SENHORA - JOSÉ DE ALENCAR
A história da literatura se tornou uma prática política mundial milenarista; a literatura tal como é conhecida e praticada encontra-se no fim dos tempos da civilização do livro. Ela pode ser restaurada a partir das obras-de-arte do passado estético do Brasil? Para restaurar a história da literatura, ela tem que ser a história do general intellect gramatical barroco-iluminista? O general intellect gramatical funciona como artista plástico de uma plurivocidade de poder d’ars (e pode estético) no campo da literatura. Este texto aqui tem como fonte gramatical meu do poder d’ars meu outro texto: “República parlamentarista e revolução republicana agrária”.
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No capítulo 1 do romance “Senhora”, é posto as relações entre forma de governo literário e poder d’ars?
Narrador:
“Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela.
Desde o momento de suas ascensão ninguém lhe disputou o cetro; foi proclamada a rainha dos salões.
Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolos dos noivos em disponibilidade.
Era rica e formosa.
Duas opulências, que se realçam como a flor em vaso de alabastro.; dois esplendores que se refletem, como o raio de sol no prisma do diamante.
Quem se recorda de Aurélia Camargo, que atravessou o firmamento da corte como brilhante meteoro, e apagou-se de repente no meio dos deslumbramentos que produzira o seu fulgor”. (Alencar. Senhora: 7).
Balthazar Gracián faz o juizo de gosto do senso comum do poder d’ars barroco como aquilo que repeli o hiperbólico. Então, o exagero na descrição de Aurélia é a ponta do umbigo de um romance, do romantismo tropicalista, de um outro poder d’ars não-baroco? José de Alencar trabalha com uma plurivocidade de poder d’ars em suas obras-de-arte, ao longo de sua exuberante vida cultural. Ele foi no século imperial o maior artista do general intellect gramatical aristocrático seguido por seu discípulo e dileto amigo carioca mulato Machado de Assis:
“Tinha ela dezoito anos quando apareceu a primeira vez na sociedade. Não a conheciam; e logo buscaram todos com avidez informações acerca da grande novidade do dia.
Dizia-se muitos coisa que não repetirei agora, pois a seu tempo saberemos a verdade, sem os comentos malévolos de que usam vesti-laos noveleiros.
Aurélia era orfã; tinha em sua companhia uma velha parenta, viúva, D. Firmina Mascarenhas, que sempre a acompanhava na sociedade.
Mas essa parenta não passava de mãe de encomenda,para condescender com os escrúpulos da sociedade brasileira, que naquele tempo não tinha admitido ainda uma certa emancipação feminina.
Guardando com a viúva as deferências devidas à idade, a moça não declinava um instante do firme propósito de governar sua casa e dirigir suas ações com entendesse.
Constava também que Aurélia tinha um tutor; mas essa entidade desconhecida a julgar pelo caráter da pupila não devia exercer maior influência em sua vontade, do que a velha parenta.
A convicção geral era que o futuro da moça dependia exclusivamente de suas inclinações ou de seu capricho; e por isso todas as adorações se ima prostrar aos próprios pés do ídolo”. (Alencar. Idem: 7).
O romance fala da jovem urbana imperial, da sociedade de corte de D. Pedro II. Jovem orfã, sem estar assujeitada ao poder patriarcal de uma família rica. Jovem determinada a viver a vida da língua fenilato imperial para a mulher da aristocracia. Parece que ela via a sociedade corte como o paraíso perdido da carne? Ela era uma fêmea da aristocracia moderna moderna a Europa? uma jovem de um cosmopolitismo da sociedade corte das relações perigosas cortesãs?
O Brasil imperial era modernidade do homem europeu gramatical urbano?
Baudelaire:
“Assim ele vai , corre, procura. O quê? Certamente esse homem, tal como o descrevi, esse solitário dotado de uma imaginação ativa, sempre viajando através do <grande deserto de homens>, tem um objetivo mais elevado do que a de um simples <flanêur>, um objetivo mais geral, diverso do prazer efêmero da circunstância. Ele busca algo, ao qual se permitirá chamar de <modernidade>, pois não me ocorre melhor palavra para exprimir a ideia em questão. Trata-se, para ele, de tirar da moda o que esta pode conter de poético no histórico, de extrair o eterno do transitório”. (Baudelaire: 859).
A nossa jovem senhorial Aurélia sonhava com a modernidade cosmopolita parisiense? A vida é sonho? Utopia virtual em uma geografia masculina alem do territorial extrafeminino? Aí se encontra um conflito a Simmel entre jovem mulher e jovem homem na sociedade aristocrática brasileira? Aurélia é uma forma de governo feminino da vida das afecções quimilatos que quer se mover pelo princípio de prazer de um poder d’ars do maravilhoso, do paraíso perdido da carne carioca?
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A situação de Aurélia era de uma jovem da sociedade imperial carioca em perigo por causa dos valores morais conservadores dominantes da sociedade de corte: o homem exercia o poder de proprietário privado sobre a mulher de família da sociedade do rico:
“Assaltada por uma turba de pretendentes que a disputavam como o prêmio da vitória. Aurélia, com sagacidade admirável em sua idade, avaliou da situação difícil em que se achava, e dos perigos que a ameaçavam.
Aurélia era a luz do belo nas aparências de semblância do corpo e a escuridão na alma:
“Daí provinha talvez a expressão cheia de desdém e um certo ar provocador, que erriçavam a sua beleza aliás tão correta e cinzelada para a meiga e serena expansão d’alma.
Se o lindo semblante não se impregnasse constantemente, ainda nos momentos de cisma e distração, dessa tinta de sarcasmo, ninguém veria nela a verdadeira fisionomia de Aurélia, a sim a máscara de alguma profunda decepção.
Como acreditar que a natureza houvesse traçado as linhas tão puras e límpidas daquele perfil para quebrar-lhes a harmonia com o riso de uma pungente ironia? (Alencar. Senhora: 8).
O traço romanesco da narrativa é o poder d’ars, ainda oculto, que desenha a alma de Aurélia pelo riso irônico. A ironia é um traço que qualifica a subjetividade da jovem da sociedade de corte carioca? Esse traço define a relação dela com o homem imperial na vida privada? A ironia não deveria ser propriedade privada do homem da sociedade de corte?
sujeito irônico:
“a ironiajá não se volta para este ou aquele fenômeno individual, contra um existente individual, e sim que <toda a existência> se tornou estranha ao sujeito irônico e este por sua vez se torna estranho à existência, que o próprio sujeito irônico, na medida que <a realidade> perdeu sua validade para ele, até um certo ponto (também) se tornou irreal. A palavra ‘realidade precisa contudo ser tomada aqui primeiramente no sentido de realidade histórica”. (Kierkegaard: 224-5).
A realidade histórica é propriedade privada do homem imperial:
Narrador:
“Para que a perfeição estatuária do talhe de sílfide, se em vez de arfar ao suave influxo do amor, ele devia ser agitado pelos assomos do desprezo?
Na sala, cercada de adoradores, no meio das esplêndidas reverberações de sua beleza, Aurélia bem longe de inebriar-se da adoração produzida por sua formosura, e do culto que lhe rendiam, ao contrário parecia unicamente possuída de indignação por essa turba vil e abjeta”. (Alencar. Senhora: *0.
Uma fenimisnta de hoje não teria uma imagem textual do homem mais radical do que a de Aurélia. O homem vil e a objeto é um traço de um poder d’ars realista grotesco?
Bakhtin:
“Há um plano no qual os golpes e injúrias não têm um caráter particular e cotidiano, mas constituem atos simbólicos dirigidos contra a <autoridade>, contra o <rei>”.
O homem aristocrático cesarista é a autoridade sobre a jovem fêmea rica e, para ela, esse homem condensa a imagem textual de D,. Pedro II e seu <poder moderador>?
“Art. 99. a pessoa do Imperador é inviolável e sagrada; ele não está sujeito a responsabilidade alguma.
Art. 98. O poder moderador é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao Imperador, como chefe supremo da nação e seu primeiro representante, para que, incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos”. (Dias: 145).
O sujeito irônico Aurélia não se assujeita a essa gramática ideológica-retórica cesarista imperial do poder d’ars realista grotesco de D. Pedro II. A relação entre forma de governo cesarista imperial e o sujeito irônico feminino atravessa o Rubicão?
Bakhtin:
“Estamos falando do sistema das imagens da festa popular, representado da maneira mais perfeita pelo <carnaval> (mas evidentemente não apenas por ele). É nesse plano que se juntam e cruzam a <cozinha> e a <batalha> com as imagens do <corpo despedaçado>. Na época de Rabelais, esse sistema tinha ainda uma existência integral, carregada de um importante sentido nas diferentes formas dos folguedos públicos, assim como na literatura”. (Bakhtin. 1970: 199).
O <conflito> homem versus mulher não está além do conflito luta de classe?
Simmel:
“Si tout action réciproque entre les êtres humains est une socialization, le combat qui est bien l’une des plus vigoureuses formes de l’action réciproque, et qui est logiquement impossible si on le limite à un élément singulier, doit avoir la valeur totale de la socialisation”. (Simmel. v. 2: 189)
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Quero expor as relações entre conflito, forma de governo da vida e poder d’ars> O uno homem/mulher é poder d’ars sublimatório da pratica política dp combate original mãe de todos os combates da língua fenilato:
“De fait les <causes> du combat, la haine et l’envie, la manque et le désir, sont l’élément spécifique de la dissociation. Si le combat s’est d’abord présenté en elles, il est le mouvement spécifique de protection contre le dualisme qui les sépare, et une voie pour parvenir à n’importe quelle sort d’unité, quoique par la négation de la partie unique - et, à peu prés comme les manifestations les plus violentes de la maladie présentent souvent les efforts de l’organisme, pour se libérer des destructions et des dommages, ceci ne signifie nullement la trivialité du < si vis pacem para bellum> - mais au contraire c’est l’universel entier dont dérive le cas particulier”. (Simmel. v. 2: 189-90).
O caso particular Aurélia deriva da gramática ideológica …bem e mal, ethos e pathos, eros e tanatos. O conflito original da espécie humana homem versus mulher faz da tela da mente d’ars de forma de governo da vida: bem e mal, ethos e pathos, eros e tanato, prática política estruturada e movida por uma plurivocidade de poder d’ars da língua quimilato da civilização do homem gramatical:
“Le combat est déjà la solution de la division entre les contraires; le fait qu’il sorte de la paix est seulement une expression particulière et particulièrement facile à comprendre pour ce fait est une synthése d’éléments, une juxtaposition, qui, avec l’union de ceux qui sont l’un pour l’autre, relève d’une <unique> concept supérieur”. (Simmel. v. 2: 190).
Do original conflito homem versus mulher surge o poder d’ars realista grotesco sublimatório em qualquer prática política, inclusive na luta de classe. A sublimação fa com que o conflito voe do geográfico territorial existencial ao territorial virtual do ser do Uno da tela da mente d’ars de todas as civilizações com barbárie. (Bandeira da Silveira; 11/2024).
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Alcança-se a socialização pelo combate no Uno, da relação dominante/dominado, como poder d’ars sublimatório do conflito territorial homem/mulher na forma de governo estética da língua fenilato (Bandeira da Silveira; março/2025) de homens, mulheres, crianças, velhos. Além e aquém de qualquer patriarcalismo, o homem é a imagem textual legalizadora da forma de governo <cesarista> do soberano sobre a mulher, poder d’ars brutalismo (Souriau: 281) escópico como contexto histórico de Aurélia:
Oliveira Vianna:
“É no distrito diamantino que essa política legalizadora da metrópole dá às autoridades uma terrível onipotência. É um verdadeiro regime cesarista o que ali domina, um governo rigidamente marcial, à maneira de caserna prussiana. Em nenhuma outra zona pesa com mais bruteza a mão de ferro do poder. o sistema de vigilância e policiamento, que nele impera, é de uma severidade asfixiante. Entre o distrito diamantino, e a população da colônia corre uma espécie de cordão policial, que a isola do resto do mundo. Dentro dessa espécie de recinto fechado, o código filipino e o regimento das minas encerram toda a sociedade, que aí vive, nas malhas de uma fiscalização miúda e implacável, onde os menores atos, os mais corriqueiros e comuns, da existência quotidiana dependem do <placet> das autoridades coloniais”. (Vianna. v. 1: 185).
Aurélia é propriedade do poder d’ars do homem imperial <aura sacra fame> cesarista a Nietzsche.
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O século de Aurélia é aquele do <escravismo colonial> (Gorender; 1978). Como história, o escravismo colonial é colonial ou imperial. Há “fenômenos” no escravismo colonial imperial que não existem no outro escravismo colonial. “Senhora” fala dos fenilatofenômenos do escravismo colonial imperial. O dinheiro como fetiche de um poder d’ars aura sacra fame faz de Aurélia um fetiche casamenteiro para o homem imperial solteiro ou viúvo? A subjetividade de Aurélia é produzida a partir do fetiche dinheiro-riqueza econômica pessoal:
Viajemos nesse trem imperial com as palavras do narrador?
“Não era um triunfo que ela julgasse digno de si, a torpe humilação dessa gente ante sua riqueza. Era um desfio , que lançava ao mundo; orgulhosa de esmagá-lo sob a planta, como um réptil venenoso.
E o mundo é assim feito; que foi fulgor satânico da beleza dessa mulher a sua maior sedução. Não acerba veemência da alma revolta, pressentiam-se abismos de paixão; e entrevia-se que procelas de volúpia havia de ter o amor virgem bacante”. (Alencar. Senhora: 8).
O <amor de virgem bacante> é um poder d’ars da antiguidade grega. Ela é a tradução para o século escravista imperial de um poder d’ars trágico fazendo pendant com o poder estético aura sacra fame? A tragédia do dinheiro capitalista?
Nietzsche:
“Mais ainda, - da arte da tragédia? Para quê essa arte grega? Facilmente se advinha onde situar o grande ponto de interrogação para que ele incida sobre o valor da existência”. (NIetzsche. 1977: 11-12).
No modo de ser psíquico mass media de hoje, a existência não tem mais valores; este modo de ser psíquico mass media lançou Nietzsche na lata de lixo da cultura mundial. No século de Aurélia, havia valores da existência, pois era um modo de ser psíquico cultural do livro:
“Será o pessimismo <necessariamente> signo de declínio. de decadência, de falência dos instintos lassos e enfraquecidos, como foi i caso dos Hindus? Como está sendo, a julgar pelas aparências, no nosso caso, no caso dos homens modernos e europeus? Ou haverá um pessimismo da <força>? uma predileção intelectual pela aspereza, pelo horror, pela crueldade, pela incerteza da existência, predileção devida à saúde excedente, ao excesso de força vital, à excedencia da vida? (Nietzsche. Idem: 12).
Aurélia é a decadência, a modernidade europeia doente do poder d’ars realista realista. ou é o excesso de vida do poder d’ars realista trágico da antiguidade?
“Tão excessiva plenitude não trará consigo um certo sofrimento? A visão mais penetrante não será por isso mesmo dotada de uma temeridade irresistível, que busca o terrível como quem busca o inimigo, que procura um adversário digno contra o qual possa experimentar a sua força? Não pretenderá ela saber o que é o <pavor>? Que significa o mito <trágico>, precisamente entre os gregos da época mais elevada, mais forte, mais valorosa? E esse fenômeno extraordinário do espírito dionisíaco? Qual o sentido da tragédia, filha dele? - Em compensação, aquilo que causou a morte da tragédia o <socratismo> da moral, da dialética, da ponderação e da serenidade do homem - sim, o socratismo- não poderá ser tomado precisamente por um traço de decadência, de lassidão, de esgotamento, de anarquismo dissolvente dos instintos”. (Nietzsche. Idem: 12).
O socratismo é a imagem textual mundial do César, do cesarismo imperial, da qual falamos anteriormente. Ele representa a soberania do homem sobre a mulher em um combate eterno das civilizações:
“A <serenidade helénica> dos últimos gregos, não teria sido um crepúsculo? O esforço epicurista contra o pessimismo, não seia apenas uma precaução do doente? A própria ciência, sim, a nossa ciência, vista de frente como sintoma de vida, qual o sentido dela, afinal? Para quê, ou antes, de que nos vem toda a ciência? Pois quê? O espírito científico será mais do que receio e distração em frente do pessimismo? mais do que um artefato engenhosos contra - a <verdade>? Ou, para falar moralmente, um análogo do medo e da hipocresia? ou, para falar imoralmente, da astúcia? Ai, Sócrates, Sócrates: era então esse o ,teu> segredo? Oh mistério ironista: era essa talvez a tua ironia? (Nietzsche. idem: 12).
Como forma de governo da vida dos homens, mulheres e crianças. o modo de ser psíquico científico da busca da verdade do fato pelo fato é o traço de um poder d’ars realista realista iluminista da decadência, da doença social da subjetividade, inexistente no século de Aurélia. Aurélia é a ironia trágica que combate a ironia cesarista, do ersatz filosófico de César, de Sócrates?
Aurélia seria Electra?
“- Electra - Adeus, ó minha cidade! Adeus, minhas amigas e conterrâneas!
Orestes - Minha querida, já vais partir?
Electra - Assim é preciso…Tenho os olhos cheios de lágrimas.
Orestes - Vai, casa-te com Electra, e s~e feliz, ó pIlades1
Os Dióscuros - Dos esponsais, eles tratarão, como convém…Tu, porém, se queres escapar às Fúrias, segue já para Atenas, porque elas se preparam para perseguir-te com as mãos cheias de serpentes, colhendo frutos causadores de sofrimento horríveis! Nós vamos aos mares sicilianos, para salvar navios que lá navegam, sacudidos pelas ondas. Viajando pelo espaço etério, não prestamos socorro aos maus, mas livramos de atrozes perigos aqueles que, durante a vida, têm praticado a bondade e a justiça, Que ninguém cultiva a iniquidade, e ninguém ouse navegar com perfídia no coração.
O Côro - Salve! Só é ditoso aquele que tem a consciência tranquila, e não é ferido pelotas golpes da desgraça!”. (Eurípides: 81-82).
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Não havia modo de produção capitalista moderno no século imperial. Porém, um modo de ser psíquico derivado do capitalismo europeu invadiu a vida aristocrática do século XIX:
“Mais la forme valeur et le rapport de valeur des produits du travail n’ont absolument rien à faire avec leur nature physique. C’est seulement un rapport social déterminé des hommes entre eux qui revêt ici pour eux la forme fantastique d’un rapporte des choses entre elles”. (Marx. 1977:69).
Aurélia via o homem aristocrático promovendo sua coisificação, a transformando na relação social em coisa, em fetiche monetário. Assim, ela é efeito de uma gramática do poder d’ars realista fantástico do fetichismo da mercadoria do modo de produção capitalista escravista imperial:
Narrador:
“As revoltas mais impetuosas de Aurélia eram justamente contra a riqueza que lhe servia de trono0, e sem a qual nunca por certo, apesar de suas prendas, receberia como rainha desdenhosa a vassalagem que lhe rendiam.
Por isso mesmo considerava ela o ouro um vil metal que rebaixar os homens; e no íntimo sentia-se profundamente humilhada pensando que para toda essa gente que a cercava, ela, a sua pessoa, não merecia uma só das bajulações que tributavam a cada um de seus milhões de cruzeiros.
Nunca da pena de algum Chatterton desconhecido saíram mais cruciantes apóstrofes contra o dinheiro, do que vibrava muitas vezes oo lábio perfumado dessa feiticeira menina, no seio de sua opulência.
Um traço basta para desenhá-la sob esta face”. (Alencar. Senhora: 8).
O poder d’ars realista fantástico <fetichismo da mercadoria> é o <traço> da dobra barroco que desenha a subjetividade de Aurélia?
Narrador:
Convencida de que todos os seus inúmeros apaixonados, sem exceção de um, a pretendiam unicamente pela riqueza, Aurélia reagia contra essa afronta, aplicando a esses indivíduos o mesmo estalão.
Assim costumava ela indicar o merecimento relativo de cada um dos pretendentes, dando-lhes certo valor monetário.
Em linguagem financeira, Aurélia cotava os seus adoradores pelo preço que razoavelmente poderiam obter no mercado matrimonial”. (Alencar. Idem: 8-9).
Para Aurélia, seus <adoradores> eram adoradores do vil metal; o principio de prazer deles tinha um funcionamento gramatical das pulsões a partir da do regime de afecções <aura sacra fame>:
“É um moço muito distinto, respondeu Aurélia sorrindo; vale bem como noivo cem mil cruzeiros; mas eu tenho dinheiro para pagar um marido de maior preço, Lisa; não me contento com esse.
Riam-se todos destes ditos de Aurélia e os lançavam à conta de graçinhas de moça espirituosa [...]
Os adoradores de Aurélia sabiam, pois ela não fazia mistério, do preço de sua cotação no rol da mça; e longe de se afastarem com a franqueza, divertiam-se com o jogo que muitas vezes resultava do àgio de suas ações na quela empresa nupcial”. (Alencar. Idem; 9).
Um aristocrata iluminista do Recife deixou uma página indefectível brilhante sobre a existência do poder ‘ars realista fantástico… na prática política imperial:
“Que era todo o trabalho que eles faziam nas câmaras, na imprensa, no governo, senão o revolvimento surdo e interior do solo, necessário para a germinação da planta? Eles, os políticos, eram os vermes do chão; a especulação, a planta vivaz e florescente que brotava dos seus trabalhos contínuos e aparentemente estéreis; eles desanimaram, ela enriquecia. O próprio Imperador, o que fazia senão trabalhar sem descanso e sem interrupção em proveito dela, que se confundia com o progesso material, intelectual e moral do país? Só ela medrava, invadia, e dominava tudo, em torno dele; reduzia a política, o parlamento, o governo, a um simulacro, ignorante da sua verdadeira função; utilizava todo o aparelho político para fabricar a sua riqueza nômade e fortuita, que às vezes durava tanto quanto uma legislatura, e logo decaía, senão do seu fausto, pelo menos do seu porte e altivez”. (Nabuco: 988).
Biografo de Alencar, R. Magalhães Júnior fala do capitalismo patrimonialista no quel a mais-valia fiscal se torna o mais-gozar público do capitalista brasileiro e inglês; um direito público como privilégios privados é o efeito do poder d’ars realista fantástico do monetarismo governamental, que se torna uma benesse imperial do sogro de José de Alencar:
“Fique, pois, desde já anotado que um dos cavadores de concessões, um dos beneficiários de privilégios, contra os quais investe, de modo global, contra os quais investe, de modo global, o cronista do <Correio Mercantil> é aquele que será seu futuro sogro. Primo do almirante que, com o título de lorde Cochrane, servira na Marinha de Guerra, durantes as lutas da independência, aquele médico homeopata, filho de Basil Cochrane, funcionário civil da Companhia da Índias Orientais, se fixara no Brasil em 1829 e já a 4 de novembro de 1840 se tornara detentor da primeira concessão para a construção da estrada de ferro do Rio a São Paulo, por um período de 80 anos. Por falta de início das obras, tal concessão caduca em 1843, mas fora revalidada, por insistência do ex-concessionário, em 1849, vindo a ser de novo anulada por deliberação legislativa. Contudo, ao ser organizada a companhia que Alencar atacara em sua crônica, o Dr. Thomas Cochrane recebera uma indenização de 30 mil libras do Tesouro Nacional! O Visconde de Mauá considerou isso muito justo”. (Magalhães Júnior: 54).
Mauá aparece como o exemplar de capitalista imperial, burguês aristocrático patrimonialista que em sua concepção política de mundo não admite separação entre o público e o privado. No regime de 1988 republicano. o capitalista brasileiro continua se apropriando da mais-valia fiscal, do mais-gozar público:
“Será que se pode imaginar um exemplo melhor de como o gozo é alienado? O que a alienação constitutiva do gozo significa é que, em última análise, experimentamos o gozo como mediado pelo Outro: é o gozo do Outro inacessível a nós ( o gozo da mulher para o homem, o gozo de um grupo étnico para o nosso grupo…), ou o nosso gozo legítimo roubado de nós por um Outro ou ameaçado por um Outro”. (Zizek. 2024: 332)
Eis o mais-gozar do capitalista patrimonialista como alienação da mais-valia pública para fruição do capital privado em detrimento do mais-gozar da sociedade.
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O segredo de polchinelo é o lugar de Aurélia na cultura do livro e jornalismo da aristocracia-imperial carioca, pois, no general intellect gramatical republicano chinês, a mulher é massa analítica, isto é, força de trabalho lacaniano de produção de mais-valia quimilato - em mais da metade dessa demografia da língua fenilato mundial:
“les hommes de Shakespeare ont une histoire, une croissance mnorale ou une déchéance morale; ses femmes agissant et souffrent, mais il est rare qu’elle croissent et se développent (<sheldon are transformed>). Et maintenent cette forme d’existence donne à l’être féminin la relation obscurément ressentie, et qui provoque les réactions les plus bizarres, à la totalité de l”être”. (Simmel. v. 1: 110).
A aristocracia imperial tem Aurélia para cama e mesa e a exclui de participação no general intellect gramatical imperial, que tem em Pedro II o seu rei filósofo (Pedro Calmon; 1938):
“En tout cas il est l’occasion pour laquele des <produtions insuffisantes> des secteur les plus divers son déclassées comme <féminines>, et des productions féminines éminentes sont réputées <tout à fait masculines>. C’est pourquoi la modalité et pas seulement la quantité de notre travail culturel s’applique à des énergies spécifiquement masculines, à des sentiments masculins, à l’intellectualité masculine. (Simmel. v. 1: 116). A língua fenilato da cultura impressa serve ao homem gramatical?
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Há um saber d’ars pulsional do príncipio de prazer das afecções de Aristóteles (Aristoteles. Da Alma: 109) e Hobbes (Hobbes: cap. 6). Esse saber á <Minas de Prata> como fonte de uma economia política libidinal (Lyotard; 1974) do senso comum da história do general intellect da espécie humana no combate homem versus mulher. A Helena machadiana se relaciona com este saber de um poder estético ancestral do senso comum de que modo?
Bakhtin:
“Nas palavras do oráculo da <Bive Bouteille (a Divina Garrafa), o centro de todos os interesses se transfere para baixo, para as profundezas, o fundo da terra. As coisas novas, as riquezas que estão escondidas na terra são muito superiores ao que existe no céu, na superfície da terra, nos mares e rios. A verdadera riqueza, a abundância não residem na esfera superior ou mediana, mas unicamente no baixo”. (Bakhtin. 1987:: 323).
“As palavras do oráculo da <Dive Bouteille> introduzem da melhor maneira possível o tema do presente capítulo. O poderoso movimento para baixo, para as profundezas da terra e do corpo humano, penetra todo o mundo rabelaisiano de uma ponta à outra. Todas essas imagens, todos os preincipais episódios, todas as metáforas e comparações são tomadas por esse movimento. Todo o universo rabelelaisiano, no seu conjunto como em cada um dos seus detalhes, está dirigido para os infernos, corporais e terrestres”. (Bakhtin. Idem: 324).
O poder d’ars realista grotesco lança a mulher dos infernos do saber d’ars do princípio de prazer pulsional - anárquico - afeccional:
“A orientação para baixo é própria de todas as formas da alegria popular e do realismo grotesco. Em baixo, do avesso, de trás para frente: tal é o movimento que marca todas essas formas. Elas se precipitam todas para baixo, viram-se e colocam sobre a cabeça, pondo o alto no lugar do baixo, o traseiro no da frente, tanto no plano do espaço real como no da metáfora.
[...] O destronamento carnavalesco acompanhado de golpes e de injúrias é também um rebaixamento e um sepultamento. No bufão, todos os atributos reais estão subvertido, invertidos, o alto no lugar do baixo: o bufão é o rei do >mundo às avessas;.
O rebaixamento é enfim o princípio artístico essencial do realismo grotesco: todas as coisas sagradas e elevevadas aí são interpretadas no plano material e corporal. Já falamos da gangorra grotesca que funde o céu e a terra no seu vertiginoso movimento; a ênfase contudo se coloca menos na subida do que na queda, é o céu que desce à terra e não o inverso”. (Bakhtin. Idem: 325)
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