José Paulo
Subtítulo: TEORIA E PRÁTICA DA
DEMOCRACIA REPRESENTATIVA.
O subtítulo do texto é um
problema prático oportuno?
A democracia representativa é uma
escola de política que como sujeito gramatical suporta a verdade da razão
política. Todas as instituições da democracia em tela ou são racionais ou não
são instituições democráticas. Ou os sujeitos gramaticais são racionais e
razoáveis, ou não são sujeitos da democracia representativa. Tais teses podem
ser tomadas como do campo da ideologia ou como do campo da cultura política
pública. De qualquer modo, isto tudo nos remete para o problema teoria e
prática.
Popper diz que o problema da
teoria versus prática começa na era da modernidade com Marx. Marx é a spaltung,
isto é, a quebra da metafísica milenar da questão teoria/prática aplicada à
ciência da política:
“Contrairement aux hégéliens de
droite, Marx s’est esforcé de résoudre par des méthodes rationelles les
problèmes sociaux les plus aigus de son temps. Que ses efforts aient été, comme
je me propose de le montrer, infructueux n’en réduit pas le mérite. La science
ne progresse que grâce à l’expérience: les échecs étant aussi instructifs que
les succès. Em dépit des erreurs que contient sa doctrine, son apport a été
d’une telle importance que tout retour aux théories sociales antérieures est
inconcevable. Notre dette envers lui est considérable, même si nous sommes em
désaccord avec ses idées, et j’admets volontiers l’influence qu’il a exercée
sur l’opinion que j’ai de Platon et de Hegel”. (Popper. 1979: 59-60).
A Tese 11 do As Teses contra Feuerbacch diz: Os
filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente, cabe transformá-lo.
(Marx. 1974: 59). Transformá-lo como? A Tese 8 diz: Toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios, que
induzem às doutrinas do misticismo, encontram sua solução racional na praxis
humana e no compreender dessa praxis.
Nas Teses, Marx não diz o que é a teoria que vai substituir a filosofia
como ideologia:
“Na consideração de tais
transformações é necessário distinguir sempre entre a transformação material
das condições econômicas de produção, que pode ser objeto de rigorosa
verificação da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas, religiosas,
artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os
homens tomam consciência deste conflito e o conduzem até o fim”. (Marx. 1974:
136).
No O Capital, Marx diz qual é o
aspecto teoria. Trata-se da física da economia moderna ou crítica da economia
política:
Le physicien, pour se rendre
compte des procédés de la nature, ou bien étudie les phénomènes lorsqu’ils se
présentent sous la forme la plus accusée, et la moins obscurcie par des
influences perturbatrices, ou bien il expériment dans des conditions qui
assurent autant que possible la régularité de leur marche. J’étudie dans cette
ouvrage le mode de production capitaliste
et les rapports de production et d’échange qui lui correspondente”. (Marx.
1977: 12).
A física da economia moderna
substitui a interpretação metafísica por um poder interpretativo gramatical.
Trata-se do poder de interpretar com vontade de potência de transformar o
mundo. Mas ainda nos encontramos no domínio da crítica da economia política tout court. Deslizando para o domínio da
sociedade dos significantes capitalista, outra ciência aí age. Trata-se da ciência
da política cujo modelo encontra-se no O
18 Brumário de Luís Bonaparte. Aí, a física da economia capitalista faz
pendant com a ciência marxista da política. Porém Marx não deixou o
desenvolvimento completo da teoria/episteme de tal ciência.
A interpretação capaz de
transformar o mundo é a interpretação gramatical (que se realiza também como
explicação científica). Tal interpretação científica é um poder gramatical (link).
Ela é uma teoria com uma prática que revoluciona o mundo. A física de Marx é a
teoria da revolução capitalista (praxis)
do modo de produção especificamente capitalista da mais-valia relativa.
A teoria de Marx é um poder
gramatical de uma praxis que
revoluciona o capitalismo. Transforma o capitalismo em socialismo, mas esquece
da tecnologia social. A praxis só
advém com o Manifesto do Partido
Comunista 1948, que, na Rússia, se materializa como partido bolchevique
leninista. O partido é a sintetização de teoria e prática.
No entanto, Popper tem razão em
dizer que na teoria de Marx falta a tecnologia social da prática como
instituições socialistas (Popper. 1979: 62-63; 1974: 94). Este vazio fez da
revolução russa um campo experimental da unidade teoria e prática
transdialética gramatical. A revolução russa mostrou que a teoria era um poder
gramatical em unidade transdialética gramatical com a prática capaz de criar
uma prática institucional: Estado soviético integral! Infelizmente o resultado
foi a geração de uma prática marxista totalitária (com Stalin), que suporta a
verdade do totalitarismo em Marx.
Lacan diz: O que significa essa regra é que, precisamente, a verdade não é dita
por um sujeito, mas suportada. (Seminário 16: 67). Como fenômeno da prática (pois a prática se define na relação
instituição versus massas), as massas russas suportaram a verdade do marxismo
totalitário. Esta verdade foi suportada pelos intelectuais marxista e as massas
revolucionárias no Ocidente, no extremo-Ocidente e no Oriente.
Bobbio trata do problema da crise
do poder gramatical da modernidade do socialismo à democracia representativa.
Começo pela URSS. A interrogação que define a crise do totalitarismo marxista
é: a URSS é um país socialista?
II
Durante décadas, a esquerda
dialogou e se confrontou em torno da questão supracitada e não chegou a um
consenso. Para os comunistas stalinistas (marxismo-leninismo), a URSS era uma
pais socialista, pois, a propriedade dos meios de produção era coletivista.
Para a esquerda do liberalismo político, a URSS não era um país socialista, por
ser desprovido de liberdade política. Na China comunista neoliberal atual, os
intelectuais podem fazer qualquer debate menos questionar o monopólio do poder
de Estado pelo PCC (Partido Comunista Chinês).
Para resolver o impasse, surgiu a
ideia do socialismo realmente existente.
Trata-se, com efeito, de socialismo econômico marxista em junção com a
sociedade dos significantes stalinista totalitária. Nesta sociedade, o marxismo
torna-se uma ideologia como religião de Estado, como o islã político ou o
budismo ideológico.
Bobbio diz que a única ideologia
capaz de não se tornar uma religião é o liberalismo político. (Bobbio. 1988:
78). O liberalismo pode ser uma doutrina fazendo pendant com a cultura política
pública liberalismo político. Há aí
séculos de modernidade para se alcançar tal fato e artefato políticos.
Na URSS, o liberalismo político
se constitui como uma cultura política pública na era da NEP (Nova Política
Econômica). Bujarin foi o pensador da NEP e líder do comunismo de esquerda. A
NEP se concebia como uma economia mista que combinava um setor público limitado
com outro privado amplo. (Cohen: 104). No domínio político, Bujarin desejava:
“En particular, la revolución
prometia la destrucción del monstruoso Estado Leviatán y todo lo que
representaba en la sociedad moderna. Fuera cual fuera la perspectiva de otros
bolcheviques, Bujarin tomó en serio la idea de un ˂Estado comunal>
revolucionario, un Estado ˂sin policía, sin ejército permanente, sin
burocracia>, como había esbozado Lenin (con el aplauso entusiasta de
Bujarin) em El Estado y la revolución.
El aspecto decisivo del ˂Estado comunal> había de ser su repudio de la
autoridad burocrática política y económica. Sería un Estado sin burócratas, ˂es
decir, gente privilegiada, alienada de las masas y situada por encima de las masas>. En resumen, sería un Estado sin élite,
en el que las masas se convertirían em administradoras de la sociedade, del
suerte que ˂todos serán ‘burocratas’ durante algún tiempo a fin de que nadie pueda convertirse en
‘burócrata’...> ”. (Cohen: 109).
Se o liberalismo político tem
como significante gramatical-mestre a liberdade, Bujarin é aquele que defende
uma unidade gramatical teoria e prática, na política estrito senso, fundada na
liberdade de um poder gramatical das massas grau zero sujeito sgrammaticatura
socialista. Trata-se de um passo além da cultura do liberalismo político da
sociedade capitalista. Trata-se do liberalismo democrático de massas socialistas.
Neste, as massas recebem o direito de exercer o poder gramatical no campo de
poderes estatizados socialista. Bujarin foi derrotado e fuzilado por seu amigo
Stalin.
III
A cultura política liberal pública
diz que a política não pode absorver o crime. O stalinismo faz do crime
político seu instrumento para se manter no poder e dobrar as massas. A
destruição da sociedade do significante camponesa foi o grande crime político
de Stalin na instauração de sua sociedade totalitária sem classes sociais,
sociedade do povo soviético sem contradições de classe.
Para a democracia representativa,
o crime é metabolizado como um problema político (impeachment) ou como um
problema criminal da elite política. No entanto, uma liberdade demasiada para o
agir da elite política (garantida na Constituição estrito senso) pode
transformá-la em uma elite do poder.
A elite do poder é uma elite que se constituiu na sociedade técnica industrial
e que se define pelo uso da violência industrializada sem limite para definir o
curso da história mundial (Mills: 22). Criada na sociedade do americanismo pós
II Guerra Mundial, a elite do poder é o sujeito gramatical de uma sociedade
totalitária ocidental fazendo pendant com a democracia representativa. Marcuse
fala de uma democracia de senhores onde a liberdade, sob um jugo totalitário, é
transformada em poderoso instrumento de dominação. (Marcuse: 28).
IV
No capítulo A política não pode absolver o crime, Bobbio trata da crise
catastrófica da política italiana.
A política italiana entrou em um
ciclo de decadência quando o Papa Pio XII fez um conluio com a CIA e a máfia
italiana e ítalo-americana para tomar o poder nacional italiano nas eleições
pós II Guerra Mundial. Tal fenômeno desfez a cultura política pública italiana
como junção de moral e política. O crime político se tornou um elemento orgânico
ao Estado italiano. O sistema partidário foi possuído por uma moral criminosa
questionada pelas armas do terrorismo de esquerda. Bobbio parte deste ponto da
crise italiana: o assassinato de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas e serviço
secreto italiano. (Sanguinetti: 12, 9, 11, 13, 23, 63, 64).
Bobbio fala da influência de
Maquiavel na cultura política pública italiana. Tal influência faz do juízo
político o soberano da política com autonomia absoluta em relação à moral de
uma época. (Bobbio. 1988: 125-126). O capitão da política deve ser julgado pelo
êxito ou fracasso de seu agir político. O exemplo de Agátocles Siciliano (que
se tornou rei de Siracusa “sendo não só de impura, mas também de condição
abjeta”) é translúcido para mostrar como a política é um domínio absolutamente
separado da moral.
Filho de um oleiro, sempre teve
vida criminosa na sua mocidade. Suas maldades eram vigorosas em animus e de
corpo. Na milícia, tais qualidades o levaram a ser pretor de Siracusa:
“Neste posto, deliberou tornar-se
príncipe e manter, pela violência e sem favor dos outros, aquele poder que lhe
fora concedido por acordo entre todos”. (Maquiavel: 41). Para obter sucesso,
entendeu-se com Amílcar, cartaginês, que estava com seus exércitos na Sicília.
Certa manhã, reuniu o povo e o Senado de Siracusa a pretexto de consultá-los
sobre os negócios públicos. E a um sinal combinado fez com que seus soldados
promovessem um banho de sangue, matando todos os senadores e os homens mais
ricos da cidade. Assim, tomou posse do governo da cidade sem resistência dos
cidadãos.
Em breve tempo liberou Siracusa
do assédio dos cartagineses e reduziu-os a uma condição miserável. Agátocles
não obteve o poder pela fortuna ou pelo favor de quem quer que fosse, mas
passando por todos os cargos conquistados (graças a sua maldade e esforço)
tornou-se um Príncipe maquiavélico:
“Ainda que não se possa
considerar ação meritória a matança de seus concidadãos, trair os amigos, não
ter fé, não ter piedade nem religião, com isso pode-se conquistar o mando, mas
não a glória. Mas, considerada a habilidade de Agátocles no entrar e sair dos
perigos, e sua fortaleza de ânimo no suportar e superar as coisas adversas, não
há por que se deva julgá-lo inferior a qualquer dos mais ilustres capitães.
Todavia, a sua bárbara crueldade e desumanidade e os seus inúmeros crimes não
permitem que seja celebrado entre os mais ilustres homens da história. Não se
pode, pois, atribuir à fortuna ou ao valor aquilo que ele conseguiu sem uma e
sem outro”. (Maquiavel: 41-42).
O efeito sobre a cultura política
pública italiana moderna da separação entre valor moral e política estrito
senso é o indiferentismo moral. (Bobbio. 1988: 125-126). O indiferentismo moral
abre as comportas para a invasão do crime na política, e a alienação das massas
pouco gramaticalizadas. A política é feita de múltiplas causas, mas a separação
entre o campo dos valores morais (da memória gramatical do político ilustre na
história universal) e a política como astúcia e força (Maquiavel: 21) gera a
corrupção na política como um fato gramatical maquiavélico legítimo. A
gramática de Maquiavel é objeto de uma plurivocida de leitura. O livro Le travail de l’oeuvre Machiavel faz um
panorama da (s) gramática (s) maquiavélica (s). No entanto, para mim, é muito difícil
não ser levado por este elemento da gramática de Maquiavel, ao falar ele da
cultura política pública dos romanos da antiguidade:
“Não lhes agradava fiar-se no
tempo para resolver as questões, como os sábios da nossa época, mas só se
louvavam na própria virtude e prudência, porque o tempo leva por diante todas
as coisas, e pode mudar o bem em mal e transformar o mal em bem”. (Maquiavel:
19).
Nesta gramática encontra-se o
princípio da gramática transdialética sacramentada por Nietzsche:
“˂Comment une chose pourrait-elle procéder de son contraire,
par exemple la vérité de l’erreur? Ou la volonté du vrai de la volonté tromper?
Ou le désintéressement de l’égoisme? Ou la purê et radieuse contemplation du
sage de la convoitise? Une telle genèse est impossible; qui fait ce rêve est un
insensé, ou pis encore; les choses de plus haute valeur ne peuvent qu’avoir une
autre origene, un fondement propre.
Elles ne sauraient dériver de ce monde éphémere, tromper, illusiore et vil, de
ce tourbillon de vanités et d’appétites. C’est bien plutôt au sein de l’être,
dans l’impérrissable, dans le secret de Dieu, dans ‘la chose en soi’ que droit
résider leur fondement, et nulle part ailleurs >. Ce genre de jugement
constitue le préjugé typique auquel on reconnaît les métaphysiciens de tout les
temps”. (Nietzsche: 22).
Como a gramática em narrativa
lógica da democracia representativa pode tratar o crime na política (terrorismo,
corrupção privatista, por exemplo) ou o crime comum do político profissional? Os
crimes em tela não concorrem para a corrupção do ciclo exitoso da democracia
representativa? Ele não abre as comportas para a substituição da democracia
representativa pela autocracia representativa no século XXI?
V
A ciência política brasileira vê
a crise brasileira como um problema singular. Já as ciências gramaticais da
política gramaticalizam a crise como um problema ocidental. Qual é o meu ponto
de partida?
A crise é a crise da gramática em
narrativa lógica do Estado ocidental moderno fazendo pendant com a crise da
democracia representativa. Na Europa ocidental há um passado de correntes de
pensamento à esquerda e à direita que permanecem como fantasmas e caricaturas
do passado. Tais correntes viraram vapor com a mudança do significante Estado
moderno. Trata-se da gramática gramsciano do Estado integral:
“Na realidade de todos os
Estados, o ‘chefe do Estado’, isto é, o elemento equilibrador dos diversos
interesses em luta contra o interesse predominante, mas não exclusivo num sentido
absoluto, é exatamente o ‘partido político’; ele, porém, ao contrário do que se
verifica no direito constitucional tradicional, nem reina nem governa
juridicamente: tem o ‘poder de fato’, exerce a função hegemônica e, portanto,
equilibradora dos interesses diversos, na ‘sociedade civil’; mas de tal modo
esta se entrelaça de fato com a sociedade política, que todos os cidadãos
sentem que ele reina e governa. Sobre esta realidade, que se movimenta
continuamente, não se pode criar um direito constitucional do tipo tradicional,
mas só um sistema de princípios que afirma como objetivo do Estado o seu
próprio fim, o seu desaparecimento, a reabsorção da sociedade política pela
sociedade civil”. (Gramsci. 1980: 102).
A gramática de Gramsci estabelece
o partido político no comando do
Estado integral moderno com a função de equilibrar interesses em luta. Gramsci
já havia integrado em sua gramática a classe política da teoria das elites, as
elites de poder, a organização burocrática do poder de Estado e mais ainda. O
partido político é uma organização burocrática correlata ao exército nacional.
A democracia representativa do século XIX teria sofrido uma spaltung (quebra de
mundo da política), e no século XX ela tem no comando o partido político
burocrático. Esta é a gramatica da realidade política de um século XX com
revoluções socialistas, guerras mundiais, descolonização do terceiro mundo,
sistema partidário com partido comunista, socialista, socialdemocrata, católico
na segunda metade do século XX. Tal gramática ocidental moderna quebrou, aos
poucos, na evolução política do século XX para o século XXI.
Norbert Bobbio é o mais sagaz
cientista político gramatical da crise europeia ocidental na sua Itália: caso italiano. A crise é vivida como uma
transdialética gramatical entre a democracia representativa e a autocracia
representativa que a linguagem dos políticos e dos cientistas políticos (e
grandes marxistas universitários) não transforma em linguagem da cultura
política pública ocidental.
Bobbio trata sinteticamente da
gramática autocrática em relação à gramática democrática. A primeira se define
como realidade do governo invisível. (Bobbio. 1988: 208-211). Trata-se de um
poder exercido de modo a ser subtraído o mais possível aos olhos do súdito. As
decisões são um segredo de Estado que devem permanecer na escuridão dos
palácios:
“À imagem e semelhança do ‘Deus
oculto’, o soberano absoluto, o autocrata, será tanto mais poderoso quanto
melhor conseguir ver o que fazem seus súditos sem fazer-se ver ele mesmo. O
ideal do soberano equiparado a Deus na Terra é ser como Deus no céu, o
onividente invisível”. (Bobbio. 1988: 208).
O poder autocrático se subtrai do
controle público de dois modos:
“ocultando-se, ou seja, tomando
suas próprias decisões no ‘conselho secreto’ e ocultando, ou seja, através do
exercício da simulação ou da mentira considerada como instrumento lícito do
governo”. (Idem: 208).
Em Paris, o sociólogo gramatical
Baudrillard fez a teoria da política como simulacro de simulação adotada na era
do globalismo neoliberal do século XXI. A cultura política do simulacro de
simulação sustentou o sistema político em crise terminal até o momento em
muitos países europeus ocidentais.
Fazendo pendant com Baudrillard, Habermas
fez a teoria do agir estratégico (simulação, dissimulação, manipulação, mentira)
do partido político que já não é o partido político gramsciano. Não pode ser o
Príncipe moderno que não mente para as massas gramaticais.
A gramática da democracia
representativa pressupõe a publicidade do agir político. Kant diz: todas as ações relativas ao direito dos
outros homens, cuja máxima não seja suscetível de publicidade, são injustas.
Em uma era generalizada de subgoverno e criptogoverno, que age no claro/escuro
e na penumbra como poder do invisível (máfias, serviços secretos, terrorismo, organizações
criminosas lumpesinais do de cima e dos de baixo) que governa ao lado do governo
visível, a gramática do Estado integral gramsciano se dissolve na atmosfera do
século XXI.
A invasão da democracia
representativa pela autocracia significa a transformação do Estado gramsciano
em uma estatização do campo de poderes vicários vicejo. (Deleuze: 82). Trata-se
de poderes substitutos do Príncipe moderno gramsciano, poderes gramaticais e
sgrammaticatura. Como poder substituto da classe dirigente, a elite do poder de
C. Wright Mills já não é a elite de poder da gramática gramsciano. Como uma
organização criminosa sociológica, a classe política não é mais a classe
política ou classe dirigente gramsciano.
Prossigo!
Bobbio classifica o governo do
invisível como um poder invisível (sabemos que este se mostra quando o
equilíbrio de força entre Estado e AntiEstado permite) como um poder que
significa taticamente a invasão dos centros estatizados dos poderes gramaticais
que representam a aparência de
semblância do Estado democrático representativo. Bobbio diz:
“Em segundo lugar, o poder
invisível forma-se e organiza-se não apenas para combater o poder público, mas
também para tirar benefícios ilícitos e buscar vantagens que uma ação feita à
luz do sol não conseguiria”. (Bobbio. 1988: 210).
E em seguida, ele diz:
“Existe, finalmente, o poder
invisível como instituição do Estado: os serviços secretos, cuja degeneração
pode dar vida a uma verdadeira forma de governo oculto”. (Idem: 210).
Na América Latina, há uma opinião
pública, cada vez mais influente e agressiva, que põe toda a culpa da realidade
em tela no regime da democracia representativa. Tal opinião pública toma gato
por lebre, pois, ela ignora que já vive em um regime de autocracia
representativa (link México). Que o
AntiEstado é o Criminostat. (Virilio: 54-55).
O que é a aparência de semblância
(difundida pela ciência política universitária e jornalistas políticos)?
Recorro a Bobbio mais uma vez:
“Durante séculos, o Estado, a
começar pelas cidades gregas até ao grande Estado territorial moderno, foi representado
e concebido como um conjunto de partes ligadas entre si formando um corpo
unitário. Não existe Estado sem um princípio unificador”. (Bobbio. 1988: 200).
O Estado é um sistema
jurídico-político formado por um conjunto de partes interdependentes em sua
trans-subjetividade, e, funcionalmente, um conjunto de partes das quais umas
têm a função de gerar interrogações e outras a de converter tais interrogações
em respostas práticas públicas. Por exemplo, sindicatos e partidos políticos articulam
perguntas, selecionando-as e unificando-as, convertidas em respostas pelas
instituições públicas competentes as quais compete tomar decisões válidas e
razoáveis para toda a sociedade (poder legislativo) ou colocá-las em prática
(poder executivo) e fazê-las respeitar (poder judiciário):
“Um sistema político funciona
quando é respeitada a divisão do trabalho e dos papéis entre as diversas partes
do todo, e, particularmente, quando é clara a distinção entre aqueles a quem
compete dar as respostas; e, no âmbito dos que dão as respostas, aqueles que
aplicam as decisões e aqueles que julgam quando e como elas estão sendo
observadas ou não”. (Idem: 201).
Na crise do Estado democrático
nota-se a falta de um centro de poder gramatical unificador: “os centros de
poder se multiplicam. E, multiplicando-se, contribuem para criar um estado de
confusão permanente que caracteriza a vida pública italiana. Surgem os centros
de poder vicários (...) Várias vezes e com maior evidência nestes dias nos
encontramos diante de iniciativas pessoais de magistrados que têm como meta
autênticas decisões políticas”. (Idem: 202). Sabemos que o poder judiciário se
transformou em um tribunal constitucional em uma luta agônica com as máfias
italianas!
Termino com uma citação mais
longa de Bobbio sobre o caso italiano,
no final da década de 1970:
“Quando falta um centro
unificador, o sistema vai se desmantelando, como um relógio desmontado ou um
corpo desmembrado. As várias partes do todo não conseguem mais fazer um
conjunto. E quando deixa de ter conexão com o conjunto, cada pedaço termina por
ficar fora de lugar. E não estando cada peça em seu lugar, o sistema fica
desequilibrado, descentrado, e, consequentemente, funcionando mal. Não consegue
dar respostas adequadas às questões e, quando consegue dá-las, chega atrasado
ou com margem de erro”. (Idem: 202).
O resultado mais óbvio é a
desvinculação entre governante e governado, uma convivência mais desordenada e
mais obstruída na comunicação entre os que mandam e os que obedecem, se tiverem
juízo, se forem razoáveis. A desobediência civil pode se tornar uma regra do
jogo vicário da Constituição em um sentido amplo e, inclusive, se tornar usual
na relação entre as instituições estatais e entre as instituições público e
privado.
O Partido político tem a função
(de articulação da hegemonia) de pôr os interesses privados fazendo pendant com
o interesse nacional. Se o sistema partidário se torna um sistema de facções
políticas (articuladas pela gramática em
narrativa lógica do privatismo da riqueza pública e privada, ou do jogo do
poder pelo poder), este é o sinal mais forte da catástrofe que nos ameaça como
sociedade de significantes nacional. Como a classe política italiana criminosa,
a nossa classe política é idêntica a situação “que a maior parte da classe
italiana possui em escassa medida as duas virtudes que Max Weber achava que o
grande político devia ter: sentido de responsabilidade e largueza de vista.
Todo aquele que sente a preocupação da democracia italiana não pode deixar de
pronunciar, perante uma crise prolongada, palavras duras e fortes. Há muitos
políticos que demonstram não ter o necessário sentido de responsabilidade para
enfrentar os terríveis problemas do país, dando provas de uma miopia muito
próxima da cegueira”. (Idem: 193).
As ciências gramaticais da
política é um campo de saber gramatical situado na cidade do Rio. A cidade do
Rio é um laboratório de sintetização da crise política ocidental em tela.
Oremos?
BOBBIO, Norberto. As ideologias e
o poder em crise. Brasília/SP: Editora da Universidade de Brasília/Polis, 1988
COHEN, Stephen F. Bujarin y la
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DELEUZE, Gilles. Foucault. Paris: Les Éditions de Minuit. 1986
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Livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008
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