José Paulo
Seguindo a leitura de Michel Bastit, ST° Tomás pensou a lei
como um saber – constituído por regras jurídicas [de um campo de poderes]. A
lei obedece ao princípio da razão em sua qualidade de princípio primeiro da
ação de ordenar em direção a um fim., logo de ser fonte da regra e da medida
das realidades e dos atos dos sujeitos em um campo de poderes estatizados.
A lei é da ordem da obrigação, da obediência que não deve ser
confundida com a sanção, com a coerção. A lei é um saber racional (<aliquid rationis>) e a sanção, coerção, é uma
consequência deplorável, impertinente desse campo de saber/poder racional. (Bastit:
52-53).
Próximo da noção de hegemonia de Gramsci, ou seja, a
hegemonia como direção intelectual e moral, a obrigação é uma relação que
dispensa a força:
“Il peut donc bien y avoir, et il y a certainement rapport de
moyen à fin, mais un certain rapport, qui est bien plutõt de convenance que
d’obligation. Une loi seule oblige, parce que seule elle lie; c’est pourquoi, expression.
de la raison législatrice divine, la conscience chrétienne prescrit toujours
l’action comme une <obligation morale>, notion qui nous est aujourd’hui devenue si familière que
nous oublions le tempo où elle apparut comme une nouveauté, et par qui elle fut
inventée”. (Gilson.1989a:335).
A obrigação moral com as leis sociais sem recompensa
encontra-se na base da gramaticalização do moderno conceito de hegemonia:
“C’est que la loi ne vise pas à récompenser le bien ou à
punir le mal moral, mais à mantenir l’ordre dans la société”. (Gilson. 1989a:
330).
A lei é a regra de uma atividade. Ela é, mais, precisamente,
uma obrigação fundada sobre as exigências de alguma espécie de racionalidade.
Em um país onde a irracionalidade política é vivida como um fato da natureza do
povo e a elite, falar da razão é como mostrar forca em casa de enforcado:
“Chaque fois, en effet, qu’ une activité se soumet à une
règle, c’est qu’elle en fait pour ainsi dire la mesure de as légitimité,
qu’elle s’y attaché par conséquent comme à son priincipe et qu’elle s’oblige à
la respecter. Or, quel príncipe régulateur des activités connaissons-nous jusqu’à
présent, sinon la raison? C’est elle qui, dans tout les domaines, apparaît
comme la régle et la mesure de ce qui se fait, de telle sorte que la loi, si
vraiment elle n’est rien de plus que la formule de cette règle, se présente
immédiatement comme une obligation fondée sur les exigences de la raison”.
(Gilson. 1989b: 329)
Há em ST° Tomás a ideia da regra jurídica articulando um
campo de poderes/saberes racional?
Há campo de saber jurídico desligado do campo de poderes
estatizado ou não?
Com sua cultura universitária (Gilson. 1995:526), St°
Tomás pensa a política real na época das
monarquias inglesa e francesa. (Châtelet: 20).
A universidade é um centro de poder gramatical, teológico e filosófico. A
universidade de Paris era considerada pelos os papas como a segunda Atenas (Heidegger:
51-52), ao lado do poder eclesiástico no campo de poderes/saberes medieval. (Libera:413).
O campo de saber jurídico é aquele do conhecimento prático
possuído pela razão na luz a partir da qual nós podemos medir nossos atos, e os
retificar se for preciso, para melhor aceder ao nosso fim que é estabelecer a
conduta humana segundo o bem comum prático.
Laureano Robles e Ángel Chueca respondem as nossas
indagações, sem vacilação:
“La existência del Estado nace de la misma naturaleza social,
racional y libre del hombre. Esta naturaliza humana exige una autoridad o
gestor encargado de procurar el bien común, y reclama a la vez que los hombres
esclarecidos y destacados por su virtude y saber se pongan a la cabeza y al
servicio de sus semejantes dirigiédolos. El hombre por naturaleza es um ser
social y sociable, como había ya indicado Aristótoles. Para Tomás de Aquino un
hombre asocial, o es um genio, um ser sobrehumano, o un animal; la vida
asocial, o aestatal es un signo de naturaliza ‘beluina’, de infrahumanidad. Por
debajo del hombre está, como ser no social, sino gregario, el animal; por
encima del hombre, Dios”. (ST° Tomás: XLI).
O homem é sujeito social, sujeito estatal vivendo, portanto,
em um campo de poderes/saberes estatizado:
“Pero corresponde a la naturaleza del hombre ser un animal
sociable y político que vive en sociedad, más aún que el resto de los animales,
cosa que nos revela su misma necesidad natural”. (St°Tomás:6).
O dirigente é da ordem do necessário na política: “Luego es
preciso que en toda sociedad haya algo que la dirija”. (St° Tomás: 8). A
política fazendo pendant com a sociedade significa a passagem do particular
para o universal ou bem comum.:
Luego si la naturaleza del hombre exige que viva en uma
sociedad plural, es preciso que haya en los hombres algo por lo que se rija la
mayoría. Pues, al existir muchos hombres y preocuparse cada uno de aquello que
le beneficia, la multitud se dispersaría en diversos núcleos a no ser que
hubiese alguien em ella que cuidase del bien de la socieedad, como el cuerpo
del hombre o de cualquier animal se desvanecería si no hubiese alguna fuerza
común que lo dirigiera a buscar el bien común de todos sus membros”. (St° Tomás:
7).
A política pode ser aquela da liberdade ou da servidão:
“Porque es libre quien es por causa de sí mesmo, mientras que
siervo es quien, cuanto es, lo es por causa de otro; luego si la sociedade de
los libres es dirigida por quien gobierna hacia su bien común, se da un régime
recto y justo, como corresponde a los libres. Si, por el contrario, el gobierno
se dirige no al bien común de la sociead, sino al bien individual de quien
gobierna, se dará um régime injusto y perverso (...). luego si llega un régime
injusto solamente a causa de una persona, que busca en el gobierno su proprio beneficio
pero no el bien de la sociedad a él sometida, tal dirigente es llamado <tirano>, nombre derivado de la palavra <fuerza>, porque oprime, con la fuerza y no
gobierna con la justicia”. (St° Tomás: 8-9).
A política tirânica pode ser a política de uns poucos
(oligarquia). Forma política de imensa atualidade em países subdesenvolvidos do
século XXI, especialmente, na América Latina:
“Pero si en vedad no llega a haber un régime injusto
solamente a causa de uno sino de vários, aunque no sean muchos, se le llama <oligarquia>, o sea, gobierno de poucos, cuando
unos pocos oprimen a su pueblo, por ejemplo, por medio de las riquezas,
diferenciándose del tirano únicamente en la pluralidad”. (St° Tomás: 9).
É possível pensar o Bem Comum em sociedades capitalistas?
A ideia de fim perseguido pela política da sociedade permite
que se possa pensar o bem comum como eixo da política:
“Pero sucede que los hombres se dirigen al fin apetecido de
modos diversos, cosa que la misma diversidad de las inclinaciones y las
acciones humanas nos muestra. Luego el hombre necesita alguien que lo dirija a
su fin”. (St° Tomás: 5).
O governante é parte da política que se dirige a um fim. Em
um país como o Brasil, a política do campo da direita tem como fim desenvolver
o subdesenvolvimento capitalista. Se toma como impossível, irrealista, buscar
um fim que seja o de países como China e Índia.
China e Índia fizeram um percurso que acabou por combinar
duas histórias econômicas. A história econômica do subdesenvolvimento faz
pendant com a história econômica do capitalismo desenvolvido cibernético. Esta
sobredetermina aquela e é hegemônica na política da China e da Índia através da
instalação de uma sociedade de classes industrial cibernética, que acaba por
funcionar como força produtiva e motor econômico desses países. A história
econômica desenvolvida subsome a história subdesenvolvida.
Na China e na Índia, a política da sociedade tem como
finalidade o bem comum através do desenvolvimento da sociedade capitalista,
industrial, avançada, cibernética. Esta faz desses países territórios
geoeconômicos de reprodução ampliada de capital e acumulação capitalista
cibernéticos do capitalismo globalizado. Esses países se apresentam como
buscando um fim que desloca a lógica <fim do capitalismo> (Marx) para uma conjuntura na qual o capitalismo globalizado
cibernético tenha exaurido sua possibilidade de existência como acumulação
ampliada capitalista.
A sociedade industrial capitalista cibernética pode funcionar
como motor da diminuição da desigualdade econômica em uma conjuntura de luta de
classes sociais gramaticais.
2
O capitalismo
subdesenvolvido tem sua forma acabada com fenômenos como <capitalismo criminoso> (Platt:19,39-44)) e <criminostat> (Virilio:55). Trata-se do
desenvolvimento de práticas criminosas e do estabelecimento da organização
criminosa como economia com sua infrapolítica. A consequência mais visível é a
perda da paz como bem comum da sociedade.
A perda da paz social põe e repõe o problema da salvação como
uma questão governamental: “La intención de cualquier gobernante debe dirigirse
a que cuanto él se encarga de regir procure la salvación”. (St° Tomás: 13).
O que é a salvação de uma sociedade? Este problema
desapareceu da vida da sociedade subdesenvolvida. A política subdesenvolvida
subtrai da cultura nacional pública a questão da salvação:
“Pues el bien y la salvación de la sociedad es que se
conserve su unidad, a la que se llama paz, desaparecida la cual desaparece
asimismo la utilidad de la vida social, e incluso la mayoría que disiente se
vuelve una carga para sí mesma. Luego esto es a lo que há de tender sobre todo
el dirigente de la sociedad, a procurar la unidad en la paz”. (St° Tomás: 13).
A política útil é um fenômeno foracluido da vida do
subdesenvolvimento. Tanto faz se o governante é útil ou inútil. No lugar do
estado de paz como um fim útil e bem comum, o estado de guerra não é
metabolizado como uma coisa insuportável. Na política, o estado de guerra não é
vivido como o real impossível de ser suportado.
O regime político não é gramaticalizado como útil ou inútil:
“Luego un régime será tanto más útil cuanto más eficaz fuere
en conservar la unidad de la paz. Y llamamos más útil a lo que conduce mejor a
su fin”. (St° Tomás: 14).
O opúsculo “De regno” (“De regimine principum”) , de 1266,
define a monarquia pura como a forma de governo mais útil, e não o regime
político misto. Há um a razão forte para tal fato intelectual:
“Si, en 1266, les liges apparaissaient em Chipre comme des
champions de l’anarchie et le roi comme le seul défenser possible de l’ordre
public, on pourrait s’expliquer que dans le “De regimine principum” saint
Thomás n’ait pas exprime sa préférence pour le gouvernement mixte et ait
recommandé la monarchie pure”. (Chenu. 1993: 287)
3
St° Tomás vive na conjuntura da metabolização pelos sujeitos e afirmação histórica da monarquia europeia.
O Estado para ele é o <regno> como uma entidade política que
agrega uma reunião de cidades. O rei é o centro político e o símbolo através do
qual a comunidade política se articula como campo de poderes/saberes racional
jurídico, estatizado.
O Estado é pensado a
partir do campo dos indivíduos/sujeitos. O bem comum é o que exige
constituir-nos em sociedade e instalar sobre os indivíduos mesmos a autoridade
ou o poder político que une e governa o campo de sujeitos; é também, ao mesmo
tempo, a razão de ser do Estado.
É pensado, também, como já vimos, a partir da regra jurídica
articulando o campo de poderes/saberes racional, estatizado. A regra jurídica é
o saber jurídico sem o qual o funcionamento do campo de poderes é
sgrammaticatura (Gramsci: 2342), ou seja, com grau zero de gramática da política.
O regime político é a forma de unidade do campo de
poderes/saberes. A forma política do regime faz pendant com as leis
(verdadeiras leis ou leis corruptas) a forma do dirigente (um, poucos,
multidão), e a modalidade de exercício do poder (visando o bem comum ou
interesses particularistas) e a finalidade do governo que busca conservar a
unidade social, ou sociedade, a paz. .
O poder político pertence por direito natural à comunidade
política. Esta transfere a uma, ou várias ou a multidão o exercício do poder
político. A comunidade política realiza uma concessão, em virtude da qual se
transfere o exercício do poder como um ofício público. Portanto, o poder político
só pode ser exercido a título de representante ou gestor da comunidade.
Na “Suma teológica”, o regime misto de poder aparece como a
melhor forma de governo. Ele é constituído por um rei (princípio monárquico),
um corpo de senadores (princípio aristocrático) e uma assembleia de éforos de
eleição popular (princípio democrático).
O regime misto tem seu correlato moderno com o presidente da
república eleito pelo voto popular no lugar do rei, um senado eleito pelo voto
popular e uma câmara de deputados eleita pelo voto popular. O regime misto
corresponde à moderna democracia liberal.
A deposição legítima do governante em situação de crise da
forma do poder político aparece como um fenômeno natural no caso da finalidade
do governo político concorrer para a dissolução da sociedade.
O critério para se saber se a forma de governo é passível de desarticulação
se prende à relação dela com o bem comum:
“Además en este régime se vuelve injusto cuando, depreciado
el bien de la sociedad, tiende al bien privado do dirigente”. (St° Tomás: 18).
Na leitura atual, o privado significa uma classe política que
usa o poder político em benefício próprio ou da classe dominante. O poder político
é usado para a apropriação da riqueza pública e concentração da riqueza nas
mãos da classe dominante, da sociedade do rico. O signo dessa política é a
crescente desigualdade econômica entre o rico e o povo.
As formas de governo podem se separar do bem comum e se
tornarem formas injustas de poder político:
“Más se separa del bien común la oligarquia, en la que se
busca el bien de unos pocos, que la democracia, en que busca el bien de muchos”.
(St° Tomás: 18).
O bem comum é um significante que contempla a totalidade da economia
das classes da sociedade. Ele contempla, especialmente, o rico (oligarquia) e a
multidão (democracia). O bem comum tem como referente social o governo misto. A
democracia é a forma de governo menos injusta, pois menos distante do bem
comum. A tirania, é a forma de governo que mais distante se encontra do bem
comum, pois ela, é a privatização do poder político em prol do um:
“Luego si llega a haber un régime injusto solamente a causa de
uma persona, que busca en el gobierno su próprio beneficio pero no el bien de
la sociedad a él sometida, tal dirigente es llanmado <tirano>, nombre derivado de la palavra <fuerza>, por que oprime, com la fuerza y no
gobierna con la justicia”. (St° Tomás: 9).
Como poder político, a tirania aparece na contemporaneidade ligada
ao governo presidencial em aliança com o poder oligárquico do parlamento. Esse acontecimento
é próprio do desenvolvimento do subdesenvolvimento capitalista em países da
América Latina.
A forma de governo encontra-se, no capitalismo, em junção com
a história econômica das formações sociais. A expansão do subdesenvolvimento
capitalista, industrial, nuclear, por exemplo, nos Estados Unidos é o responsável
pela forma tirânica do governo de Donald Trump em aliança com a forma oligárquica
do Senado sob controle do partido social republicano, ou seja, pela burguesia
republicana.
Os Estados Unidos fazem uma política tirânica nas relações
internacionais.
A democracia americana é uma forma política que se sustenta a
partir da história econômica do capitalismo industrial desenvolvido
cibernético. O choque entre a história econômica desenvolvida e a história econômica
subdesenvolvida gera uma realidade americana política bizarra.
A terceira década do século XXI vai assistir à produção de
formas políticas inéditas que tem como motor o choque da história econômica desenvolvida
e subdesenvolvida nas formações sociais capitalistas.
BASTIT, Michel. Naissance de la loi moderne. Paris: PUF, 1990
CHÂTELET, DUHAMEL, PISIER-KOUCHENER. Histoire des idées
politiques. Paris: PUF, 1982
CHENU, M.-D. Introduction a l’étude de Saint Thomas D’Aquin.
Paris: J. Vrin. 1993
GILSON, Étienne. La philosophie au Moyen Age. Paris: Payot,
1986
GILSON, Étienne. L’esprit de la philosophie médiévale. Paris:
J. Vrin, 1989a
GILSON, Étienne. Le thomisme. Paris: J. Vrin, 1989b
GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere. V. 3. Torino: Einaudi,
1975
HEIDEGGER, Martin. História da filosofia. De Tomás de Aquino
a Kant. Petrópolis: VOZES, 2009
LIBERA, Alain de. La philosophie médiévale. Paris: PUF, 1993
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017
St° Tomás de Aquino. La monarquia. Madrid> Tecnos, 1989
VIRILIO, Paul. Vitesse et politique. Paris: Galilée, 1977
Nenhum comentário:
Postar um comentário