reais. Em 2014, o valor subiu para 99,6 milhões, destinado
a 375 entidades, que têm, juntas, 8.300 vagas. Órgãos Estaduais e municipais
também as utilizam. O Governo de São Paulo, por exemplo, criou o programa
Recomeço, em 2013, uma política baseada na parceria com essas comunidades
terapêuticas em que a internação à força de dependentes de droga é permitida”.
As Igrejas e os governos querem fazer o bem para a
sociedade? A ética religiosa (secundada pela política de Estado) está fazendo o
Bem? Trata-se de uma inscrição destes artefatos (Igreja, Estado) no SIMBÓLICO
(=Deus)? Ou é a lógica do Diabo de Goethe: “faço bem e também faço o mal?
Talvez não seja melhor falar em JUSTIÇA? No “A República”, o que é a injustiça
(e a justiça)? Cometer injustiça é, por natureza, um BEM e sofrê-la uma Mal. A
origem da justiça estaria no meio termo entre o maior BEM, que é cometer
injustiça sem sofrer castigo, e o maior MAL, que é sofrer injustiça sem poder
castigá-la! O campo de concentração não é o avesso deste meio? termo. O nazista
comete injustiça sem sofrer castigo (os USA e a Argentina acolheram em massa os
nazistas e a Igreja católica os protegeu); o judeu sofre injustiça sem poder
castiga-la. O campo de concentração nazista não é o conceito prático (universal
concreto) de uma máquina de guerra psicótica totalitária? O sofista Trasímaco
concebe (e defende) que a justiça é o BEM de um outro (da elite) e o interesse
do mais FORTE (totalitarismo), enquanto a injustiça é conveniente e proveitosa
para quem a pratica (a elite como máquina de guerra totalitária), e só
prejudicial ao FRACO (a população, em geral): “Trata-se do paradigma no direito
ocidental da lógica totalitária. A antipsiquiatria foi um movimento contra a
lógica totalitária do campo de concentração para psicóticos. Fiz palestra no
abjeto Juliano Moreira. Eu vi com meus próprios olhos como funcionava tal campo
de concentração: sinistro. Seu fechamento obedeceu à lógica da batalha contra a
cultura política totalitária no mundo-da-vida patrocinada pelo Estado, pelo
poder público. Agora o poder político privado (igrejas Católica e Evangélica)
financiado pelo poder político público ocupam o lugar do nazista (novamente) e
os “dependentes de drogas” o lugar do judeu nesta máquina de guerra
freudo-heideggeriana, que é o campo de concentração para “dependentes de drogas”.
A comunidade jurídica liberal brasileira não vai intervir neste poder fáctico
totalitário? Não chegou a hora de abandonar a tradicional justiça
oligárquico-totalitária brasileira colonial (ajudar os amigos, prejudicar os outros=inimigos)
por um outro conceito de justiça: “NÃO FAZER O MAL PARA NINGUÉM”! Não é este o
tempo de não deixar que a lógica do maior bem (cometer injustiça sem sofrer
castigo) regule poderes políticos público e privado? Evitar que tais poderes
políticos (privado/público) concorram para instalação da cultura política
totalitária no mundo-da-vida brasileiro?
ANDREASAIRBUS A320
“A revelação de que o copiloto Andreas Lubitz
deliberadamente provocou a morte de outras 149 pessoas a bordo do Airbus
A320-211 da Germanwings, braço da Lufthansa, autoriza pesadelos e dúvidas: é
certo confiar tantas vidas ao comandante a seu parceiro na cabine”. Sim, mas os
fatores humanos são essenciais para segurança de voo e devem merecer os mesmos
cuidados dispensados às tecnologias” (VEJA. 01/abril/2015: 69).
A VEJA “pensa” a partir do contraponto humano/máquina. Isso
é muito útil juridicamente para a Germanwings, pois ela não será
responsabilidade pela falha humana. VEJA é uma revista capitalista e a defesa
da empresa capitalista submete a lógica desse jornalismo à cultura política do
dinheiro. No entanto na televisão, um psicanalista iniciou uma discussão de que
existe o campo humano e o campo da máquina que não é tecnológica, da máquina
“humana. Nesta os indivíduos podem ser parte dela como um mecanismo no mínimo
neural. Assim, o problema seria o seguinte: quem (ou o quê) estava pilotando o
avião em um voo catastrófico em direção à terra?
O psicanalista identificou o copiloto como portador de um
quadro crônico depressivo psicótico. O psicótico é um tipo existencial (humano)
tratado pela comunidade dos neuróticos como uma ameaça potencial à comunidade
dos neuróticos. Freud deixou páginas, ao longo de sua obra, associando
violência física e psicose. Freud se orgulhava de ser um neurótico leve. A
cultura industrial de massas dos USA ganhou e tem ganhado muito dinheiro com
esta ideia da vulgata freudiana. O jornalismo dominado pelas comunidades de
neuróticos se mobilizou para mais uma vez transformar o psicótico em objeto da
violência simbólica dos neuróticos. Agora vamos aos fatos!
O maior desejo do copiloto era virar piloto: comandante da
espaçonave. Este desejo parecia cada vez
mais difícil de se realizar devido ao conflito da depressão de Andreas com a
cultura autocrática (totalitária) que rege a aviação, em geral, e a aviação
civil capitalista, em particular. Então, ele podia ser copiloto, mas não o capitão
do navio. O desejo de Andreas - vivido na cultura autocrática – como único
desejo que articulava o sentido de sua da vida, se constituiu, finalmente, como
uma vontade de derrubar o Airbus. Fator humano? A cultura política totalitária
articula seres humanos enquanto máquina de guerra na história universal desde a
civilização arcaica. Assim, neuróticos, perversos e psicóticos têm sido
articulados como máquina de guerra psicótica. Assim, mantemos a ideia de Freud
de que o neurótico também pode se constituir em máquina de guerra psicótica.
Não é uma coincidência atroz para os psicóticos, Andreas ser um psicótico? E se
fosse um perverso? No caso do psicótico, os psi sacam logo a ideia de que ele
estava delirantemente se sentido perseguido pela empresa. No caso do perverso
eles não encontrariam explicação na vulgata freudiana. Não pode ser neurótico,
pois um neurótico jamais cometeria uma violência desse tipo. Só poderia ser um
psicótico, então!
A passagem ao ato do humano para a máquina de guerra
terrorista (uso da violência sem limite) pode muito bem ser entendida. O ato de
Andreas-máquina teve um sentido muito claro. Uma única vez, ele foi o capitão
da espaçonave, pois decidiu sobre o destino final dela: o choque com a TERRA.
Mas não se tratou de uma decisão racional, calculista. A nanomáquina de
guerra-andreas foi constituída como vontade de matar (Nietzsche) a partir de
sua integração simbólica ao inconsciente político ariano. Este sempre esteve
associado ao discurso do mestre que articula cultura política totalitária que
se define pela realização da satisfação da pulsão de morte por máquinas de
guerra, em geral, terrorista. Só um estudo sério poderia descobrir quando
Andreas se tornou a nanomáquina-andreas terrorista. A finalidade do ataque
desta foi o uso da violência física sobre os passageiros para gerar a violência
simbólica sem limite contra os usuários de avião comercial em todo o planeta.
Essa violência simbólica só existe graças a transformação da morte de 149
pessoas a bordo em espetáculo, durante 24 horas por dia_Transformação da morte em
artefato imaginário-simbólico da cultura industrial de massas “ocidental”. O sentido
do ato da nanomáquina era gerar um choque simbólico em uma dimensão específica
do Imaginário mundial através da sociedade do espetáculo. Teve êxito? Até
quando a sociedade do espetáculo vai propiciar o gozo necrófilo dos
espectadores ao redor do planeta? Afinal para ela isso é apenas uma mercadoria,
a morte pilotada pela lógica da mercadoria!
CONTRAMÁQUINA DE PENSAMENTO MESTIÇA/MULTIDÃO
A história
intelectual brasileira é digna de ser narrada? Inquestionavelmente, jamais
intelectuais brasileiras criaram um campo epistêmico próprio para o estudo da
história do Brasil e, por conseguinte, da América Latina. Sempre estivemos
submetidos às revoluções epistêmicas europeias. No entanto, isso não é
inteiramente verdade. Euclides da Cunha, Mário de Andrade, Oswald de Andrade,
Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, a sociologia da USP do século XX, Celso
Furtado e muitos outros intelectuais nativos se dedicaram a criar o terreno
para a construção de uma episteme brasileira.
O caso de Luís Pereira merece ser lembrado. Vindo da
sociologia eclética marxista da USP (o ecletismo é uma janela para o pensamento
contratotalitário), já acossado por uma doença incurável foi estudar na França
para se converte ao marxismo estruturalista althusseriano, especializando-se no
pensamento de Nicos Poulantzas. Esta conversão resultou em um livro de crítica
à ciência política marxista da USP que
monopolizava o campo dos problemas que orientava a historiografia brasileira. A
explicação da Revolução de 1930 e dos fenômenos políticos gerados por esta
revolução, como por exemplo, o Estado de compromisso 91930-1964) eram parte de
tal monopólio. Hoje, os alunos de ciências sociais não se interessam pela
história em si ou pela história intelectual do país. Quem perde? A sociologia
da USP foi um artefato simbólico que articulado a uma determinada cultura
política chegou ao poder nacional com Fernando Henrique Cardoso. Não foi um
acaso. Ela é o motor da constituição, entre nós, do modelo oligarquia política
híbrida (um modelo estéril que não pode gerar uma saída para crise brasileira
atual) e do modelo neoliberalismo autárquico, que entrou em colapso em 2008.
Assim como Luís Pereira não começou no Brasil o desenvolvimento intelectual de
uma cultura contratotalitária marxista– como o fez Poulantzas na França -, FHC
não começou a revolução cultural na política (afinal ele esteve no poder
durante 12 anos) capaz de transformar o espaço político brasileiro. Desde o
Brasil colonial, este espaço foi articulado pela interseção da lógica do
simulacro liberal introduzida pelo Marquês de Pombal com a cultura totalitária
substantiva secundada pela cultura oligárquica. A pergunta é a seguinte: não
precisamos retomar o pensamento político mestiço de Euclides da Cunha, de Mário
de Andrade, de Oswald de Andrade e Gilberto Freyre? Tal pensamento não está
associada às revoluções e revoltas – como Canudos – que metabolizaram uma
cultura política mestiça no mundo-da-vida brasileira? O estudo das revoluções e
revoltas pela física das máquinas de guerra – que se estabelece a partir de uma
episteme para integrar o Brasil e a América Latina à história política
universal – não pode ser importante para articular contramáquina de pensamento
mestiço, multidão e inconsciente político mestiço? Realmente, não há saída no
horizonte da crise brasileira? Não podemos estar, finalmente, na antessala da
revolução contratotalitária no país? Ou vamos perder mais uma vez o bonde da
história como diziam os meus amigos do PCB?
QUE AS CEM FLORES DESABROCHEM!
O livro de Bruno Latour “Jamais fomos modernos” é da década
de 1990. O deseja da dialética maoísta parece pilotar o ensaio: que cem flores
desabrochem. Latour fala de cem conceitos de modernidade, ou ele queria mais,
ainda? Vocábulos como moderno, modernidade e modernização já não são usados
corriqueiramente na linguagem política do século XXI. Ninguém quer ser moderno,
nenhum país vê na modernidade ou na modernização a solução para a sua crise. O
Brasil não vê na modernidade a saída para a sua crise do século XXI. No apagar
da linguagem política moderna, outra linguagem está sendo tecida? Ou
linguagens-fantasma do passado ocupam o vazio da linguagem moderna?
Uma definição de modernidade se dissolveu no ar como fato.
Trata-se da definição que era a junção do desejo de emancipação de todo
despotismo (Hegel falou sobre o fim da história sob domínio do discurso do
mestre) com, através da ciência, o domínio absoluto sobre a natureza. O
marxismo foi moderno neste sentido e hoje a juventude continua acreditando
nele. Trata-se do marxismo-fantasma que preenche o vazio do fim da modernidade.
Em seu complexo conceito de modernidade lunar, Latour diz
que a modernidade é a denegação de um fenômeno avassalador: os híbridos. Só a
episteme das redes sóciotécnicas pode descortinar este mundo recalcado no
inconsciente político da modernidade. “As redes são ao mesmo tempo reais
(fácticas) como a natureza, narradas como o discurso, coletivas como a
sociedade”. Ela articula-se três conjuntos ontológicos; fatos, poder e
discursos. Como junção do sujeito com o objeto, natureza e cultura, o híbrido
acaba, de fato, com a lógica moderna da autonomia absoluta entre as três
dimensões (variedades) ontológicas. Por isso: “jamais fomos modernos”. O
híbrido cria uma identidade absoluta entre as três variedades ontológicas:
fato, poder, discurso. Assim, ele torna-se o significante que vai
sobredeterminar a cadeia de significantes da política mundial e talvez da
história política universal. Ao definir a modernidade como um conceito
totalitário voltado para apagar da história os híbridos, Latour substitui tal
conceito pelo conceito totalitário de rede sóciotécnica híbrida. Isso porque
ele não consegue pensar que um conceito não-totalitário de modernidade precisa
manter a distinção entre as dimensões ontológicas supracitadas assegurando na
prática a autonomia relativa entre natureza (fato), política (poder) e
sociedade (discurso). Em um conceito antitotalitário latourniano, o discurso
faria o laço social entre as três variedades ontológicas existentes especificamente
através da autonomia relativa. Mas é preciso subjetivar – para seguir adiante
no processo de simbolização para a tessitura de uma nova linguagem política – o
apagar da luz dos significantes como fato, poder e sociedade, que desarticula
três campos de saber: historiografia tradicional e moderna, ciência política
universitária ou foucaultiana e a sociologia moderna. Enfim, o livro ainda
suscita uma boa discussão!
MAX WEBER: uma flor de lótus moderna?
O conceito de modernidade pode jogar com a fluidez, com a
impermanência, com a inconsistência e está baseado na lógica da purificação.
Mas o conceito de modernidade de Weber define bem a sua fronteira
transdisciplinar, a sua consistência, a sua permanência. Weber acreditava que a
burocracia moderna era indestrutível e sobreviveria em um modelo político
futuro na junção do oriental-Egito da civilização arcaica. Há uma homologia
entre a burocracia privada (empresa capitalista) e a burocracia pública (Estado
moderno). Há uma autonomia relativa entre o público e o privado, não há uma
autonomia absoluta como quer a modernidade totalitária que busca assim a pureza
do público e do privado. No século XX, articulou-se a junção do público com o
privado no capitalismo de Estado. Isso para Weber era um outro caminho da
cultura política totalitária moderna.
Uma rede de significantes sobredeterminada pelo significante
burocracia racional faz a modernidade ex-sistir e funcionar fácticamente pela
lógica racional-burocrática: empresa capitalista, funcionário profissional,
direito moderno, máquina sem alma, técnica moderna, cultura totalitária
(Espírito hierárquico centralista), Estado moderno e, finalmente, burocracia
moderna.
A burocracia moderna define o Estado moderno como
administração institucional política, ou seja, como instituição política. A
diferença entre a administração em si (quadro administrativo) e a burocracia
racional (administração política institucional moderna) se define pelo uso da
violência. Na primeira, trata-se do uso da violência sem limite; na segunda, a
violência tem que ser legítima, ou seja, inibida em sua finalidade (violência
sem limite) pelo direito.
O conceito em Weber é um tipo ideal. Ele não existe na
história e na geografia, a não se raramente. Então, ele adquire a consistência
de um contraconceito. Ele aparece como um geostóricosignificante. Ele ex-siste
historicamente em um determinado território geográfico. Que só pode exitir
uma religião. Assim é possível dizer,
com certa tranquilidade, que o Estado moderno existiu (existe ainda?) na Europa
ocidental. E dizer que ele jamais existiu na América Latina. Nesta, ele
ex-sistiu como um simulacro de Estado moderno que tem como espelho a linguagem
do pensamento político liberal da comunidade jurídica.s cristãos
O que fazer com isso?
CRISTIANISMO/NIETZSCHE
A cultura cristã em si não materializa o elemento
universalista (totalitário) de que só existe um Deus e, portanto, só pode
existir uma religião sobre a terra. Esse elemento universalista não faz a
passagem para o ato simbólico na cultura religiosa no início do cristianismo
primitivo. A literatura primitiva cristã se dirigia apenas à comunidade cristã.
A perseguição do Império Romano aos cristãos foi o motor inicial que articulou
o cristianismo como uma cultura religiosa no século II como corpo literário através
do qual os cristãos falavam à maioria da população pagã em sus própria defesa.
Mas esta cultura cristã como coro polifônico não podia, na sua apologia, defender
a ideia de religião universal. Assim, tal cultura religiosa era defendida como
paideia (cultura letrada superior). Ela se dirige a maioria letrada, educada,
inclusive aos governantes do Império Romano. A forma da sua difusão não é a
eloquência cristã, mas o espírito filosófico. Os cristãos necessitavam se
defender contra a acusação de canibalismo declarado porque, na eucaristia,
comiam a carne e bebiam o sangue de Deus.
Eram designados como ateus, pois não adoravam os deuses do Estado.
Negavam honra divina ao próprio imperador, ou seja, o ateísmo cristão era visto
como rebelião política cultural. A cultura política cristã tem como motor a
cultura política totalitária romana. Tácito encarava os cristãos como um setor
politicamente fanático do povo judeu à frente da rebelião contra os suseranos
romanos, que terminará com a destruição de Jerusalém sob Tito. Filósofo estoico
imperador, Marco Aurélio tinha horror a entusiástica vontade grotesca cristã de
sofrer a morte através dos animais selvagens no Coliseu. Nesta linha de força cristã
surge uma máquina de guerra grotesca aterradora e arrebatadora. Trata-se de uma
máquina de guerra que se adequa ao conceito de grotesco, de Wolfgang Kayser,
pois ela gera o horror no inimigo.
Nietzsche pode ter partido deste ato cristão de martírio grotesco
no seu “Anticristo”? Como o maior físico das máquinas de guerra da era moderna,
ele reconstruiu os significantes bom, mau e felicidade. Bom é tudo que aumenta
o poder da máquina de guerra aristocrática, o sentimento do poder, a vontade
para o poder, o próprio poder. Mau é tudo quanto aumenta a fraqueza. Felicidade
é o sentimento com que o poder se engrandece, com que se vence uma resistência.
“Não contentamos, senão mais poder; não paz antes de tudo, senão guerra”. O
cristianismo é o hiper-vício, ele é o vício mais vicioso que o próprio conceito
de vício. Mas Nietzsche admite que o cristão é “a besta doméstica, a besta de
rebanho, a enferma besta humana”. Besta é o significante que designava para a
cultura grega da Antiguidade (Platão, Aristóteles) uma Coisa que parece animal,
mas não é animal. Tratava-se claro da máquina de guerra bárbara. Assim,
Nietzsche admite que o cristão é uma máquina de guerra que volta a violência
sem limite sobre o corpo do cristianismo. Mas a finalidade não é o suicídio da
comunidade cristã. Aplicar a força sobre si significa o uso de violência física
em um sentido de violência simbólica (e também de violência simbólica pura)
para gerar uma Igreja universal. A violência simbólica aplicada sobre si –
sobre o partido - é a lógica que Lenin
usou para fazer a auto-reconstrução (teórico-prática) permanente do partido bolchevique – como
máquina de guerra política marxista - até o golpe de Estado que iniciou a
Revolução Russa. Além disso, nenhum campo de pensamento se desenvolve a não ser
aplicando violência simbólica sobre si próprio em um trabalho permanente de
auto-reconstrução das redes de contraconceitos que o faz existir e funcionar.
CHARLES DICKENS/MARX
Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos;
aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença,
foi a época da descrença, foi a estação da Luz, a estação das Trevas, a
primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós,
tínhamos nada diante de nós, íamos todos diretos para o Paraíso, íamos todos
direto no sentido contrário – em suma, o período era em tal medida semelhante
ao presente que algumas de suas mais ruidosas autoridades insistiram em seu
recebimento, para o bem ou para o mal, apenas no grau superlativo de comparação”
( “Um Conto de duas Cidades”)
O primeiro romance que li, aos treze anos, foi o “Tempo e o
Ventos” de Érico Veríssimo. Fiquei tão maravilhado que nunca mais parei de ler
romances. Hoje sei porque fui arrebatado por ele. Além de ser o nosso “Guerra e
Paz”, e em função dessa dialética (guerra e paz), a temática dele fala, com
muita competência, da máquina de guerra universal. No momento estou me
preparando para transformá-lo em um objeto do campo da física das máquinas de
guerra.
Mas o parágrafo acima
que começa o romance de Dickens fala de um tempo que é humano? Na física
da máquina de guerras, as máquinas de guerra são o dominus da história
universal política natural sobre homens, mulheres e crianças desde o tempo da
civilização arcaica. O tempo de Dickens parece ser humano (esperança, Paraíso, Inferno)
do homem e da máquina de guerra. A antiguidade greco-romana inventou o homem a
semelhança da polis (cidade-estado); polis=cidade=homem. Isso só foi possível
pela articulação do humano pela ética da cidade, ética do homem. A máquina de
guerra é articulável por alguma espécie de ética? Na ética do homem, a razão
antiga ou moderna deve ser o dominus do campo da pulsão de morte e do campo dos
afetos. Então é possível começar a investigar o Homem pelo funcionamento da
ética aristotélica (Ética a Nicômacos) ou pela ética da razão prática (ética
kantiana) nas culturas políticas da antiguidade e da modernidade. Freud
estabeleceu a ética do humano, pois essa só é possível de ser lida na história
da psicologia do indivíduo a partir da existência do inconsciente freudiano. Mas
Lacan fez o campo freudiano deslizar para a cultura política ao falar de um
tempo no qual a ética do desejo seria o dominus, sem a abertura de todas as
comportas. Ele estava pensando no incesto? Em Aristóteles e Platão,
determinados desejos bestiais (incesto, canibalismo, parricídio etc.) transformam
o humano em besta, e impossibilitam a articulação do homem. A besta era o nome
pelo qual eles designavam o bárbaro. Hoje sabemos que eles estavam
estabelecendo a dialética homem (grego-civilizado-ocidental) versus máquina de
guerra (bárbara, oriental) para além do humano.
Quando li o Um Conto de duas Cidades, eu vivia sob o dominus
de uma visão de mundo marxista. Mesmo sendo uma visão modelada pelo “Guerra
Civil em França (visão anarco-marxista; vejam bem não confundi-lo com o abjeto
narco-marxismo), esse marxismo me fez interpretar o romance de Dickens como uma
obra contrarrevolucionária. Eu ainda não tinha conhecimento da interpretação da
Revolução Francesa de François Furet. Hoje mergulhado no campo da física, leio
Dickens como um romance sobre humanos, homem e máquinas de guerra. Nele o homem
aparece como parte do tempo da sabedoria, da sensatez, da época da Luz. É
particularmente impressionante o modo ficcional da transformação da população
em multidão revolucionária e desta em uma máquina de guerra grotesca. Com
Dickens, a literatura inglesa é integrada - como cultura intelectual - à
cultura política universal através do inconsciente político literário ocidental.
Marx concebeu o contraconceito tragédia histórica no “18 Brumário”. Assim, a
estética tornou-se constitutiva da cultura política e da política in nuce. Com
Marx, a ficção deixou de ser um monopólio da CORPORAÇÃO DE OFÍCIO DAS LETRAS (monopólio
sagrado da literatura) para se transformar em algo constitutivo da história. Esse
contraconceito de estética não é estratégico para pensar o campo da física das
máquinas de guerra? A máquina de guerra pode não precisar da ética na sua
articulação. Mas ela não se articula sem a estética. A estética (a ficção) é
constitutiva da máquina de guerra. Não existe uma estética grotesca da
multidão-máquina de guerra revolucionária no “Um Conto de duas Cidades”?
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