sábado, 5 de julho de 2025

"MINAS DE PRATA"

 José Paulo


Gentile foi o Jean Baudrillard realista modernista neoclássico da imagem do Estado integral. Gramsci fez dessa simples imagem uma tela da mente estética ocidental da época do mercantilismo capitalista europeu (Sombart. 1984: 83) da primeira metade do século XX. Em Gramsci, o Estado integral é sociedade política e sociedade civil, aparelhos repressivos e aparelhos de hegemonia e validade e faticidade, dominação e hegemonia (Buci-Glucksmann: 114). Hoje, o Estado integral aparece como poder estético, identificação estética, massas e sociedade de classe estéticas.
O anglo-americano criou uma imagem de cachorro-viralata do latino-americano como parte de sua dominação estética sobre as América, financiada pelo capital cultural (Bourdieu. 1994:39)do departamento de Estado americano. O anglo-americano criou uma imagem suja do Estado patrimonial barroco católico da Península em contraposição à imagem  pura do Estado puritano clássico anglo-americano:

“O pelourinho, um símbolo de justiça e de autoridade real, erguia-se no centro da maior parte das cidades portuguesas do século XVI. À sua sombra as autoridades civis liam proclamações e puniam criminosos. sua localização, no centro da comunidade, ilustrava a crença ibérica de que a administração da justiça era o atributo mais importante do governo. Portugueses e espanhóis dos séculos XVI e XVII achavam que a administração imparcial da lei e o desempenho honesto do dever público asseguravam o bem-estar e o progresso do reino; inversamente, o embaimento da justiça por funcionários avarentos ou grupos e indivíduos poderosos traziam a ruína e provocavam a retaliação divina. Em Portugal, a preocupação real com relação à justiça chegou a medidas draconianas no reinado de D. Pedro I (1357-1397), para quem a administração equalitária da justiça a ricos e pobres tornou-se uma fixação psicótica. Inúmeras vezes tratados eruditos a as próprias leis versavam sobre a justiça como sendo a primeira responsabilidade do rei. Do século XIII ao XVII, os portugueses viam uma estreita relação entre o rei e a sua lei”. (Schwartz: 3-4). 

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Nas ciências das telas, o Estado integral é: anjos de demônios, ethos e páthos, eros e tanatos, lógica gramatical e ideologia quimilato, retórica estética e modo de ser psíquico sublimatório, stásis e pólemos, obra-de-arte, isto é, o Estado lacaniano com poder estético e tela da mente estética. (Bandeira da Silveira. cap.12. Agosto/2022). 

No romance político “Minas de prata”,no capítulo 3, volume 1, o Estado emerge na cidade de Salvador, Bahia, com a chegada do homem da aristocracia luso e sua classe dirigente e burocracia. A imagem estética deste fenilomenico beira o sublime pela identificação estética da massa estética barroca reunida na Igreja para a festa barroca cívica-religiosa:

“Chegava o governador D. Diogo de Meneses, conduzindo debaixo de pálio pelos juízes e vereadores do conselho. e acompanhado por D. Diogo de Campos, sargento-mor do Estado do Brasil, pelo alcaide-mor da Bahia, Álvaro de Carvalho, provedor da fazenda, o desembargador Baltasar teles, ouvidor, escrivão dos contos e mais gente do serviço de El-rei”.

A imagem estética do aparelho de hegemonia não é de cachorro-vira-lata:

“Do outro lado via-se a poltrona episcopal, vaga pela ausência de D. Constantino Barradas, que se achava de visita na capitalia de Pernambuco; seguiam-se as dignidades da Sé e o coro dos cônegos; no fim havia um banco de veludo roxo que devia ser ocupado pelo provincial dos jesuítas à direita do dom abade de São Bento e do custódio dos franciscanos”. (Alencar. Minas de prata. v. 1: 23).

O jesuíta representa o general intellect gramatical (Bandeira da Silveira;05/2022)  sacro, a democracia barroca sacra tupi-guarani e não o fascismo da insurreição colonial -  na ideologia política iluminista liberal do Marquês de Pombal acreditava. ( Falcon. 1993; Faoro. 1994). 

A identificação estética da massa estética com o poder estético angelical é quase universal se não fosse por uma jovem quase herege e os olhares libidinais entre belas jovens e belos rapazes na Igreja:

Mais longe, as duas meninas, logo que começara o sacrifício, haviam cessado a conversa e emudecido no santo respeito que lhe inspirava o sublime mistério da religião cristã; mas o espírito de Elvira, rebelde e tenaz, voltava às suas preocupações apesar de todos os esforços que ela fazia para afastá-lo de tais ideias e trazê-lo à oração, que os lábios balbuciava automaticamente”. (Alencar. Minas de prata. v. 1: 26). 

A igreja aparece como um modo de ser psíquico sublimatório para a massa de fiéis misturado com olhares carnais dos jovens:

“Inesita, essa estava inteiramente absorvida pela oração; o espírito de Deus a dominava; e só de espaço em espaço, nos momentos em que a alma saindo da meditação lembra-se que tem um corpo, a tímida menina sentia-se viver pela recordação do lugar onde estava e da proximidade de Estácio; então sem ver, adivinhava que o olhar do moço a envolvia em um raio de amor, e estremecia com a sensação de gozo inexprimível. (Idem: 27). 

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O romance político “Minas de Prata” faz pendant com a história colonial barroca ou com a história do século monárquico de d. Pedro II? Ele cria e recria uma tela da mente estética da classe governante, do passado estético da monarquia: 

“D, Diogo de Menezes era um verdadeiro fidalgo no porte senhoril como no caráter egrégio; achava-se então no vigor da idade, no período de transição dos quarenta para os cinquenta anos, em que então os homens daquela têmpera chegavam ao perfeito desenvolvimento de sua organização e adquiriam a robusta virilidade, que ilustrou a história de tantos feitos brilhantes.

O grave parecer esclarecido por um espírito superior era o documento do passado honroso e o prenúncio da carreira ilustre que ainda tinha a percorrer; a severidade não excluía a afabilidade das maneiras e a polidez do trato, que caracterizavam o fino cavalheiro.

Homem do governo, escravo do dever, para quem a lei era religião, e a honra culto; conhecia-se contudo que ele compreendia, e talvez mesmo sentisse ainda, o entusiasmo heróico e cavalheiresco, que iluminara as lendas e os romances da média idade, e já então apenas lançava os frouxos clarões da luz que bruxuleia ao extinguir-se”. (Alencar. Minas de Prata: 24). 

A tela da mente estética do governador é o R.S.I. luso colonial:

“<Real>, <imaginário>, <simbólico> vale tanto quanto a outra tríade com que, para dar ouvidos a Aristóteles, dava-nos o sumo da composição do homem, a saber, nous, psyché, soma, ou, ainda, vontade, inteligência, afetividade”. (Lacan. S. 23: 142). 

Dos fatos da lógica gramatical, retórica, ideológica que se encontra em Lévi-Strauss:

“Desde que se pretenda privilegiar o conhecimento histórico, sentimo-nos no direito (que de outra maneira não pensaríamos reivindicar) de salientar que a própria noção de fato histórico encobre uma dupla antinomia. Pois, por hipótese, o fato histórico é o que, realmente, se passou; mas, onde se passou alguma coisa? Cada episódio de uma revolução, ou de uma guerra, se resolve numa multidão de movimentos psíquicos e individuais; cada um destes movimentos traduz evoluções inconscientes e estas se resolvem em fenômenos cerebrais, hormonais ou nervosos, cujas referências são de ordem física ou química. Por conseguinte, o fato histórico não é mais <dado> que os outros; é o historiador, ou o agente do devir histórico, quem o constitui por abstração, e como que sob ameaça de uma regressão ao infinito”. (Lévi-Strauss. 1976: 292-293) 

O fato histórico é um fato estético da vida química, de uma realidade posta por um poder estético na tela da mente estética territorial ou virtual das classes sociais como modo de ser psíquico barroco do Brasil colonial, por exemplo: 

“Desde que alguém se proponha a escrever a história da Revolução Francesa, sabe (ou deveria saber) que esta não poderá ser, simultaneamente, e ao mesmo título, a do jacobino e a do aristocrata. Por hipótese, suas respectivas totalizações (cada uma das quais é anti-simétrica com a outra) são igualmente verdadeiras. É preciso, pois, escolher entre dois partidos: seja reter principalmente uma delas, ou uma terceira (porque há uma infinidade delas) e renunciar a procurar na história uma totalização de conjunto de totalização parciais; seja reconhecer a todas uma realidade igual: mas, apenas, para descobrir que a Revolução Francesa, tal como falam dela, não existiu”. (Idem: 294). 

O poder estético musical em Lévi-Strauss é constitutivo da realidade histórica: 

“Imaginemos arqueólogos do futuro, vindos de outro planeta, quando toda a vida humana já tiver desaparecido da superfície da terra, a investigar o sítio de uma de nossas bibliotecas. Esses arqueólogos ignoram tudo de nossa escrita, mas tratam de decifrá-la, o que supõe a descoberta prévia de que o alfabeto, tal como o imprimimos, se lê da esquerda para a direita e de cima para baixo. Contudo, uma categoria de volumes permanecerá indecifrável desta maneira. Serão as partituras da orquestra, conservadas no departamento de musicologia. Nossos sábios obstinar-se-ão, sem dúvida, em ler as pautas musicais uma após outra, começando pelo alto da página e tomando-as todas em sucessão; depois, perceberão que certos grupo de notas se repetem com intervalos, dee maneira idêntica ou parcial, e que certos contornos melódicos, aparentemente afastados uns dos outros, oferecem analogias entre si. Talvez se perguntem, então, se esses contornos, ao invés de ser abordados em ordem sucessiva, não devem ser tratados como os elementos de um todo, que é necessário aprender globalmente. Terão então descoberto o princípio do que dominamos <harmonia>: uma partitura de orquestra não tem sentido se não for lida diacronicamente segundo um eixo (página após página, da esquerda para a direita),, mas, ao mesmo tempo, sincronicamente, segundo o outro eixo, de cima para baixo> Ou seja, todas as notas situadas na mesma linha vertical formam uma grande unidade constitutiva, um feixe de relações”. (Lévi-Strauss. 1975: 244). 

O feixe de relações apresentariam a propriedade - na tela da mente estética da prática política estética - sobre a realidade do poder estético barroco colonial do governador da Bahia.      

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Nas ciências das telas, há a subsunção da forma de consciência do individualismo metodológico (Kelsen. 1993:343) ao signo ideológico, à semiótica ideológica (Bakhtin. 1981:36,38,53). Depois, há a subsunção do signo ideológico ao <poder da metáfora>, ersatz de poder estético da gramática retórica (Paul de Man: 26):

“A passagem é sobre a superioridade estética da metáfora em relação à metonímia, mas essa reivindicação estética é feita por meio de categorias que são a base ontológica do sistema metafísico que permite que a estética exista como uma categoria [...] Finalmente, na segunda parte da passagem, a metáfora da presença não apenas aparece como a base da cognição mas como o desempenho de uma ação, prometendo assim a reconciliação da mais destrutiva das contradições. A essa altura, o investimento no poder da metáfora é tal que se pode considerar um sacrilégio colocá-lo em questão”. (Paul de Man: 30). 

O poder estético faz de um nobre castelhano uma gramática retórica do referente com força de direito do passado estético da monarquia de d. Pedro II:

“Elvira e sua amiga dirigiram-se à pia de mármore branco colocada à porta, como de costume; a alguma distância seguiam D. Luisa de Paiva conversando com o pai de Inesita. Era este, D. Francisco de Aguilar, nobre castelhano, senhor do engenho <Paripe>, homem principal, como se dizia naquele tempo.

Alto, robusto, ainda verde e bem conservado, D. Francisco era o verdadeiro tipo do <hidalgo> andaluz. Orgulhoso de seu sangue, de sua pátria e de seus cabedais, altivo no trato dos que julgava inferiores, seco nas maneiras, tinha contudo a verdadeira nobreza, que a educação e o hábito podem apurar, mas não é o privilégio dos brasões, pois a dá o coração; sabia ser grande e generoso quando os prejuízos da fidalguia não se opunham aos impulsos de sua alma”. (Alencar. Minas de Prata: 30). 

chame a atenção a hierarquia estética social na página desse ,homem cordial> muito próxima ao poder estético selvagem de Lévi-Strauss: 

“Os cadivéu constituem uma sociedade hierárquica, organizada em três grupos endógamos ou castas. Em seu desenvolvimento social, bem como no de seus vizinhos, essa hierarquia nascente já é o lugar da emergência, se não de um poder político no sentido estrito, pelo menos de relações de domínio: a condição inferior das mulheres, a subordinação dos jovens aos velhos e o desenvolvimento de uma aristocracia hereditária. Contudo, enquanto essa estrutura latente de poder é, entre os grupos vizinhos dos Guaná e  dos Bororos, mascarada por uma divisão em partes que se distribuem pelas três castas, e cuja troca exogâmica parece funcionar de maneira não-hierárquica e essencialmente igualitária, ela se mostra declaradamente presente na vida dos Cadivéu como desigualdade e conflito de superfície. As instituições sociais dos Guaná e sos Bororo, por outro lado, constituem um reino de aparência, em que a verdadeira hierarquia e a desigualdade são dissimuladas pela reciprocidade das partes, e em que, portanto, <a assimetria de classe é equilibrada …pela simetria das ‘partes’>. (Jameson. 1992:71). 

O <homem cordial> andaluz é irmão do <homem cordial> luso-brasileiro?    

“Nada mais significativo dessa aversão ao ritualismo social, que exige, por vezes, uma personalidade fortemente homogênea e equilibrada em todas as suas partes, do que a dificuldade em que se sentem, geralmente, os brasileiros, de uma reverência prolongada ante um superior”. (Holanda. 1988: 108).

O homem cordial não é o homem gramatical quimilato? 

“O desconhecimento de qualquer forma de convívio que não seja ditada por uma ética de fundo emotivo representa um aspecto da vida brasileira que raros estrangeiros chegam a penetrar com facilidade”. (Holanda. 1988: 109).

Essa imagem visual do dominante brasileiro perdurou como ideologia dominante estética da  literatura à sociologia; ela hoje desapareceu da tela da mente estética?

“Podemos sugerir que, desse ponto de vista, a ideologia não é algo que informa ou envolve a produção simbólica; em vez disso, o ato estético é em si mesmo ideológico, e a produção da forma estética ou narrativa deve ser vista como um ato ideológico em si próprio, com sua função de inventar ‘soluções’ imaginárias ou formais para contradições sociais insolúveis”. (Jameson. 1992:72). 

As contradições insolúveis (do dominante senhor escravocrata na sociedade capitalista com o povo negro liberto pela princesa Isabel) derrubou a monarquia bragantina. Contradições insolúveis de uma subjetividade burguesa que continua escravocrata no trato com as classes sociais inferiores. Tal lógica gramatical retórica-estética cria e recria uma guerra hierárquica de um pastiche paródico de um poder estético monstruoso do rico contra o pobre através do controle que o rico detém na TV, Youtube, no aparelho de Estado e no parlamento.  

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Pero Vaz de Caminha foi o fidalgo luso escrivão da descoberta do Brasil. Sua Carta do descobrimento é a primeira peça estética a falar do Brasil. Muito se discutiu a gramática da carta buscando uma confirmação de que a descoberta foi intencional. Não se percebeu até hoje que ele é o signo estético do general intellect gramatical? O “Minas de prata” tem a personagem Vaz Caminha. Este é o primeiro  advogado luso de Salvador na época do domínio espanhol sobre Portugal, os 60 anos da era dos Filipe. Vaz Caminha é o sujeito lacaniano do general intellect gramatical colonial do romance político:

“do sujeito que um discurso sujeita como tal à produção , desse sujeito que há matemáticos que qualificam de criativo. Resta deixar claro que é realmente de sujeito que se trata, o que é corroborado pelo fato de que, na minha lógica, o sujeito se exaure ao se produzir como efeito de significante, mantendo-se tão distante deste, é claro, quanto um número real de uma sequência cuja convergência é racionalmente assegurada”. (Lacan. S. 19: 166). 

Trata-se de achar a gramática que produziu o sujeito como efeito dela. A história do advogado Vaz Caminha ilumina essa gramática. É a biografia do aldeão que se torna intelectual do rei, do general intellect gramatical real:

“Vaz Caminha era natural da vila de Arraiolos, em Portugal, e descendente de uma família de aldeões, para quem o mundo não existia além do estreito horizonte em que se debuxava o campanário da igreja paroquial.

O futuro legista estava condenado a vegetar nos labores campestres, se a natureza deserdando-o da robustez e vigor proverbial na família, não o houvesse predestinado para uma vida espiritual e meditativa: nascera de sete meses e mostrara desde logo que pouco desenvolvimento teria sua organização acanhada. ]

[...]

Finalmente um monge do convento do Laios tomou o menino sob sua proteção, e depois de o haver feito aprender as pueris e gramaticais, mandou-o ouvir na universidade de Coimbra as aulas maiores de degredos; porém, o moço estudante preferiu dedicar-se à jurisprudência, e seu protetor atendendo às boas disposições que mostrava, não o contrariou”. (Alencar. Minas de Prata. v. 1: 41). 

O corpo de Vaz Caminha não apropriado para o trabalho produtivo de mais-valia no campo o torna um enjeitado pela família. Um monge o salva da família e da vida de enjeitado na aldeia. Caminha se torna um cidadão da universidade Coimbra. O que significa isso? O enjeitado será um advogado graças ao aparelho de hegemonia de Estado universidade. A gramática desse aparelho de hegemonia funciona como um modo de ser psíquico sublimatório para Caminha, sublimação do corpo grotesco (inútil para a produção de mais-valia econômica) e da vida de campanário intelectual da aldeia. Caminha se encaminha para a produção de mais-valia gramatical, própria do general intellect gramatical. 

O bloco estético-político hegemônico na Península era a Companhia de Jesus. A ligação de Vaz Caminha com os jesuítas era um laço natural ao general intellect gramatical meio sacro meio pagão. O poder estético do jesuíta foi importante na com a aclamação do novo monarca luso D. João IV. A influência dos jesuítas foi enorme junto a D. João IV. Ora, o jesuíta é o sujeito sacro como poder estético barroco:

“sabendo também que é perigoso desmascarar as imagens, já que elas dissimulam que não há nada por trás delas. Assim farão os Jesuítas, que fundarão a sua política sobre a desaparição virtual de Deus e a manipulação mundana e espetacular das consciências - desvanecimento de Deus na epifania do poder - fim da transcendência que já não serve senão de alibe a uma estratégia completamente livre das influências e dos signos. Por trás do barroco das imagens esconde-se a eminência parda da política”. (Baudrillard. 1981: 15-16). 

A lógica gramatical retórica, ideológica jesuítica faz pendant com  poder estético barroco na produção do sujeito lacaniano general intellect gramatical: 

“- El-rei houve por bem dividir outra vez seu Estado do Brasil em dois governos separando as capitanias do Sul.

  • El-rei terá razão de assim proceder, senhor Baltasar Teles; mas não é menos certo que pouco avança, quem não segue o rumo direito. Ainda em 1577 se uniam os dois governos, e já os dividem!

  • Pensais com acerto, doutor Caminha. Porém não pensam assim vossos amigos, que tão certo como ser hoje quinta-feira, foram os motores disso.

  • Falais dos padres, senhor desembargador?

  • Falo dos da Companhia de Jesus, que bem conheceis

  • <Ubi effectus, ibi causa>. Que interesse podem ter eles na divisão?

  • O de vingar-se de D. Diogo de Meneses, pela audácia de lembrar-lhes o texto das Santas Escrituras. Os filhos de Jesus costumam esquecer que seu reino <non est de hoc mundo>”. (Alencar. mInas de prata. v. 1: 55). 

  • A política jesuítica do poder estético barroco faz pendant com a língua quimilato universal da vingança.   

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A passagem do modernismo ao pós-modernismo vai da economia política modernista da produção da mais-valia à economia política modernista do signo (Baudrillard;1981), à economia política modernista libidinal (Lyotard; 1974) e passa à impressionante economia política pós-modernista da sedução:

“A lei da sedução é primeiro a de uma troca ritual ininterrupta, de um lance maior onde os jogos nunca são feitos, de quem seduz e de quem é seduzido e, em virtude disso, a linha divisória que definiria a vitória de um e a derrota de outro é ilegível - e não há outro limite para esse desafio ao outro de ser ainda mais seduzido ou de amar mais do que eu amo senão a morte. Ao passo que o sexual tem um fim próximo e banal: o gozo, forma imediata da finalização do desejo”. (Baudrillard. 1991: 29).

A economia da sedução tem na femme fatale do romantismo uma espécie de poder sedutor?

“O poder seduz. Não no sentido vulgar de um desejo das massas, de um desejo cúmplice (tautologia que volta a embasar a sedução no <desejo dos outros>) - não; ele seduz pela reversibilidade que o persegue e sobre o qual se instaura um ciclo mínimo”. (Baudrillard. 1991: 55); 

 A Inesita alencariana é a imagem visual escrita da economia política modernista romântica da sedução?

“Era Inesita.

O, longo véu, que de manhã na missa lhe ocultava o rosto e disfarçava o talhe, desaparecera; agora o traje de gala deixava contemplar em seu brilho as graças da encantadora criação, que a natureza concebera em algum momento de enlevo e cristalizara com um beijo de mãe.

Tudo era mimoso e delicado no corpo gentil que palpitava de esperança e amor, ondulando no requebro suave, desatando nos movimentos faceiros como se a alma lhe vertesse dos lábios, para embebê-la de luz e envolvê-la toda em um só e único sorriso”. (Alencar. Minas de prata. v. 1: 77). 

O poder sedutor de Inesita já é o poder estético [como poder d’ars com força de direito] que imita a natureza  (Kantorowicz. 1984: 12):

“O corpilho de lhama de ouro, atufando-se para debuchar o relevo de dois seios de virgem, depois estreitando para moldar o talhe esbelto e senhoril, cerrava a cintura de menina, e abria as asas sobre as amplas dobras da saia de raso branco, que arfava com o influxo das formas sedutoras”. (Alencar. Idem: 78).

Bem! há no “Minas de prata” a transição da economia política da sedução para a economia política do quimilato pulsional lacaniano?

“Um instante, inesita, pálida e trêmula, esteve sob a influência magnética do olhar de Estácio, como sentindo aquele raio luminoso deslizar-lhe pelo rosto e abrasar-lhe as faces; até que as pálpebras ergueram-se a medo. De um volver ela viu o gesto de admiração ardente que se pintava no semblante do moço.

Ergueu a cabeça desvanecida: o sorriso de adoração, que a dejava nos lábios de estácio, acabava de refletir como um espelho sua beleza deslumbrante.

Seu olhar envolveu amorosamente as feições do moço com ondas de luz; depois fitou-se no escudo, e procurou decifrar com o coração, mais que com o espírito, o enigma da divisa. Um quer que seja lhe dizia que ali havia uma palavra para ela; na impossibilidade de traduzir, soletrava decorando uma a uma as letra”. (Alencar. idem: 80).

Estácio na mão “esquerda tinha passado o escudo sobre o qual via-se a letra: <Amor vincit omnia”.  A relação amorosa escópica entre os jovens já é a economia política modernista romântica da lìngua quimilato alencariana:

“Esse lembrete é o bastante para justificar que tenhamos insistido preferencialmente na pulsão escópica e em seu objeto imanente: o olhar”. (Lacan. 2003: 224). 







 

  

 




      

 

   























                                   





   










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