José Paulo
Historiadores da UFRJ falam do artigo 142 da Constituição de
1988 como uma herança do artigo 14 da Constituição de 1891. Eu vejo o artigo
162 da Constituição de 1934 como a fantasia ou princípio de realidade (Lacan:75)
do futuro do artigo 142.
Constituição-1891:
Art. 14. As forças de terra e mar são instituições nacionais
permanentes, destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis
no interior. (Dias: 332)
<O Projeto de Constituição para a República dos Estados
Unidos do Brasil> de 1933 versa sobre o papel político das Forças Armadas:
Art. 77. As forças armadas são instituições nacionais
permanentes, destinadas a garantir a segurança externa da Nação e a defesa
interna das instituições constitucionais e das leis. (Dias: 453).
Na Constituição de 1934, temos:
Art. 162. As forças armadas são instituições nacionais,
permanentes, e dentro da lei, essencialmente obediente aos seus superiores
hierárquicos. Destinam-se a defender a Pátria e a GARANTIR A ORDEM E A LEI.
Há uma diferença elementar entre a Constituição de 1891 e a de
1934?
Para o historiador não há, mas, para o cientista da política
há.
O contexto da confecção das constituições é diferente em 1891
e 1934? Trata-se da mesma conjuntura (Poulantzas: 90) histórica?
O artigo 14 fala em manutenção das leis no país. O princípio
de realidade ainda é aquele do papel do exército na fabricação da unidade
territorial, ameaçada por vários fenômenos de desintegração territorial do
Brasil, no século monárquico. O lugar das oligarquias regionais querendo a
separação do Brasil (e a fundação de outros países em uma típica
latino-americanização do Brasil) aparece no equilíbrio de força entre a Nação e
o federalismo. Não se trata de fumos
machadianos. Em 1934, São Paulo tentou se separar do Brasil, e foi derrotado
por Getúlio Vargas.
<Manutenção das leis no país> não é a GLO de 1934
(Garantia da LEI/ORDEM). A situação concreta da GLO é já definida pela luta de
classes no Brasil e pela luta de classes na forma das geopolíticas comunistas (URSS)
e fascistas. A GLO é garantia da lei/ordem capitalista. Na conjuntura fascista original, o fascismo
aparece como um fenômeno econômico não-capitalista.
Na conjuntura da GLO dois fenômenos ameaçaram a LEI/Ordem: a
revolução comunista de 1935 e o golpe de Estado fascista de 1938. Chefe do
Integralismo, Plínio Salgado fazia ataques demolidores ao capital fictício que
representava o capitalismo ocidental, entre nós. O Estado Novo de Getúlio é um
efeito da revolução de 1935 e uma antecipação tática ao golpe integralista. Na
Constituição getulista de 1937, não existe GLO. A gramática da conjuntura já era
outra!
Na Constituição de 1946, o artigo 177 é uma cópia da
Constituição-34:
Art. 177. Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e
garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem.
Claramente, se trata da LEI/ORDEM capitalista ocidental no
contexto antecipado da Guerra Fria. O artigo 177 inicia a guerra fria, entre
nós. O inimigo interno é o PCB que possuía 10% do eleitorado. O PCB foi cassado
pelo governo do General-presidente Dutra da democracia populista (1946-1964).
Com o golpe militar de 1964, o parlamento faz a Constituição
de 1967. Há GLO:
Art. 92.
Alínea 1°. Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria
e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem.
Qual é o contexto histórico do artigo 92?
O exército aparece como poder moderador militar no caso de
uma derrota do governo militar; vive-se uma conjuntura de lutas intensas no
domínio da cultura contra o governo militar; logo a luta armada contra ditadura
militar se estabelece; há uma luta pelo lugar hegemônico no bloco no poder
(Poulantzas; 224-225) entre o capital estatal e a multinacional. As lutas dessa
conjuntura levariam à destruição da Constituiçã-67.
A Constituição de 1969 foi outorgada pela junta militar com
um Congresso fechado. A oligarquia política não participou da confecção dessa
constituição. A ESG (Escola Superior de Guerra) e juristas integralistas
fabricaram a constituição-69. Trata-se de uma Constituição como simulacro
jurídico da política nacional e local. Antecipa-se, assim, a política como
simulacro de simulação do regime de 1988, da era lula.
A história brasileira será escrita pelas novas gerações de
historiadores, cientistas políticos, sociólogos e juristas. Aqui, faço apenas
sugestões para uma pesquisa, empiricamente, concreta.
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Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo
Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e
regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a autoridade
suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia
dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da
ordem.
A lei complementar 97/1999, o decreto 38971999, a lei complementar
117/2004 e a lei 136/2010 completam o arsenal jurídico do artigo 142. Há a lei do
governo Lula e a lei do governo Dilma Rousseff. Com estas leis, o PT assinou a
Constituição-88. O uso da lei por Lula e Dilma mostra a legitimação do poder
militar como poder moderador?
O artigo 142 contém o campo da hegemonia/dominação do bloco
no poder. Ele é um artigo que faz da Constituição uma fato da prática política
do dominante. Como qualquer um dos poderes constitucionais pode usar o artigo 142,
há uma igualdade entre eles que abole o regime presidencialista. O leitor pode
consultar a Constituição e verificar que o presidencialismo não é um princípio
constitucional a ser defendido pela União:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no distrito
Federal, exceto para:
VII – assegurar a observância de lei federal dos seguintes
princípios constitucionais:
a)
Forma
republicana, sistema representativo e regime democrático.
A conjuntura da fabricação da
Constituição tem no PT e Lula os fenômenos políticos de uma possível <revolução
dentro da ordem> (Fernandes: 301). No entanto, a Constituição-88 é a
gramática da revolução nacional dentro da ordem. Florestan Fernandes fala da
revolução nacional dentro da ordem. (Fernandes: 300).
O artigo 34 estabelece o limite para a
revolução dentro da ordem. Ela não pode destruir os princípios constitucionais republicano,
representativo e democrático.
Lula e o PT tomaram o caminho da
revolução nacional dentro da ordem?
Lula e o PT tomaram o caminho do
artigo 142. Em 2013, Dilma Rousseff se colocou contra a multidão de junho que solicitava
a retomada da revolução nacional dentro da ordem capitalista.
A GLO foi usada por presidentes como
Itamar Franco, Fernado Collor, FHC, Lula, Dilma, Michel Temer e Bolsonaro. Eles
legitimaram o exército como poder moderador militar para resolver conflitos sociais
e políticos e ministrar segurança para eventos espetaculares, problemas eleitorais
etc. Bolsonaro chegou a negar a GLO para governadores que banalizaram a GLO. Ele queria forçar o congresso a aprovar uma
lei que desse imunidade legal para os agentes militares da GLO no uso da força física.
Em 2023, Lula diz que não usará a
GLO. Diz que os militares se definem como um poder moderador. Então, o que
mudou?
Um movimento tenentista dos coronéis
bolsonarista tem a hegemonia sobre a tropa. O tenentismo bolsonarista começo no
governo Michel Temer que fez da polícia secreta política (GSI) um cimento da
prática política das Forças Armadas, antecipando-se a Bolsonaro. O tenentismo
bolsonarista fez a candidatura de Bolsonaro que tomou por um assalto eleitoral
o poder nacional.
O tenentismo bolsonarista aparece
como uma revolução política contra a revolução nacional da Constituinte-88?
Temos, assim, um caso de dupla revolução? Temos o lulismo da Frente Ampla que não pode lançar
mão do art. 142.
Note-se que Lula e o PT se encontram
em um momento de grande confusão ideológica e política. O bolsonarismo se
apresenta como proprietária do artigo 142. Este só é utilizável se o tenentismo
bolsonarista estiver no poder central.
O tenentismo bolsonarista quer
destruir a história do Brasil-nação. Assim, ele aparece como continuação do multiculturalismo
petista, mas como avesso do multiculturalismo.
O tenentismo bolsonarista é uma
revolução histórica?
Me socorro em Hegel nesse momento gravíssimo
do país:
“Conforme o primeiro lado, a independência
só confere ao encontrado a forma da individualidade consciente em geral, e, no
que respeita ao conteúdo, permanece no interior da efetividade universal
encontrada. Mas, conforme o outro lado, a independência confere a essa
efetividade ao menos uma modificação peculiar, que não contradiz seu conteúdo
essencial, ou seja, uma modificação pela qual o indivíduo, como efetividade
especial e como conteúdo peculiar, se opõe àquela efetividade universal. Essa
oposição vem a tornar-se crime quando o indivíduo suprassume essa efetividade
de uma maneira apenas singular, ou vem a tornar-se um outro mundo – outro direito,
outra lei e outros costumes, produzidos em lugar dos presentes – quando o
indivíduo o faz de maneira universal e, portanto, para todos”. (Hegel: 194).
O tenentismo bolsonarista representa
o bloco agrário ou bloco da terra da Amazônia. Ele não é um indivíduo de uma revolução
para todos. O que horroriza é que esse indivíduo não quer mais pertencer a história
do Brasil-nação (quer destruí-la) em nome de um privatismo intempestivo que
aparece como um crime histórico hegeliano.
A saída da crise brasileira passa
pela retomada da revolução nacional dentro da ordem constitucional-1988.
Podemos começar extraindo o artigo
142 da Constituição.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SP: Edipro,
2022
DIAS, Floriano de Aguiar. Constituições
do Brasil. 2 volumes. RJ: Liber Jures,
1975
FERNANDES, Florestan. A revolução
burguesa no Brasil. RJ: Zahar, 1976
HEGEL. Fenomenologia do Espírito. Parte
1. Petrópolis: VOZES, 1992
LACAN, Jacques. Le Seminaire. Livre 20.
Encore. Paris: Seuil, 1975
POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes
sociais. SP: Martins Fontes, 1977