terça-feira, 12 de novembro de 2024

FERNANDO PESSOA - luzes de sentido R.S.I.

 

José Paulo 

 

Meu objetivo é ler Fernando Pessoa no campo das gramáticas de sentido do campo político luso de gosto. Começo com o jornalismo:

“Não apreciamos, é bom que se confesse, o espírito jornalístico ou a mentalidade jornalística. Amantes extremamente da lógica na exposição e da sociologia na interpretação – resultantemente  [?] vemos por um lado o artigo de jornal, fragmentadamente lógico como se impõe que seja, e por outro sociologicamente incompleto – tudo isso porque limitado interna e externamente, isto ´é, porque não podendo, como um livro, declarar guerra a limites, nem como tratado ou a dissertação fechar-se em linguagem especialista [?] não [...] o senso comum”. (Fernando Pessoa. 1978:159).

O jornalismo brasileiro da atualidade é um domínio não estudado pelas escolas de comunicação ou de ciência social. Todavia, a forma lógica da exposição se deve a artistas (romancista etc.) que fizeram do jornalismo uma profissão, como Nelson Rodrigues e tantos outros. Bem! as novas gerações de artistas da palavra não se dedicam ao jornalismo áudio/visual. Assim, perde-se a forma lógica da exposição na profissão do jornalista. Há jornalistas com doutorado em linguística, mas eles não conseguem fazer do jornalismo áudio/visual uma ciência\ da gramática de sentido do significante linguístico. O uso de especialistas de uma ciência social do século 20 e do comentarista em filosofia do jornal cria uma distância entre a tela audiovisual e o auditório, pois, o comentarista em filosofia é parte da comunidade psíquica de significante (CPS) da retórica, criada na primeira metade do século XIX.

A gramática de sentido hiperbólica é um fenômeno da prosa de Fernando Pessoa, tal gramática cai no gosto da CPS do perverso verdadeiro, que faz da gramática um teatro do mundo:

“Chegado ao ponto de subir a escada da política construtiva, vai mal ao coxo a sugestão de o não ser. Os degraus são muitos altos e para dar o pulo de um ao outro é preciso mais musculatura nos membros inferiores. Isto é exageradamente metafórico, mas hiperbolicamente certo. (Fernando Pessoa. 1978: 167).

A ciência política coxa do político brasileiro, do jornalista, do juiz se deve a forte presença das gramáticas de sentido de significante do retórico:

“Dos lloyd Georges da Babilônia

Não reza a história nada.

Dos Briands da Assíria ou do Egito,

Dos Trotskys de qualquer colónia

Grega ou romana já passada,

O nome é morto, inda que escrito.

Só o parvo dum poeta, ou u louco

Que fazia filosofia,

Ou um geómetra maduro,

Sobrevive a esse tanto pouco

Que está lá para trás no escuro

E nem a história já história.

Ó grandes homens do Momento!

Ó grandes glórias  a ferver

De quem a obscuridade foge!

Aproveitem sem pensamento!

Tratem da fama e do comer,

Que amanhã é dos loucos de hoje!

Álvaro de Campos. (Fernando Pessoa. 1978: 165).

Há essa analogia entre o campo político da antiguidade da civilização com recalque com o campo político mundial da atualidade de Pessoa. O passado e o presente falam do político louco de hoje [e do campo da antiguidade] como proprietário do futuro. O campo político requer uma grandiosa gramática de sentido hiperbólica no hoje para os povos terem horizonte. O que é o grande político “aproveitar sem pensamento”? Qual pensamento? O campo político não tem como proprietário o ideólogo. Na atualidade, os fascistas fizeram da política o artefato da retórica ideológica. essa simplificação da política permite que débeis mentais se tornem: presidente, deputado, senador, governador, prefeito etc., pois, o nome desse político é morto ainda que escrito nos anais do Congresso.     

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O campo político republicano luso é a conciliação barroca:

‘Este problema das vicissitudes [do humanismo espiritualizado barroco], se torna muito evidente se considerarmos a mudança da concepção mitológica. Aqui há de novo a particularidade de que quer gozar a vida, e de uma espiritualização, ao contrário, distante do mundo, co0nfluem num primeiro tempo artificialmente e depois naturalmente, segundo as leis barrocas da conciliação do que é em aparência inconciliável (lei que opera de maneira lenta) (Hatzfeld: 61),

Fernando fala da republica que ele vê e sente:

“A república actual é a continuação do estado de cousas da monarquia, com simplesmente isto a mais: a abolição do facto que impedia sequer a pensabilidade de melhorar esse estado de coisas. Porque é a república, i. é, será não a causa, mas a condição de um progresso ulterior. A [...] república indica que uma corrente social se substituía a outra no estado: mas essa substituição não é feita como a de um peão por uma rainha no xadrez. O estado de cousas social não muda de momento; começa a exercer-se sobre ele obscuramente a influência de uma outra corrente, purificadora esta, que lentamente vai alterando esse modo-de-ser social. Claro está que os homens que vão à frente dessa corrente no deslizar gradual de(...) antigo são os que mais se parecem – por falta de sinceridade [?], de modéstia, de competência, com os homens do anterior regime”. (Fernando Pessoa. 1978: 155-156)

A conciliação barroca entre o velho e o novo é coisa da Revolução Francesa (Tocqueville: 42-44), é o mais-gozar da nova comunidade psíquica de significante nacional burguês-moderno, e isso não existe na Revolução americana, esta não tem passado de forma de governo para ser conciliado com a forma de governo da atualidade.

A comunidade psíquica de significante homem de ação na política tem sua presença na gramática de sentido de Pessoa:

“ 61 – (...) psíquicos são igualmente características de todos os homens de acção, de todos os tempos; eles seriam, se existissem, absolutas peias, constantemente atrasando os gestos. E, finalmente, se, passando para a esfera da Vontade, fossemos mostrar que Costa é intolerante, duma energia despótica, (...) o mesmo reparo merecíamos que nos fizessem. Porque essa condição da vontade impõe-se que exista em todo o homem de acção, em todo o condutor de homens. Sem ela, ele não o seria”. (Fernando Pessoa. 1978: 168).

Seria Costa um aparelho de hegemonia molecular da comunidade psíquica homem de ação de significante Estado republicano?:

‘Mas – e aqui começa a haver a análise legítima – dentro desses detalhes psíquicos, dentro da incapacidade de abstração, da ausência de sentimentalidade vulgar, de dureza e agressividade da vontade, cabem muitos graus, muitos matizes, muitas diversidades. Entram aqui em jogo, já, outros factores, precisamente aqueles que dependem do meio onde o meneur vive, da gente que conduz, representando-a”. (Fernando Pessoa. 1978: 168).       

 Pessoa quer falar da prática política lusitana/republicana?:

“No ponto de vista ideativo, Costa distingue-se por uma instabilidade ideativa quase absoluta, limitada apenas por aquelas ideias, das quais não pode abdicar, porque, se delas abdicasse, abdicaria do seu poder. Isto é, a sua instabilidade ideativa não o leva a passar de republicano para monárquico; tal erro ser-lhe-ia mortal, nem podia tal erro ser cometido por quem é um meneur, um condutor de homens. Mas, à parte essas ideias que ele tem de ter por força, sob risco de perder a sua influência, muda de ideias como a gente dos outros partidos muda de camisa. Hoje germanófilo, anglófilo amanhã etc...”. (Fernando Pessoa. 1978: 168).

O campo político das formas de governo é ditadura e democracia. passado e atualidade, como no campo político de 1988 do Brasil. Um homem de ação como Lula [um condutor de eleitorado] teria que ter a vontade de ferro deum Getúlio Vargas para se manter no governo federal de Brasília. Ele teria que ser Getúlio, não um Costa despótico, um Getúlio despótico contra o dominante e não contra o dominado.  Ele teria que ser como dominação/hegemonia. Não o é!

 A falta de aparências de semblância autênticas (Arendt: 31) do mundo político luso revela o falso perverso histérico em suas relações com o dominado: “Instabilidade de ideias, feitio destrutivo como como legislador (A[ntónio] J[osé] d’A[lmeida, que é um histérico evidente, oscila entre o destrutivo e o construtivo e não fica só no destrutivo).

No campo sentimental, a inteira falta de generosidade, e magnanimidade, de tolerância, nem por ímpetos”. (Fernando Pessoa. 1978: 169).         

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A ciência política materialista/dialética de Fernado Pessoa pode ser conhecida como paraconsistente?  Newton da Costa poderia ter incluído Pessoa no seguinte trecho:

“Desde Heráclito, passando por Hegel, Marx e Lenin , e, em nossos dias Wittgenstein [e acrescento Fernando Pessoa], tem havido filósofos admitindo que a contradição pode ser aceita em teorias e contextos racionais que expressam conhecimentos legítimos”. (Newton da Costa: 170).    

Pessoa:

“A suprema verdade que se pode dizer de uma coisa é que ela é e não é ao mesmo tempo. Por isso, pois, que a essência do Universo é a contradição [...], uma afirmação é tanto mais verdadeira quanto maior contradição envolve”. (Fernando Pessoa. 1978: 8).

Pessoa trabalha com gramática de sentido paraconsistente a partir do conceito de crise nacional da <sociedade decadente> europeia. Ele vê essa crise política em sua época de vida:

“No primeiro caso – o de uma decadência definitiva – reacção e radicalismo são a dupla forma do princípio desintegrador que tem por fim escangalhar completamente a vida social em todas as suas formas, reduzindo a nada o equilibrismo, forçando a empregar força por uns ou por outros e finalmente ou reduzindo à potencial indiferença dos decadentes, ou absorvido por uma ou outra forma de destruição social. Isto vai no extremo degenerativo dos campos, até ao aluir anárquico e impotente da nacionalidade geralmente pela intervenção de outros países pelo retalhar [...] do território onde os restos dos que foram equilibrados fitam numa indiferença que já não espera [...] se é dolorosa, a morte da nacionalidade, e a liquidação em subversão abjeta ou eliminação artilhada dos restos dos entes degladiantes [,] elementos reaccio-radicais. É para avançar ressalvada a alteração crítica que produziu o aparecimento de [...] factores novos [...] (...) a França contemporânea”. (Fernando Pessoa. 1978: 188-189).  

À ideia de <campo> dialético/materialista se acrescenta a ideia de <modo de ser psíquico>:

‘Facilmente se vê como ideações tão aparentemente divergentes nascem do mesmo fundamental modo de ser psíquico, caracterizado nuns e noutros por uma biforme perturbação do substrato da vida social, originária numa má conformação cerebral nos reaccionários ou radicais de temperamento e por um nervosismo menos mórbido mas susceptível de ser morbidamente influenciado nos [...] radicais e reacionários”.

“Aparecendo em todas as épocas de decadência curável ou total, indiferentes mórbidos e desequilibrados ...(Fernando Pessoa. 1978: 187).  

O campo paraconsistente é plurivocidade de gramática de sentido de comunidade psíquica de significante do político sem conciliação barroca agenciado pela contradição material: reacionário versus radical. A stásis promovida por uma comunidade psíquica de significante do político é a chave para o entendimento da conjuntura da história da civilização europeia de polícias [recalcada nos jogos de significantes] da primeira metade do século XX. Falo da CPS do falso perverso que transformou o planeta em um teatro de guerra de significante-semblante inautêntico de uma teologia alemão noir da stásis/pólemos (Schmitt:55).

O conceito de crise política de Pessoa é passível de se tornar análise concreta de situação concreta hoje? (Lenin. 1982: 10; 1982. Tome 3: 20).             

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A gramatica de sentido do campo político simbólico não se reduz ao imaginário do político:

‘O que constitui rem si a energética é que é preciso achar um truque para obter a constante. O truque conveniente, aquele que é bem-sucedido, é suposto conforme o que chamamos de realidade. Mas eu distingo completamente, de uma parte, esse suposto real, que é esse órgão, se assim posso dizer, que não tem absolutamente nada a ver com um órgão carnal, através do qual imaginário e simbólico estão enodados e, de outra parte, o que, da realidade, serve para fundar a ciência”. (Lacan. S. 23: 129).

O corpo político (o político) é o órgão de enodamento do imaginário e simbólico. Não há gramática de sentido do político que não seja um efeito do R.S.I., dos jogos de significante-semblante no político - de onde sai a gramática de sentido da realidade do campo político R.S.I.

Há essa gramática de sentido RSI no TEXTO de Pessoa?

No livro “O anjo pornográfico, o autor fala do Pai de Nelson Rodrigues como Perverso, cínico. (Costa:43). Sem, talvez, se perceber os efeitos o biografo fala de Nelson como tendo u fetiche com o umbigo de uma odalisca no carnaval. (Castro: 27). Pai perverso e filho perverso? Ora, Harold Bloom diz que Fernando pessoa é um perverso? :

“Pessoa deu a todos os três poetas biografias e fisionomias, e permitiu que todos fossem independentes em relação a ele, tanto assim que se juntou a Campos e Reis para proclamar Caeiro seu <mestre> ou precursor poético. Pessoa, Campos e Reis foram todos influenciados por Caeiro, não por Whitman, e Caeiro não foi influenciado por ninguém, sendo um poeta <puro>., ou natural, quase sem educação, que morreu na idade alto-romântica de vinte e seis anos. Octávio Paz, um defensor de Pessoa, resumiu esse poeta quadruplo com excelente economia: Caeiro é o sol em cuja órbita Reis, Campos e o próprio Pessoa ainda giram. Em cada um deles há partículas de negação e irrealidade. Reis acreditava na forma, Campos na sensação, Pessoa em símbolos. Caeiro não acreditava em nada. Ele existe”. (Bloom: 463).

O teatro do mundo do perverso verdadeiro tem em Caeiro o sol, o significante-semblante das aparências de semblância autêntica do campo político das artes da gramática de sentido RSI de Fernando Pessoa e os poetas alternativos por ele criados:

“A  estudiosa portuguesa Maria  Irene Ramalho de Sousa Santos, que despontou como crítica canônica de Pessoa, interpreta os heterônimos como a <leitura> dele, ‘meio cumplice, meio enojada, de Walt Whitman, não só da poesia de Whitman, mas também da sexualidade e política de Whitman’. O mal reprimido homoerotismo de pessoa emerge no furioso masoquismo de Campos, dificilmente whitmaniano; e a ideologia democrática de Leaves of Grass era i9naceitável para u monarquista português visionário”. (Bloom: 463).

Para mim, o essencial é o modo de ser psíquico como comunidade psíquica de significante do político. A gramática de sentido RSI de Pessoa do político pode ser aplicada na atual conjuntura mundial?

Na Europa da metade do século XX, o campo político conjuntural europeu foi invadido pelo partido do nacional socialismo. Assim, a contradição reacionário versus radical se transforma em nó com gramática de sentido reacionário/radical. Esse novo modo de ser psíquico foi uma das causas da Segunda Guerra Mundial. O modo de ser psíquico reacionário/radical ressurge com a vitória de Donald Trump em 2024.

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Da periferia lusa do continente, Pessoa se esforça por pensar o desastre português. Ele fala que a França fez uma revolução nacional moderna. Essa revolução criou um novo mundo, segundo Hegel:

“uma modificação pela qual o indivíduo, como efetividade especial e como conteúdo peculiar, se opõe àquela efetividade universal. Essa oposição vem a tornar-se crime quando o indivíduo suprassume essa efetividade de uma maneira singular, ou vem a tornar-se um outro mundo – outro direito, outra lei e outros costumes, produzidos em lugar dos presentes – quando o indivíduo o faz de maneira universal e, portanto, para todos”. (Hegel. 1992: 194).

Ora a Alemanha não fez uma revolução nacional republicana como a França:

“Quando os filósofos e literatos alemães do fim do século XVIII e princípios do século XIX ergueram aquele monumento artístico e filosófico de onde saiu a geração dos criadores que causou a Alemanha atual, essa  gente ergueu, no seio da Alemanha, um novo conceito inteiramente novo das cousas – conceito inteiramente novo que, por ter nascido na Alemanha, se mostrou Alemão. Na impossibilidade de reatar as tradições germânicas, criaram uma Alemanha nova [...]. Isto é exemplo do conceito antitradicionalista de Pátria. Pessoalmente, adiro a estre conceito; julgo inútil e mesquinha a cura escrupulosa de seguir as tradições. O Portugal das descobertas não seguiu tradição nenhuma: criou-se”. (Pessoa. 1978: 207).

O que faz a revolução alemã, senão criar e recriar um modo de ser psíquico, uma comunidade psíquica de gramática de sentido RSI para o alemão viver na nacionalidade da modernidade europeia. Portugal jamais criou uma comunidade psíquica de gramática de sentido lusitana:

‘O domínio espanhol significaria uma grande desgraça, uma grande vergonha, e um grande desastre nacional. Era a perda da nossa independência – não é assim? – o arrazamento da nossa pátria. Mas que diabo é isto em que vivemos? Vivemos como portugueses? Como vivemos, se não somos governados por homens orientados portuguesmente? como, se são estrangeiras as ideias que nos <orientam>? como , se de independência nacional temos apenas o nome e o espectro da cousa? Para que serve uma independência nacional, se não ´para se viver nacionalmente? Que diabo de independência nacional tem um desgraçado país que é internacionalmente um feudo da Inglaterra, que é nacionalmente um feudo do anti-português  Afonso Costa.? Se a perda declarada da nossa independência seria (e sê-lo-ia) uma desgraça e uma ver5gonha, em que é (salvo na absoluta evidência menos vergonhosa e menos desgraçada a triste situação em que estamos? Um Portugal onde internacionalmente só se pode ser inglês; onde nacionalmente só se pode ser francês (pois que francesas sejam as ideias republicanas que nos <governam>) – um Portugal onde, portanto, tudo se pode ser (<tudo> é um modo de falar) menos português, que espécie de <Portugal independente> é o que é? Que independência há nisto? Triste gente que se contenta com a triste aparência das cousas, e não vê um palmo adiante das sensações quotidianas para dentro da sua alma súbdita e oprimida!”. (Fernando Pessoa. 1978: 209-210).

No Brasil o jurista Raymundo Faoro (Faoro:1994) se pôs esse problema de se o Brasil construiu uma concepção política de mundo (Heidegger: 133) da brasilidade. Gilberto Freyre (Freyre: 1975) perguntou se tínhamos fabricado um modo de ser psíquico para viver na nacionalidade. Parece que nenhum nem outro foram compreendidos. Freyre fala de um modo de ser psíquico de gramática de sentido RSI mestiça. Fernando Pessoa fala de um Portugal de modo de ser psíquico feudal no século XX. Bem. um modo de ser psíquico de gramática de sentido feudal se instalou planetariamente com o mercantilismo/liberal do capital feudal originariamente asiático,

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Pessoa fala da realidade do campo político:

“Porque, no fundo disto tudo, a única realidade é o Costa. [...]. Há o Costa e seu partido”. (Fernando Pessoa. 1978: 211).

A realidade é do político ou do aparelho político. A realidade republicana pode ser Paiva Couceiro; é possível fazer uma leitura do campo político a partir dele?:

“Paiva Couceiro é um espírito ferrenhamente tradicionalista. Podemos não concordar – já disse que concordo – com esse conceito de nacionalidade. É preferível a conceito nenhum. Dentro do tradicionalismo pode haver patriotismo; fora ele, e não havendo a criação de novas ideais absolutamente nacionais, não vejo que patriotismo posa haver. Paiva Couceiro viu erguer-se uma instituição, a que alguns maduros e um grande número de gatunos chamaram <a nossa querida República> - e deve ter sentido, senão o pensou lucidamente – que essa instituição venha a arrancar tudo quanto restava – e não era muito – das tradições nacionais, sem lhes substituir absolutamente nada que mostrasse que era uma república portuguesa. (Fernando Pessoa. 1978: 208).

No Brasil do século XIX, d. Pedro II e o aparelho político família imperial criaram e recriaram um tradicionalismo nacional não retórico com a prática política governamental de fazer guerras as forças que queriam desintegrar o território brasileiro. A Guerra do Paraguai é um momento capital de tradição nacional não-retórica. Hoje, a família real se tornou bolsonarista, isto é, antinacional, pois Bolsonaro é o cínico que beija a bandeira dos EUA e diz que ama Donald Trump:

“Couceiro viu, ou deve ter sentido, que tal República ou o que quer que fosse, representava, nessas condições um atentado0 contra a Pátria. Era um de dissolução nacional. Não agia senão destrutivamente sobre quanto se pudesse considerar como energizador das almas portuguesas, como congregador das almas portuguesas numa única lusitana. Por isso o tradicionalista Paiva Couceiro sentiu a necessidade de conspirar. Ele foi sempre um grande soldado e um grande patriota; continuou sendo o mesmo soldado e o mesmo patriota. A sua superioridade moral sobre os estrangeiros da nossa República é incomensurável. No seu tradicionalismo exaltado, ele é, apesar de tudo, um português. Eles não são nada, nada. Estrangeiros, e estrangeiros estúpidos; que nem sequer vieram trazer à administração pública aquela honestidade cuja ausência na monarquia lhes serviu de trampolim paras as campanhas oposicionistas. A monarquia portuguesa, é certo, era um regimen de ladrões e incompetentes. Mas era um regimen que estava cã há oito séculos., que, pelo menos exteriormente, estava identificado se não com a nacionalidade, pelo menos com a existência ostensiva da nacionalidade. Substituí-lo por um regimen que, além de não ser nacional de modo nenhum, continuava as mesmas tradições (estas sim!) de gatunagem e de incompetência, agravando, se talvez não a gatunagem, por certo que a incompetência – eis uma cousa para que não valia a pena ter derramado sangue, perturbado a vida portuguesa, criado maior soma de desprezos por nós do que o que já havia no estrangeiro”. (Fernando Pessoa. 1978: 208-209).

O Estrangeiro, o estrangeirismo, ambos são o cosmopolitismo adotado pela elite republicana brasileira. A República fez desse cosmopolitismo à francesa e à americana uma máquina de guerra de propaganda e militar contra o desejo da população de participar de uma nacionalização/popular da forma de governo republicana. O governo republicano destruiu, com banhos de sangue, o desejo nacional/popular do de Canudos e do Contestado. Assim o aparelho militar governamental se tornou um fenômeno contra um regime nacional/popular republicano. Não houve, entre nós, a fabricação de uma gramática de sentido [de um aparelho de hegemonia de Estado] nacional/popular republicana:       

“Não concordo, talvez, nem com uma única das ideias que formam a base do conceito português da vida que Couceiro tem. Mas reconheço nele um português. Como português, não posso de deixar, ´por isso, simpatizar com ele. Nem por sombra me ocorre que possa haver comparação entre a sua atitude – se bem que, para min, errônea – e a estrangeirada atitude a que estes bandalhos da República chamam <patriotismo>”. (Fernando Pessoa. 1978: 209).

Na atualidade brasileira, ocorre a desintegração do modo de ser psíquico de gramática de sentido nacional de d. Pedro II.  A desnacionalização da família real é uma das desgraças da política retoricamente nacional da república do cosmopolitismo à americanismo de nossas elites retóricas do direto brasileiro do modo de ser psíquico da nacionalidade:

“Há mais ainda> estas ideias estrangeiras que hoje formam a fórmula pseudo-governativa da nossa sociedade, são, além de estrangeiras, revolucionárias; isto é, trazem consigo um duplo poder de desintegração social. Dificilmente se concebe um mais desgraçado estado nacional”. (Fernando Pessoa. 1978: 210).

A república da mimesis brasileira é cosmopolita, é uma forma de governo revolucionária que acaba ocupando o lugar do campo reacionário-radical. Assim, ela é uma forma de governo desintegradora, permanentemente, das telas verbais narrativas feitas pelo político e seus aparelhos políticos do modo de ser psíquico da nacionalidade, como Getúlio Vargas e Darcy Ribeiro.

A ditadura militar 1964 começou cosmopolita do liberal/mercantilismo do general Castelo Branco e de Roberto Campos. Depois, ela adquiriu a retórica da nacionalidade com o general Geisel; este ficou três  dia de cama, doente, ao dobrara os joelhos  para o governo americano no caso da privatização do <petróleo é nosso>. O regime de 1988 começou com uma Constituição nacional/popular e com a retórica nacional do velho regime. Ela forneceu uma gramática de sentido nacional/popular a ser desenvolvia na prática política governamental, do parlamento e do STF. Aliás, o que ocorreu foi a desnacionalização da prática política, dos políticos e seus aparelhos políticos. O que está em processo é a desintegração do território nacional criado por d. Pedro II. A Amazônia encontra-se ocupada por máquinas de guerra das economias ilegais e a ação governamental para voltarmos à poca de d. Pedro II é mais retórica do que realidade de uma prática política com gramática de sentido de nacionalidades territorial. Para a elite governamental e do STF o mundo é um teatro do perverso inautêntico nacional. o Congresso é cosmopolita e faz tudo para desnacionalizar a Amazônia. Tal fato está em consonância com a época do globalismo liberal pós-modernista. (Bandeira da Silveira; 2024).           

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O ministro da guerra de Israel diz que destruiu o Hezbollah. Parece um ato narrativo de uma podre retórica judaica para tripudiar povos que se defendem com paus e pedras. Orientei uma tese de um professor integralista sobre o integralismo de Plínio Salgado. Na época não havia para mim a distinção entre gramática de sentido do retórico e gramática de sentido da experiencia do político na prática política.  Há o integralismo luso e o integralismo brasileiro; este fez um golpe de Esta\do contra Getúlio Vargas e formou o maior partido de massa na década de 1930. O integralismo luso tem uma história muita rica e complexa e Fernando Pessoa falou dele.

O integralismo brasileiro foi um fenômeno retórico da velha retórica monarquista jurídica do século XIX? Ser principal ideólogo era um retórico brilhante de apaixonar as massas e os intelectuais. Ele ignora o que Pessoa não o faz. Pessoa faz analise concreta de situações concretas; e Plínio leu Lenin mas não assimilou as gramáticas de sentido materialista/dialética de Lenin:

“Cumpre considerar o Homem, não como peça de máquina, segundo pretendem os comunistas e os capitalistas, ambos baseados na mesma concepção materialista do universo.  E sim como um ente autônomo, com sua dignidade própria, sua personalidade de todo o ponto respeitável”. (Plinio: 26).

Pessoa fala do homem também:

“A ordem é nas sociedades o que a saúde é no indivíduo. Não é uma cousa: é um estado. Resulta do bom funcionamento do organismo, mas não é esse bom funcionamento. O homem normal só pensa na saúde quando está doente. Do mesmo modo, a sociedade normal só pensa na na ordem quando nela aparece a desordem, o homem normal quando adoece, procura, não simplesmente sentir-se outra vez de saúde, mas atacar a doença; afastada ela, do seu afastamento rsultará a saúde. De nada lhe serviria sentir-se de saúde, se essa sensação não proviesse do afastamento definitivo da doença, mas apenas de sua intermitência ou de uma anestesia qualquer. Na sociedade, semelhantemente, quando aparece a desordem, a sociedade sã procura logo, não manter a ordem, mas atacar o mal que produziu a desordem, a exclusiva preocupação de ordem é um morfismo social”.

“Levemos até o fim esta justíssima analogia. No individuo, a constante preocupação da saúde é um sintoma de neurastenia, ou de males psíquicos mais graves ainda. Na sociedade, paralelamente, a preocupação da ordem, é uma doença de espírito coletivo. Se os argumentos que acima expus não bastaram para insinuar esta conclusão no animo do leitor, ele pode verificar de todo a hipótese, reportando-a às circunstâncias sociais em que nasceu a moderna preocupação da ordem, e à espécie de cérebro onde ela surgiu definidamente”.

“Apareceu ela num período perturbado e abnormal da política francesa e em plena vigência da doença chamada romantismo. É, caracterizadamente, uma ideia romântica”.

‘O seu criador filosófico (o infeliz chamado Gustavo Comte) toda a vida sofreu de alienação mental”. (Fernando Pessoa. 1978: 220)    

A analogia do pensar do homem e da sociedade é um efeito da gramática de sentido do homem político em uma sociedade, não é uma analogia retórica. Homem e sociedade possuem páthos e ethos que conduzem seus pensamentos. Pessoa faz a gramática de sentido hiperbólico da comunidade psíquica de significante perverso verdadeiro como homem normal. Para ele, Augusto Comte era apenas um psicótico? Apenas páthos?          

 

   

    

             

 

 

           

 

sábado, 9 de novembro de 2024

Montaigne, totem e tabu, Há-um - sinthoma

 

José Paulo

 

Walter Benjamin fala do narrar como forma de comunicação de uma arte artesanal desintegrada pela evolução das relações técnicas de produção no campo político estético, como o saber transmitido de boca a boca, de ouvido a ouvido de uma experiencia individual ou coletiva (Benjamin: 37, 31, 32 etc.).   0 cronista é o narrador da história, e ele sobrevive ao diluvio que afogou o narrador no Brasil de um Nelson Rodrigues barroco/iluminista. Nelson fez do narrar uma gramática de sentido tátil da vida carioca como vida do homem, como vida da espécie humana da história das gramáticas de sentido da civilização policiada.

Starobinski estudou o texto de Montaigne como barroco-renascentista. (Starobinski: 294). Ele diz que este fez pendente com Shakespeare para criar o conceito ou imagem textual de que o mundo é um teatro de comédia. Ele diz que a imagem desse conceito já aparece antes de Platão:

“Montaigne, com toques dispersos e acumulados, desenvolve um velho tema, anterior a Platão, o qual lhe deu a dimensão do mito; explorado pelos estoicos e pelos céticos; reto0mado por Beócio; amplamente ilustrado na Idade média, especialmente por João Salisbury; argumento inesgotável dos moralistas e dos pregadores: o mundo é um teatro, os homens aí sustentam papéis, declamam e gesticulam como atores – até que a morte os expulse da cena. Tema utilizado ora para exaltar a onipotência de um Deus a uma só vez autor, encenador, e espectador, ora para denunciar as vãs ficções em que os homens se deixam apanhar. Montaigne não se abstém de citar a frase atribuída a Petrônio, Mundus universus exerct histrioniam, que encontrará seu eco nas paredes do Globe Theattre e na boca de Jacques, o Melancólico (As  you like it): o mundo inteiro representa uma comédia, o mundo inteiro é um teatro”. (Starobinski: 11).

O campo político é uma plurivocidade de gramáticas de sentido de tela teatral da comédia humana europeia dos príncipes, papas, sacerdotes, aristocracia, burguesia, camponeses, proletários etc.

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Em Freud, a perversão é gramática de sentido da pulsão sexual normal e patológica. O fetichismo é a gramática de sentido da comunidade psíquica de significante do perverso:

“O ponto de contato com o normal é proporcionado pela supervalorização psicologicamente essencial do objeto sexual, que inevitavelmente se estende a tudo que com ele se associe. Certo grau de fetichismo, portanto, está habitualmente presente no amor normal, especialmente naqueles seus estágios em que o objetivo sexual normal parece inatingível ou sua consumação é impedida”. (Freud. v. 7: 155).

Se o fetichismo é a essência do perverso no ser humano, deve-se partir daí para se pensar o mundo como teatro de comédia barroca?

Freud:

“O que se coloca em lugar do objeto sexual é alguma parte do corpo (tal como o pé ou os cabelos) que é, em geral, muito inapropriada para finalidades sexuais, ou algum objeto inanimado que tenha relação atribuível com a pessoa que ele substitui e, de preferência, com a sexualidade dessa pessoa (por ex. uma peça de vestuário ou de roupa íntima). Tais substitutos são, com alguma justiça, assemelhados aos fetiches em que os selvagens acreditam estarem incorporados aos seus deuses”. (Freud. V. 7: 154-155).

Fetiches integrados aos deuses do mundo como teatro são o governante: o rei, o príncipe, o papa, o sacerdote, a aristocracia, a burguesia, o camponês...O fetiche pode estar no mais gozar do olhar - da escopofilia das classes baixas) – da queda do governante para regiões baixas do corpo humano. Na gramática de sentido pulsional sexual freudiana:

“É usual para a maioria das pessoas normais demorar-se um pouco no objetivo sexual intermediário de um olhar que tem vestígios sexuais; com efeito, isto lhes oferece uma possibilidade de orientar uma parte de sua libido para objetivos artísticos mais elevados. Por outro lado, este prazer de olhar [escopofilia] torna-se uma perversão (a) se se restringe exclusivamente aos órgãos sexuais genitais, ou (b) se estiver associado à anulação da repugnância (como no caso os voyeurs ou pessoas que olham para funções excretórias, ou (c) se, ao invés de ser preparatório para o objetivo sexual normal, ele o suplanta”. (Freud. v. 7: 158). Na gramática de sentido freudiana a escopofilia é associada ao desejo como prazer de olhar. No teatro do mundo como comédia humana, a escopofilia é vinculada ao mais gozar do fetiche. O palco é a representação do fetiche teatral [o sublime governante lançado nos jogos de significante-semblância do baixo corporal] - que aparece como o mais gozar do auditório.       

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O homem grego da antiguidade era perverso? Por outro lado, a filosofia é a gramática de sentido de um discurso que não fosse do perverso?

Freud:

“Se isto não fosse verdade, como então explicar o fato de que os prostitutos masculinos, que se oferecem aos invertidos – tanto hoje quanto na antiguidade – imitam as mulheres em toda sua aparência externa, na vestimenta e nas atitudes?

Hannah Arend fala das aparências de semblância autêntica e inautêntica. (Arendt: 31).  O Sol é o significante=semblante autêntico para o olhar do homem que acompanha o nascer do Sol e o pôr do Sol. A ficção literária da fada Morgana ou do Saci-Pererê pode ser semblância inautêntica. O prostituto homem é semblância inautêntica do cinismo da percepção? Sabe que é homem, mas faz de conta que é mimeses de fêmea?

O teatro do prostituto para sua audiência de homens é essencialmente um discurso da comunidade psíquica de significante do perverso:

“Tal imitação, de outro modo, se chocaria, inevitavelmente, com o ideal dos invertidos. É claro que, na Grécia, onde a maioria dos homens mais másculos se incluía entre os invertidos, o que excitava o amor de um homem, não era o caráter masculino do rapaz, mas suas semelhanças físicas com a mulher e suas qualidades mentais femininas – sua timidez, sua modéstia, e sua necessidade de ser educado e de assistência. Logo que um menino se tornava homem, deixava de ser objeto sexual para os homens, e ele também, talvez, se tornasse um amante de rapazes. Neste caso, portanto, como em vários outros, o objeto sexual        não é alguém do mesmo sexo, mas sim alguém que combine os caracteres dos dois sexos; existe, portanto, uma conciliação entre um impulso que aspira por um homem e um que aspira por uma mulher, ao mesmo tempo em que permanece condição primordial que o corpo do objeto (isto é, os órgãos sexuais genitais) seja masculino. Assim, o objeto sexual é uma espécie de reflexo da própria natureza bissexual do indivíduo”. (Freud. v. 7: 145).

A natureza bissexual é a essência do homem da civilização com recalque, civilização policiada. A essência é bissexual e, no entanto, ela cria e recria efeitos de gramática de sentido do mundo fenomênico do aparecer como teatro da comédia humana, que é a comunidade psíquica de significante: neurótico, psicótico, perverso – como telas [gramatical, de gosto, ideológica ...] na superfície do campo político da civilização do recalque.

No final de sua vida, Freud insistiu:

“É bem sabido que em todos os períodos houve, como ainda há, pessoas que podem tomar como objetos sexuais membros de seu próprio sexo, bem como do sexo oposto, sem que uma das inclinações interfira na outra. Chamamos tais pessoas de bissexuais e aceitamos sua existência sem sentir muita surpresa sobre ela. Viemos a saber, contudo, que todo ser humano é bissexual nesse sentido e que sua libido se distribui, quer de maneira manifesta, quer de maneira latente, por objetos de ambos os sexos”. (Freud. v. 23: 277).

A gramática de sentido freudiana é na aparência de semblância um reducionismo da vida humana da civilização do recalque ao significante-semblante sexual. Todavia, a gramática de sentido freudiana pode ser lida como dialética materialista, como lógica paraconsistente (Newton da Costa; 2008) ?  Ora, a essência bissexual o home é e não é homem, ao mesmo tempo. A mesma coisa se aplica a mulher. Como significante-semblante do campo dos fenômenos o homem pode ser e não ser perverso, ser perverso patológico e normal, simultaneamente etc. Tal fato define o homem como tela do mundo como teatro da comédia humana...

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O primeiro modelo de narrar a experiencia do campo político é de Heródoto. Starobinski fala do campo política de Montaigne:

“A política se define em seu princípio, como ostentação, astúcia, artimanha – defesas bastante legítimas contra as ciladas dos inimigos e a inconstância da fortuna. ‘A própria inocência não poderia, em nossa época, dispensar a dissimulação, nem negociar sem mentir’. Assim, a mentira se esconde tão pouco que se torna figura de convenção universalmente aceita. A máscara e a duplicidade são a ‘forma’ comum, a ‘maneira’ que cada um adota – o subtendido erigido em regra geral”. (Starobinski: 13).

Montaigne era um estudioso das telas [de gramática, de gosto, de ideologia] do campo político da antiguidade. Heródoto criou o modelo de narrar a experiencia do campo político da civilização com recalque:

“Lesskov debruçou sobre as escolas dos antigos. O primeiro narrador grego foi Heródoto. No capítulo XIV do terceiro livro de sua obra “Histórias” há uma história sobre Psamenita que está cheia de ensinamentos. Quando o rei egípcio Psamenita foi derrotado e feito prisioneiro pelo ri persa Cambises, este decidiu humilhá-lo. Para isso ordenou que Psamenita fosse trazido para a rua, em que desfilaria o cortejo triunfal persa. E mais ainda, organizou o cortejo de forma que o prisioneiro visse passar a sua filha na condição d criada, encaminhando-se para o poço com um cântaro. Enquanto todos os egípcios protestavam e se lamentavam perante o espetáculo, Psamenita mantinha-se silencioso e imóvel com os olhos postos no chão; a assim continuou mesmo quando, pouco depois, viu seu filho ser levado ao cortejo da execução. Mas quando reconheceu, na fila dos cativos, um pobre velho seu criado, então bateu com os punhos na cabeça em sinal do mais profundo desespero. Esta história mostra-nos o que é a verdadeira narrativa. A informação só é válida enquanto atualidade. só vive nesse momento, entregando-se-lhe completamente, e é nesse preciso momento que tem que ser esclarecida. A narrativa é muito diferente. ; não se gasta. Conserva toda a sua força e pode ainda ser explorada muito tempo depois. Vemos que Montaigne retoma o tema do rei egípcio e pergunta a si ´próprio: <Porque é que ele só lamenta quando vê o criado? A isto Montaigne responde : <Porque estava já tão cheio de tristeza, que aquele facto foi apenas a gota d água que fez transbordar o copo>”. (Benjamin: 35).

A grandeza do rei derrotado e de sua família lançados na região escura do abjeto da humilhação em plena luz solar da rua. Isso é o mais-gozar do rei vendedor.  

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Montaigne é um filósofo do renascentismo já barroco. (Bandeira da Silveira. 2024a: cap. 5). Seu modelo narrativo da experiência do campo político da antiguidade já é moderno:

“Em verdade o homem é de natureza muito pouco definida, estranhamente desigual e diverso. Dificilmente o julgaríamos de maneira decidida e uniforme. Eis Pompeu que perdoa toda a cidade dos Marmentinos contra a qual estava muito irritado, por consideração para com a virtude e a grandeza da alma de Zenão que reivindicava e solicitava ser castigado sozinho. No entanto, em semelhante circunstância, em Pérusa, o hospedeiro de Sila nada obteve, nem para si mesmo nem para os outros. E contra meus primeiros exemplos vemos Alexandre, o homem mais denodado que jamais houve e tão magnânimo com os vencidos, agir de modo bem diferente em Gaza, conquistada após numerosas e grandes dificuldades, contra Bétis que comandava a praça e que durante o sítio dera provas de brilhante coragem. Encontrando-o só, abandonado pelos seus, de armas partidas e coberto de sangue a lutar ainda no meio de um punhado de macedônios que o atacavam de todos os lados, Alexandre, vivamente afetado por uma vitória tão caramente paga (entre outros prejuízos recebera ele próprio dois ferimentos), disse-lhe: ‘Não morrerás como o ambicionavas, Bétis; fica certo de que antes sofrerás os mais cruéis tormentos que se inventam contra um cativo’. Nada respondendo Bétis à ameaça, antes tomando uma atitude de altivez e desafio, Alexandre, diante do silêncio orgulhoso e obstinado, exclamou: ‘Não dobrou sequer o joelho! Não fez sequer um pedido? Pois eu acabarei com esse mutismo e, se não puder arrancar-lhe uma palavra, conseguirei pelo menos um gemido! E, passando da cólera à raiva, mandou lhe furar os calcanhares e amará-lo ainda em vida a um carro para, assim arrastado, se fizesse em pedaços. Qual terá sido o móvel dessa crueldade em Alexandre?”. (Montaigne. 1972: 99).

A última frase dessa tradução não faz parte do texto de Montaigne. As traduções paulistas costumam interferir no texto original ao sabor da imaginação do tradutor? Não se trata de motivo, mas do prazer do mais-gozar de Alexandre em relação à atitude corajosa, altiva, de Bétis. O mais-gozar consiste no prazer de ver o herói cair do céu à terra? Desintegrar a afecção da coragem na essência do homem derrotado na guerra? Transformar o mundo em um teatro de comédia como herói aparecendo como um ator cômico? O objeto mais-gozar faz descer do ceu da tragédia para o grotesco perverso da comédia?     

O tradutor brasileiro alterou a gramática de sentido do texto original. Esta gramática aparece com o conceito de mais-gozar, Mehrlust. (Lacan. S. 16: 30) do governante em relação ao governado, do dominante em relação ao dominado. No Estado-1964, o coronel Golbery do Couto e Silva criou o aparelho de mais-gozar governamental. A aparelho de escopofilia, tortura e assassinato de quem? As classes médias de estudantes e intelectuais confrontaram a ditadura militar com muita coragem e sem temer a morte. O aparelho assalariado SNI foi criado para extrair o mais-gozar ao humilhar a classe média da stásis (Derrida:110-11) contra a ditadura.

O SNI torturou com especial brutalismo o poeta Ferreira Goulart. O presidente-general João Figueiredo deu a ordem pessoa para a tortura do poeta. João obteve um prazer sádico em torturar, humilhar, quebra a coluna, do poeta. Foi o mais-gozar de João. Em 2024, o poeta da ABL Antônio Cícero teve morte assistida. Ele deixou uma carta e diz:<vivi com dignidade e morri com dignidade. Os poetas são Bétis e o SNI Alexandre?

A sociedade subdesenvolvida do dominante exige coragem das classes baixas e daí extraem o seu mais-gozar. Em junho de 2013, as classes baixas representadas por uma vanguarda de estudantes tomaram de assalto as capitais e assombraram Brasília como a capital do modernismo neobarroco do dominante de 1988. Foi uma guerra civil limitada no tempo contra o mais-gozar do dominante. O acontecimento foi humilhado pelos intelectuais e políticos do aparelho de mais-gozar governamental (Zizek: 330-343), que o interpretaram como um ataque das massas marginais à democracia de 1988.  

Montaigne ainda e mais sobre a tela de gosto-semblante do campo político:

“.Seroit-ce que la hardiesse fut si commune que pour ne l’admirer point, il la respectast moins? Ou qu’il l’estimast si proprement sienne qu’em cette hauters il ne peust souffrir de la veoir en un autre sans le despit d’une passion anvieuse, ou que l’impetuosité naturelle de la cholere fust incapable d’opposition?                 

De vrai, si elle eust receu la brid, il est à croire qu’en la prinse et desolation de la ville de Thebes elle l’cust receue, à veoir cruellement mettre au fil de l’espée tant de vaillans hommes perdue et n’ayant plus Moyen de defense publique. Cari l en fut tué bien six mille, dsquels nul ne fut veu ny fuiant ny demandant merci, au rebours cerchants, qui ça, qui là par les rues, à affroter les ennemis victorieux, les provocant à ls faire mourir d’une mort honorable. Nul ne fut si abatu de blessures qui n’essaiast en son dernier soupir de se venger encores, et à tout les armes du desespoir consoler sa mort en la mort de quelque ennemi. Si ne trouva l’affliction de leur vertu aucune pitié, et ne suffit la longuer d’un Jour à assouvir as vengeance. Dura ce carnage jusques à la derniere goute de sang qui se trouva enpandable, et ne s’arresta que aux personnes désarmées, vieillards, femmes et enfans, pour en tirer trente mille esclaves”. (Montaigne. 1969: 42).

A plurivocidade de tela do campo político da civilização do recalque possui afecções que se apresentam por pulsões ou paixões de natureza sexuais, traduzidas em fetiches de sangue e dor do mundo como teatro da comédia humana, pois, o governante é um cômico [bufão] e faz da história universal a experiencia de uma comédia histórica pessoal do perverso como se fosse da estética do sério. (Marx. 1974:372-373).  

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No “Prefácio à tradução hebraica do “Totem e Tabu”, Freud diz:

“Nenhum leitor [da versão hebraica] deste livro achará fácil colocar-se na posição emocional de um autor que é ignorante da linguagem da sagrada escritura, completamente alheio à religião de seus pais – bem como a qualquer religião – e não pode partilhar de ideias nacionalistas, mas que, todavia, nunca repudiou seu povo, que sente ser, em sua natureza essencial, um judeu e não tem nenhum desejo de alterar essa natureza. Se lhe fosse formulada a pergunta: ‘Desde que abandonou todas essas características comuns a seus compatriotas, o que resta em você de judeu/’, responderia: ‘Uma parte muito grande e, provavelmente, a própria essência’. Não poderia hoje expressar claramente essa essência em palavras, mas algum dia, sem dúvida, ela se tornará acessível ao espírito científico”. (Freud. v. 13: 19).

Freud diz, parece, que não partilha com o povo judeu sua concepção política de mundo judaica. Bem! o dialético Hegel sabe falar de essência e do aparecer dessa como fenômeno:

“Já antes encontramos entre os Hebreus a mesma concepção dos objetos reais, isto é, a mesma redução das coisas à sua medida e às suas relações firmes e estáveis, o mesmo reconhecimento da sua liberdade e não apenas da sua utilidade. Uma firme independência de caráter e a crueldade na vingança e no ódio, eram também traços inerentes à primitiva nacionalidade judaica mas com a diferença de que, entre os Judeus, as manifestações e os fenômenos mais poderosos da natureza são considerados e representados menos por si mesmos do que por serem testemunhos do poder de Deus em face do qual toda a independência desaparece; e até o ódio e as perseguições em vez de serem pessoais, quer dizer, dirigidas contra as pessoas, voltam-se contra povos inteiros, como vingança nacional ao serviço de Deus”. (Hegel. 1993: 243).

Na atualidade, essa essência do perverso judeu hegeliano se transformou no fenômeno de destruição do povo palestino pelo Estado nacional de Israel Então dizem é a única democracia no Oriente Médio!

A essência do povo judeu é o mundo como teatro do perverso verdadeiro?   

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A ascensão de Donald  Trump ao poder governamental americano abre as comportas  para a transição da forma de governo lógica para a forma de governo mágica, esta s desenvolvendo segundo a gramática de sentido do tabu freudiano. Depois da Segunda guerra Mundial, A américa se tornou a pátria das gramáticas de sentido do desejo freudiano. Aliás, o que acontecerá com a democracia da América?   

Hegel:

“A base geral da comédia é constituída por um mundo em que o homem, como pessoa livre, soube dominar tudo o que, a seus olhos, constitui o fundo essencial de seu saber e das suas realizações; um mundo cujos fins se destroem reciprocamente porque carecem de base sólida e verdadeira. Por exemplo, não podemos de modo algum ajudar um povo democrático, mas composto de cidadãos egoístas, altercadores, frívolos, vaidosos, descrentes e gabarolas, porque um tal povo está condenado à dissolução, em virtude de sua própria insensatez. No entanto, nem toda a ação desprovida de substância é cômica em virtude da sua nulidade. Sob este aspecto, confunde-se por vezes o ridículo com o cômico. Todo o contraste entre o essencial e a representação exterior, entre o fim e os meios pode ser ridículo: é uma contradição mediante a qual a manifestação se aniquila a si mesma, e o fim, na sua realização, se encontra alterado. Devemos, porém, exigir uma condição mais profunda para o cómico. Os vícios humanos, por exemplo, nada têm de cómico. Uma prova manifesta é a sátira que acentua cruamente o contraste existente entre o mundo real e a virtude. A insensatez, a extravagancia, a inépcia, tomadas em si, não são de modo algum cómicas, embora algumas vezes despertem o riso. Aliás, os homens costumam rir-se das coisas mais heterogéneas e opostas. Podemos ser levados a rir das coisas mais vulgares e absurdas, e muitas vezes até das importantes e profundas quando nelas surpreendem qualquer aspecto que contradiga os seus hábitos e opiniões correntes. O riso mais não é então do que a expressão do desejo de mostrarmos a nossa sabedoria e que somos suficientemente inteligentes para compreendermos este  contraste ou esta contradição. Existe também um riso de escarnio de desprezo, de desespero , etc. ao contrário, o que caracteriza o cómico é o bom humor e a segurança infinitas que permitem ao homem elevar-se acima da própria contradição, em vez de sofrer e de sentir infeliz e desgraçado: é a serenidade na qual a pessoa satisfeita consigo mesma pode suportar o desvanecimento dos projetos e realizações, algo de que a razão austera é completamente incapaz, sobretudo nas ocasiões em que o seu comportamento mais ridículo parece aos outros”. (Hegel: 649-650).

A democracia magica freudiana do americanismo é uma forma de governo risível ou cômica?          

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A forma de governo mágica freudiana aparece como sendo da comunidade psíquica de significante do neurótico:

“Como no caso do tabu, a principal proibição, o nécleo da neurose, é contra o tocar e daí de ser às vezes conhecida como ‘fobia de contato’, ou ‘delire du toucher’. A proibição não se aplica meramente ao contato físico imediato, mas tem uma extensão tão ampla quanto o emprego metafórico da expressão <entrar em contato com>. Qualquer coisa que dirija os pensamentos do paciente para o objeto proibido, qualquer coisa que o coloque em contato intelectual com ele, é tão proibida quanto o contato físico direto. Essa mesma extensão também ocorre no caso do tabu”. (Freud. v. 13: 47).

Metade da população votante de Trump não consideram o aparelho de Estado necessário para a vida americana e, sobretudo, para o campo político. Quer se substituir a civilização policiada pela gramática de sentido freudiana do tabu:

“A principal característica da constelação psicológica que dessa forma se torna fixa ´algo que poderia ser descrito como a atitude ambivalente do sujeito par com o objeto determinado, isto é, para com um ato em conexão com esse objeto. Ele deseja constantemente realizar esse ato (o tocar) [e o considera seu gozo supremo, mas não deve realizá-lo] e também o detesta. O conflito entre essas duas tendencias não pode ser prontamente solucionado porque – não há forma de expressá-lo – elas estão localizadas na mente do sujeito de tal maneira que não põem vir a tona uma contra a outra. A proibição ´ruidosamente consciente, enquanto o desejo persistente de tocar é inconsciente e o sujeito nada sabe a respeito dele. Se não fosse esse fator psicológico, uma ambivalência como esta não poderia durar tanto tempo nem conduzir a tais efeitos”. (Freud. v. 13: 49-50).

O aparelho de Estado é o objeto que o sujeito do americanismo quer tocar e não quer tocar, ao mesmo tempo. Essa lógica é a do mais-gozar da comunidade psíquica de significante do perverso do mais-gozar. Com Donald no poder americano, o campo político da sociedade passa a ter a comunidade psíquica de significante do perverso como soberana. A proibição de tocar/desintegrar o aparelho de Estado é consciente, porém o desejo como mais-gozar de tocar é inconsciente. A lógica paraconsistente do desejo de tocar e da proibição do tocar cria a condição de possibilidade do mais-gozar da comunidade psíquica de significante do perverso no poder americano.

Trata-se de ver a passagem do século XX para o século XXI. Na economia, há a transição do liberal-mercantilismo do capital capitalista da América para o mercantilsmo-liberal do capital feudal asiático. No campo político conjuntural, há a passagem da forma de governo democrática lógica para forma de governo democrática da gramática de sentido mágica/freudiana. Ora, a soberania popular continua como soberana na decisão de quem governa. A soberania popular não será abolida. Ela será recalcada, se tornará um fenômeno do inconsciente do mais-gozar. O recalque diz que ela não será mais o aparecer da consciência política nacional. A essência da democracia do mais-gozar freudiano   fabrica uma tela do falasser no lugar da tela verbal narrativa do desejo sexual do campo político americano. Este aparece como generalização do fetiche no lugar do agente político. A lógica do fetiche do falasser  faz de Donald, por exemplo, o fetiche maior, o ersatz  a partir do qual surge o gozo do supremo soberano do americanismo:

“O desejo da pulsão se desloca constantemente, a fim de fugir ao impasse, e se esforça por encontrar substitutos – objetos substitutos e atos substitutos – para pôr em lugar dos proibidos. Como consequência disso, a própria proibição também se desloca de um lado para outro, estendendo-se a quaisquer novos objetos que o impulso proibido adotar”. (Freud. v. 13: 50).

A proibição de tocar o aparelho Estado gera a lógica do ersatz do fetiche ao infinito no campo político da sociedade sob domínio da comunidade psíquica de gramática do perverso.  

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O mais-gozar comunitário é um fenômeno da época atual?

“O semblante surte efeito por ser manifesto. Quando o ator usa a máscara, seu rosto não varia de expressões, não é realista. O páthos fica reservado ao coro, que se entrega a ele, caberia dizer, com grande satisfação. E por quê? Para que o espectador, refiro-me ao da cena antiga, encontre ali seu próprio mais-gozar comunitário. E justamente isso dá ao cinema o valor que ele tem para nós. Nele, a máscara é outra coisa, é o irreal da projeção”. (Lacan. S. 19: 165).

O cinema não se caracteriza pela gramática de sentido do desejo freudiano, e sim pela gramática de sentido do mais-gozar lacaniano. Montaigne fala do mais-gozar comunitário a partir do hábito alimentar dos povos:

“/J’en croy /// l’antre de Platon en sa ‘Republique’, et croy / les medicins, qui quitent si souvent à son authorité les raisons de leur art; et ce Roy qui, par son moyen, rengea son estomac à se nourrir de poison; et la fille que’Albert recite s’estre accoustum´´e à vivre d’araignées.”

// Et en ce monde des Indes nouvelles on truva des grands peuples et en fort divers climats, qui en vivoient, en faisoient provison, et les apastoient, comme aussi des sauterelles, formiz, laizards, chauvessouriz, et fut un crapault vendu six escus emn une necessite de vivres; ils les cuisent et apprestent à diverses sauces. Il en fut trouvé d’autres ausquels noz chairs et noz viandes estoyent mortelles et venimeuse. /// <Consuetudinis magna vis est. Pernoctant venatores in nive; in montibus uri se patiuntur. Pugiles coestibus contusi ne ingemiscunt quidem”. (Montaigne. 1969: 155).

A gramática de sentido da afecção pode ser gerada pelo habito e educação como forma de governo tirânica do campo político da sociedade:

“Platon tansa un enfant qui jouoit aux noix. Il luy respondit: <Tu me tanses de peu de chose. – L’accoustumance, repliqua Platon n’est pas chose de peu>. “

‘je trouve que nos plus grands vices prennent leur ply de notre plus tendre enfance, et que nostre principal gouvernement est entre les mains des nourrices. C’est passetemps aux meres de veoir un enfant tordre le col à un poulet et s’esbatre à blesser un chien et un chat; et tel pereest si sot de prendre à bon augure d’une ame martiale, quand il voir son fils gourmer injurieusement umn paisant ou un laquay qui ne se defend point, et à gentillesse, quand il le void affiner son compagnon par quelque malicieuse desloyauté et tromporie. Ce sont pourtant  les vrayes semences et racines de la cruauté, de la tyrannie [...] ells se germent là, et s’eslevent apré gaillardement, et profittent à force entre les mains de la coustume”. (Montaigne. 1969: 156).  

A afecção se refere a gramática de sentido do Um como grande Outro perverso da tirania:

“Isso nos mostra a que ponto a linguagem traça em sua própria gramática os chamados efeitos de sujeito. E abarca o suficiente do que a princípio se foi descoberto pela lógica para que posamos tentar dar um sentido – porque este é o único caso, com razão, em que o termo sentido se justifica – à audição desse significante, Há-um”. (Lacan. S. 19: 150).

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A relação entre forma de governo e hábito aparece e Marx na medida em que o hábito político é força prática de um a gramática. O partido bolchevique como força prática de homens e mulheres da gramática de sentido da política russa, em Lenin. O PPC como força prática da gramática de sentido da política chinesa, de Mao Zedung. Bourdieu pensou um conceito formal de hábitus:

“Parece-me, com efeito, que, em todos os casos, os utilizadores da palavra habitus se inspiravam numa intenção teórica próxima da minha, que era a de sair da filosofia da consciência sem anular o agente na sua verdade de operador prático de construção de objeto”. (Bourdieu. 1989: 62).

No conceito de habitus político, o agente é o autor da prática política de fabricação ou da desintegração da forma de governo. Ele é o proprietário da forma de governo que ele fabrica. Qual a relação do´habitus político com a forma de governo lógica e a forma de governo mágica? O habitus é um capital político cujo proprietário é a o dominante, seja ele um agente lógico ou mágico. Na forma lógica do agente, este aparece como proprietário do hegemonikon (Elorduy: 26) ou eu político da razão gramatical. Na atualidade, na forma mágica freudiana do agente político, este aparece como proprietário de um saber do pensamento mágico cibernético. Este habitus político é parte da gramática de sentido do Há-um cibernético como fetiche político da forma de governo freudiana presidencialismo. Nos EUA, Donald Trump é esse significante-semblante fetichista presidencial que gera o conjunto de agentes fetiches na sociedade e no Estado disponíveis no campo político conjuntural.

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Donald Trump é Joyce? Ele fez do atentado a ele um pequeno teatro espalhando o sangue da orelha atingida pelo tiro pelo rosto e levantando o punho fechado no ar. Afinal, ele gostou o não da situação?:

“Só resta ao grande I cair fora. Ele desliza, exatamente, como o que acontece com Joyce depois de ter levado aquela surra. Ele desliza, a relação imaginária não acontece. Aliás, isso leva a pensar que, se Joyce era tão interessado pela perversão, talvez fosse devido a outra coisa. Talvez, despois de tudo, da surra, isso h causasse repulsa. Não era, talvez, um verdadeiro perverso”. (Lacan. S. 23: 147).

Talvez, Trump seja um falso perverso da lógica lacaniana do significante-semblante. Ele não gostou da agressão feita a ele, no final, pelo aparelho de mais-gozar governamental, que deixou o atirador livre para atirar:

“É um modo de articular precisamente o seguinte: toda sexualidade humana é perversa, se acompanhamos bem o que diz Freud. Ele nunca conseguiu conceber a tal sexualidade sem ser perversa, e é justamente nesse aspecto que interrogo a fecundidade da psicanálise”.

“Vocês mesmos têm me escutado enunciar com frequência o seguinte: que a psicanálise sequer é capaz de inventar uma nova perversão. É triste. Se a perversão é a essência do homem, quanta infecundidade nessa prática. pois bem, penso que, graças a Joyce, tocamos alguma coisa que jamais eu tinha considerado”. (Lacan. S. 23: 149).

Como está sendo descoberta e inventada uma época de perversão no século 21? No Brasil, há o teatro do perverso, de Nelson Rodrigues:

“Se o leitor fica fascinado ´porque Joyce, em conformidade com o que esse nome ecoa o de Freud -, tem no final de contas, uma relação com joy, o gozo, (jouissance), tal como ele é escrito na lalíngua que é a inglesa -, por ser essa gozação, por esse gozo a única coisa que, do seu texto, podemos pegar. Aí está o sintoma” ( Lacan. S. 23: 162-163).

O sintoma de Nelson é o fetiche boca de ouro na lalíngua imagem textualizada do português falado no Brasil, na peça ‘Boca de ouro”. A nossa comunidade psíquica de gramática do perverso é aquela do <jogo do bicho>, adorado pelas classes populares. Estas procuram extrair um mais-gozar comunitário do jogo de significantes da comunidade psíquica de significante do perverso popular. O problema que se põe é a propriedade da riqueza dinheiro para as classes baixas nacional/popular.    

Comparo a lógica lacaniana com a montaigneniana. Montaigne é a gramática de sentido político do aparelho de hegemonia da Igreja. Esta é o original campo conservador que é confrontado pela primeira revolução moderna, da Reforma Protestante. A lógica montaigneniana  é a defesa do campo conservador e da forma de governo dele, a monarquia católica:

“// La religion Chrestienne a toutes les remarques d’extreme justice et utilité; mais nulle plus aparente, que l’exacte recommandation de l’obe3issance du Magistrat et manutention des polices”. [formas de governo]. (Montaigne. 1969:167).

A lógica montaigneniana é a defesa do velho contra o novo, mesmo que  a forma de governo do velho seja uma tirania monárquica católica:

“La société publique n’a que faire de nos pensées; mais le demeurant, comme nos actions, nostre travail, nos fortunes et nostre vie propre, il la faut préter et abandonner à son service et aux opinions communes, comme ce bom et grand Socrates refuse de sauver as vie par la desobeissance du magistrat , voire d’un magistrat três-injuste e trés-inique. Car c’est la regle des regles, et generale loy des loix, que chacun observe celles du lieu où il est”. (Montaigne: 165).

Nas Américas da atualidade, o campo conservador fundiu o evangelismo e o catolicismo em uma forma de governo mágica, na qual a religião lógica se transforma de acordo com a gramática de sentido do tabu do fetichismo, da infralógica ou supralógica [voa abaixo ou acima da forma de governo lógica] no campo político mágico da comunidade psíquica de significante do perverso religioso. No Brasil, 80% da população é propriedade particular desse campo conservador. No horizonte, esse campo projeta uma forma de governo teológica do perverso como multidão contra o Estado territorial nacional, este como Deus mortal de Hobbes. (Hobbes: 109-110).   

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No século 21 da comunidade psíquica do significante do perverso, é bom caminhar como agente/suporte da gramática de sentido da lógica lacaniana:

“Considero que ter enunciado, sob a forma de uma escrita, o real em questão tem todo valor do que chamamos geralmente de um trauma. Não que eu visasse traumatizar quem quer que fosse, sobretudo meus ouvintes, a quem não tenho razão alguma para querer a ponto de causar um trauma. Digamos que é o forçamento de uma nova escrita, dotada do que é preciso mesmo9 chamar, por metáfora, de um alcance simbólico, e também é forçamento de um novo tipo de ideia, se assim posso dizer, uma ideia que floresce espontaneamente apenas devido ao que faz sentido, isto é, ao imaginário”. (Lacan. S. 23: 127).    

A multidão que elegeu Trump é o trauma mundial de uma gramática de sentido do imaginário do americanismo do partido republicano?:

“A rememoração consiste e fazer essas cadeias estrarem em alguma coisa que já está lá e que se nomeia como saber – e isso não é fácilo, a prova são os frequentes lapsos que fiz ao tentar traçar nesse pedaço de papel os nós colocados sob a égide dos Borromeu. Tentei, com efeito, ser rigoroso ressaltando que o que Freud sustenta com o inconsciente supõe sempre um saber, e um saber falado. O inconsciente é inteiramente redutível a um saber. É o mínimo que supõe o fato de ele poder ser interpretado”. (Lacan. S. 23: 127).  

 Realidade e real não são idênticos, não são efeito de uma filosofia da consciência na lógica lacaniana:

“O verdadeiro é dizer conforme a realidade. A realidade, nesse caso, é o que funciona, funciona verdadeiramente. Mas o que funciona verdadeiramente não tem nada a ver com o que eu designo como real. É uma suposição completamente precária que meu real – pois preciso de fato colocá-lo como meu ativo – condicione a realidade, aquela, por exemplo, da audição de vocês. Há aí um abismo, estamos longe de assegurar que seja transponível”.

“Em outros termos, a instância do saber renovada por Freud, quero dizer renovada sob a forma do inconsciente, não supõe obrigatoriamente de modo algum o real de que me sirvo”. (Lacan. S. 23: 128).

O conceito de real como sinthoma lacaniano é a chave-mestra para se caminhar no campo político da comunidade psíquica de gram´´atica de sentido do perverso no campo político do mercantismo/liberal do capital feudal inventado na Ásia:

“Assim, já vemos que se trata de um modo de elevar o próprio sinthoma ao segundo grau. É na medida em que Freud fez verdadeiramente uma descoberta – supondo-se que essa descoberta seja verdadeira – que podemos dizer que o real é minha resposta sintomática”.

“Reduzir essa resposta a ser sintomática é também reduzir toda invenção ao sinthoma”. (Lacan. S. 23: 1280.

É necessário ver o sinthoma de Donald em segundo grau do campo político mundial?  Donald descobriu e inventou o sintoma lacaniano da história d terceira década do século 21?

Lacan:

“O real de que se trata é ilustrado pelo fato de que, nesse nó planificado [real, simbólico, Imaginário ou RSI], mostro um campo como essencialmente distinto do real, que é o campo de sentido. Podemos dizer que o real tem e não tem um sentido devido a isso, que o campo do sentido é distinto dele”.

‘Que o real não tenha sentido éo que figurado com isso, que o sentido está aqui e o real, lá”. (Lacan. S. 23: 130).

 O campo de sentido é lógico formal do princípio da não-contradição e o campo de sentido do real tem e não tem sentido, ao mesmo tempo, é um campo paraconsistente? A lógica lacaniana é paraconsistente?:

“Posso pensar que o real está em suspenso, se assim podemos dizer. Ele pode ser isso a que o reduzi, sob a forma de questão, a saber, ser apenas uma resposta à elocubração de fr4eud, e assim, de todo modo, se pode dizer que ela repugna a energética, que está completamente suspensa quanto a essa energética”.

‘A única concepção que pode suprir essa tal energética é aquela que enunciei com o termo de real”. (Lacan. S. 23: 130).

O real de Trump aparece como uma gramática de sentido que é e não é uma gramática de sentido, ao mesmo tempo. Trump funda um campo político mundial paraconsistente?:

Lacan:

“Não estou certo que a distinção do real em relação à realidade se confunda com o valor próprio que dou ao termo real. Sendo o real desprovido de sentido, não estou certo de que o sentido desse real não poderia se esclarecer ao ser tomado por nada menos que um sinthoma”.

“Penso que não se pode conceber o psicanalista de outra forma senão como um sinthoma. Não ´a psicanálise que é um sintoma, mas o psicanalista”. (Lacan. S. 23: 131).

Não é o discurso político do partido republicano que é o sinthoma mundial da atualidade, e sim o político Donald:

“se cada ato de fala é um golpe de um inconsciente particular, está completamente claro que, ...cada ato de fala pode esperar ser um dizer. E o dizer chega a isso sobre o qual há teoria. A teoria que é o suporte de toda espécie de revolução, a saber, uma teoria da contradição”.

“podemos dizer muitas coisas diferentes, cada uma sendo, na ocasião, contraditória. Mas jamais foi provado que daí saísse uma realidade que presumíssemos revolucionária”. (Lacan. S, 23: 132).

Donald encontra-se em contradição com o velho regime de gramáticas de sentido do século XX. Ele é o novo, porém, o novo de um campo conservador cristão contra o campo político secular multiculturalista. A gramatica de sentido paraconsistente de Donald se atualiza na aporia entre secular e religião, entre o mercantilismo/liberal do capital feudal  do mercantilismo/liberal e o Estado empresarial/militar, liberal-mercantilista, e sua ditadura geopolítica nas relações internacionais,  que são um campo de gramática sentido e não são um campo de gramática de sentido, ao mesmo tempo. A ONU é esse sinthoma maior em um campo político mundial dialético/ materialista.       

 

 

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