José Paulo
No livro “história da sexualidade” v. 1, Michel Foucault diz
que: a sociedade industrial moderna, a sociedade burguesa, a família burguesa,
as instituições [escola, psiquiatria, Igreja etc.) são perversas, são parte do
campo de poderes/prazeres do perverso. O “Ocidente cristão” é perverso.
(Foucault. 65,66,30).
A história da sexualidade do “Ocidente” tem que ser uma
reflexão a partir do significante-semblãncia do perverso. Assim, o capital
industrial moderno aparece como a estrutura da comunidade psíquica de gramática
de sentido do perverso. Curiosamente, Foucault retira o aparelho de Estado como
centro de gravidade do campo político burguês moderno do perverso. No final da
vida, Foucault começou a reorganizara a história do Estado territorial no campo
político do “ocidente” do cínico.
Ao usar a ideia retórica da civilização ocidental. o
pensamento político de nosso autor foi limitado pela fronteira entre o retórico
e a gramática de sentido da realidade do real do capital. Hoje, o capitalismo,
a sociedade capitalista, a burguesia capitalista são fenômenos retóricos.
Assim. o marxismo brasileiro se tornou a retórica dominante do falso cínico ao
dizer que a realidade é capitalista.
Foucault começou a discutir com Lacan e Freud se a perversão
é a essência da civilização europeia, ou, na retórica dele, da civilização
[retórica] ocidental. Foucault fez a história do perverso no campo de
poderes/prazeres do desejo carnal.
Na pós-modernidade, Foucault é uma referência gramatical e
ideológica a partir da qual se pode retomar a história da civilização do
perverso.
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O perverso tem uma origem na civilização em latim. Consulto
um dicionário:
Perversitas. Transtorno, desordem, (fig.); vício, depravação,
corrupção, desregramento, falsidade, Perversitas morum. Suet, corrupção dos
costumes – diligentice. QUINT. Excessivo rigor (no uso das palavras), purismo,-
opinionum. CIC. Falsidade de opiniões, opiniões falsas e CIC. Extravagância,
desvario. E ARN. Perversidade, malvadez, maldade, malícia. (Saraiva: 885).
O perverso é associado ao mal, à desordem, depravação, à
logica do falso. Ele é a lógica que corrompe a forma de governo republicano
como Júlio César. O império romano é uma forma de governo da comunidade
psíquica do significante do perverso (CPSp)“ocidental” romano.
A CPSp é o verdadeiro
motor da transformação histórica do campo político; ela cria o cesarismo antigo
e moderno: César, Napoleão são exemplos de cesarismo progressivo, isto é o
verdadeiro cesarismo perverso. Napoleão III e Bismark são exemplos do cesarismo
regressivo, isto é, da lógica da forma de governo do falso perverso. (Gramsci.
1977: 1619); Marx; 1974).
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O perverso é um objeto do conhecimento da antiguidade:
“Algumas coisas são agradáveis por natureza, e destas umas
são irrestritamente agradáveis, enquanto outras o são em relação a determinadas
classes de animais ou de pessoas; por outro lado, outras não são naturalmente
agradáveis, mas algumas destas se tornam agradáveis por causa de aberrações,
outras por causa de hábitos e outras ainda por causa de taras”.
“Sendo assim, é possível descobrir em relação a cada uma das
espécies da segunda classificação disposições de caráter similares às
identificadas a respeito do primeiro caso, refiro-me às disposições bestiais,
como no caso da mulher que, segundo relatos, abria o ventre das mulheres
grávidas e devorava os fetos, ou das coisas com que, de acordo com certas
narrativas, algumas das tribos selvagens do litoral do mar Negro costumavam
deleitar-se – com alimentos crus ou carne humana, ou com a troca de crianças
entre as tribos para serem seviciadas em suas festas – ou como na história que
se conta de Fálaris”. (Aristóteles. 1992: 137).
A gramática de sentido civilização versus barbárie faz
pendant com a CPS- homem normal e CPS- do falso perverso, isto é, o mundo não é
um teatro de comédia shakespeariano da lógica do verdadeiro perverso. A
reflexão sobre o perverso alcança a gramática de sentido da forma de governo,
em Francis Wolff:
“reciprocamente, todos os regimes <anormais>.
<pervertidos> ou <defeituosos> também o são, naquilo que são
contrários a essência mesmo do político; todos eles são uma usurpação do poder
político, pois este, por natureza, nada mais é do que uma simples servidão, da
qual alguns deveriam aceitar encarregar-se em benefício de todos. Estes regimes
são um confisco por parte de alguns (um, alguns, ou a massa) daquilo que é
naturalmente destinado a todos, coletivamente”. (Wolff; 109).
Portanto, como evitar a barbárie na polis? A essência mesma
do campo político é a estrutura de uma gramática de sentido da civilização. O
campo político tem autonomia relativa em relação à determinação à última
instância da lógica do significante-semblância falso perverso. O campo político
é ethos, é busca do bem comum, é a recusa do páthos do perverso do bárbaro, que
aparece através de fenômenos como a stásis (guerra civil etc.) e a pólemos.
(Derrida). 110-111). A CPS -p é criada e recriada por uma vida que não é a do
bem comum, da autarquia:
“Porque a autarquia à qual a polis permite que se supõem
satisfeitas todas as necessidades da vida, é sinônimo de vida perfeita e de
felicidade”. (Wolff: 70)
O perverso é um efeito do reino da necessidade em um
contraponto ao homem normal do reino da liberdade. As condições objetivas da
vida [do reino da necessidade} cria e recria a comunidade psíquica do falso
perverso, aquele que não faz do mundo da necessidade um teatro mundo de
comédia. Na atualidade, o
subdesenvolvimento é esse reino da necessidade cotidiana que transforma as
classes baixas/pobres em uma imensa CPS-p do subdesenvolvimento. Aí, a
gramática de sentido desenvolvido/subdesenvolvido adquire uma consistência e
lógica falsa do perverso. O falso perverso é alheio à lógica formal clássica
aristotélica, ao princípio da identidade, princípio da CPS-homem normal:
“que toute chose doit nécesairement être affirmée ou niée, et
qu’il est impossible qu’une chose soit et ne soit, emn même temps, ainsi que
touts autres premisses de ce genre”. (Aristote1991:129).
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EM Marx não há a ideia do Bem; ela seria uma ideia da
metafísica, uma ideia do idealismo da filosofia de Platão e de Aristóteles. Ela
funda o partido do idealismo contra o partido do materialismo. A ideia do Bem
faz da filosofia uma máquina de guerra contra qual inimigo no campo do pensamento?
Philonenko:
Longe de defender o mito, a poesia altera-o. Platão usa
expressões violentas: Hesíodo e Homero são os corruptores do gênero humano.
[...]. Aparece aqui o grande princípio da crítica regeneradora do mito. Não é
teórico. É, essencialmente, moral. Considerar-se-á falso tudo o que se julgar
imoral nos relatos míticos. É claro que os critérios lógicos possuirão uma
função, mas secundária. É muito mais importante denunciar a futilidade imoral e
ímpia dos poetas que cantam os vícios, os males, as torpezas na vida dos deuses,
dando assim, à legião dos espíritos fracos e inconscientes da necessidade do
dever e das leis, <desculpas muito más>. (Philonenko. 1997: 47).
Para o POETA, a condição humana se orienta pelo ímpio, pelo
cruel dos deuses. Ora, os deuses são o bárbaro! Contra tal fenômeno Platão e
Aristóteles desenvolvem a ideia de civilização segundo a ideia do Bem. E mais,
ainda. Os deuses são bárbaros e estes são sinônimo de uma comunidade psíquica
de gramática de sentido do perverso em analogia com o homem da antiguidade. No
lugar desse homem/perverso do poeta, põe-se e repõe-se o homem clássico, das
luzes da antiguidade.
Bem! não se trata de ideologia idealista. Se trata de um
fenômeno com a materialidade da gramática em língua grega. A ideia
do Bem é do campo da gramática e, certamente, ela cria e recria todo um campo
de ideologias, campo este desenvolvido no livro “A República”, de Platão. O Bem
como ideologia serve como gramática de sentido para a elite e as massas do
homem livre. Serve para a montagem da educação grega.
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A prática política do poeta fala da classe dirigente como
obra-de-arte:
“Hesíodo entreviu a relação entre o belo e o útil. Nele, a
primeira concepção do bem ´o que é útil [...]. toda a ideia de utilidade
pressupõe um meio (um objeto) e um fim, logo tem dois elementos. A beleza não
supõe estes dois elementos; é um ato único, total e global. É a primeira
antinomia entre o belo e o bem”. (Bayer: 27).
Bayer:
“A primeira acepção da palavra bem, entre os Gregos, é o
útil. Em Homero, não existe qualquer relação entre o belo e o bem (útil).
(Bayer: 28).
A filosofia é um golpe de Estado na concepção da prática política do poeta:
“A Kalocagatia, que só nos Gregos encontramos, é um conceito
meio moral, meio estético, que consiste numa fusão da beleza e do bem. Parece
ter sido a própria alma helénica, apaixonada pelo ideal moral e pela beleza,
que quis associar ambos, e foi na tradição popular que Sócrates encontrou a
ideia”. (Bayer: 34).
A estética de Platão:
“Finalmente, é uma estética hierárquica, subindo de plano em
plano até a noção suprema de Kalocagatia em que o belo e o bem se identificam”.
(Bayer:37).
A pratica política corresponde à forma de governo:
‘O conceito de pureza para Platão não quer dizer unicidade,
mas homogeneidade; associa-se naturalmente ao conceito de transparência e
aplica-se à pureza e à beleza da alma!”. (Bayer: 41).
Alma e polis são analógicas:
“Aqui a harmonia e o temperamento das virtudes são o bem na
alma e o bem no Estado. Existem quatro virtudes cardiais: a temperança, a
coragem, a prudência, a justiça que é o equilíbrio entre as três primeiras. A
virtude dos homens é solidária da cidade onde o homem vive, porque o indivíduo
reproduz em si a imagem da cidade”.
[...]
“Platão concebeu, além disso, uma teoria das artes que não é
um sistema, mas que enumera todas as artes. Na sua teoria, a preocupação
política e social predomina. Julga as artes não em si mesmas, mas segundo a sua
influência pedagógica, a formação do guerreiro, por exemplo”. (Bayer; 42).
A pólemos (guerra entre as cidades-Estado) é parte da prática
política do grego. Também a stásis (da insurreição à guerra civil) é parte da
prática política. Assim, foi preciso combinar tais fenômenos com a existência
do Estado obra-de-arte, estado lacaniano da gestão da mais-valia pública.
Investimento de capital social na guerra e na construção da polis obra-de-arte.
Por outro lado, Sócrates vendia suas esculturas para o governo do Estado
lacaniano.
A relação entre o modo psíquico de ser do perverso e a
estética aparece em Platão:
“As artes são julgadas segundo qualquer coisa, e não por si
mesmas, julgamento aliás incompreensível na boca deste grande artista que assim
bania a poesia. É pois uma estética reacionária, mas que tem alguma vezes
iluminação, na sua teoria da tragédia, por exemplo. Na “República” e nas
“Leis”, condena a tragédia, mas por razões interessantes.: habitua o espectador
a ver no palco heróis ilustras queixarem-se e sofrerem; habitua a sofrer e a
comprazer-se no sofrimento. O que amolece a alma e a sensibilidade”. (Bayer:
43).
A estética pode ser um discurso que cria e recria o modo de
ser psíquico do perverso, a partir do mais-gozar do espectador, que, às vezes,
pode ser toda a cidade como audiência da peça. (Berthold: 132).
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HEGEL estabelece relações entre a estética da epopeia e o
homem da antiguidade em geral:
“É, portanto, o conjunto d concepção do mundo e da vida de
uma nação que apesentado sob a forma objectiva de acontecimentos reais,
constitui o conteúdo e determina a forma do épico propriamente dito”. (Hegel.
1993: 573).
O épico seria, talvez, a primeira forma de gramática de
sentido do gosto que faz a junção do cosmopolitismo com o nacional:
“É como totalidade original que o poema épico constitui a
Saga, o Livro, a Bíblia de um povo. todas as nações grandes e importantes
possuem livros deste género, que são absolutamente os primeiros entre todos e
nos quais se encontra expresso o seu espírito original”. (Hegel. 1993: 573).
O espírito original é o épico como tela narrativa de gosto de
uma comunidade psíquica de significante:
“Assim estes monumentos constituem a verdadeira base sobre a
qual repousa a consciência de um povo, e não seria destituído de interesses
formar-se uma coleção de semelhantes Bíblias. Pois uma coleção de epopeias, que
não sejam produções artificiais de épocas posteriores, equivaleria a uma
galeria de espíritos nacionais. (Hegel. 1993: 573).
A tela narrativa de gosto épico é análoga ao inconsciente
freudiano, na medida em que a linguagem do sofrimento é a gramática de sentido
de todo discurso. (Lacan. S. 16: 68). Como já apontamos, Platão fala da relação da
estética da tragedia com o ´perverso. A relação entre a epopeia e o perverso
aparece, também, em Platão. Assim:
“Pelo contrário, os gregos que possuem nos poemas de Homero
uma Bíblia poética, careciam de livros sagrados, análogos aos dos hindus e dos
persas. Porém onde encontramos epopeias primitivas, devemos distinguir
essencialmente entre os livros de caráter poético e as obras de arte clássica,
de origem posterior, que exprimem a concepção de um povo, não já na sua
totalidade, mas de forma abstrata e por certas das suas partes. Assim, a poesia
dramática dos hindus ou as tragédias de Sófocles não contém um quadro tão
completo como o “Ramayana” e o “Mahabharata” ou a “Ilíada e a “Odisseia”.
(Hegel. 1993: 573).
A epopeia do modo psíquico de ser do perverso se aproxima da
barbárie do homem da época da estrutura de dominação mitologia/poética?
Quando surge a civilização em um contraponto à barbárie do
grego?
Hegel tem uma ideia clara e distinta:
“Uma percepção do seu
eu próprio eu interior, um colóquio com seu o seu eu mais íntimo na sua
expressão <lírica>, mas, por outro lado, a paixão e o sentimento
tornam-se a coisa principal que tudo domina e se procura afirmar activa e
independente, recusando às circunstâncias, aos fatos, e acontecimentos
exteriores o direito á independência épica”.
Hegel insinua uma diferença, por essência, entre a epopeia
como modo de ser psíquico do bárbaro grego e o homem normal da civilização da
antiguidade:
“Embora a epopeia deva ser, na realidade, a expressão
objectiva, de um mundo independente, de um mundo de que o poeta se sente mais
próximo pela sua maneira de encarar as coisas, a ponto de por vezes se
identificar com ele, a obra de arte que representa este mundo, não deixa de ser
uma livre produção do indivíduo. A este respeito, podemos recordar uma vez mais
a grande variedade enunciada por Heródoto: foram Homero e Hesíodo que deram aos
gregos os seus deuses. Esta liberdade e ousadia de criação que Heródoto atribui
a estes dois poetas épicos mostra já que, embora as epopeias devam ter origens
radicadas no passado longínquo dum povo, não devem pintar a época mais adiante
deste povo. Quase todos os povos tiveram nas suas idades primitivas uma cultura
estranha, um culto religioso de proveniência exterior a que houveram de
submeter-se, pois, a sujeição do espírito, a superstição, a barbárie consistem
precisamente em não saber obter de si mesmo as ideias superiores, em acolher as
que provém do exterior, em vez de brotarem da consciência nacional e individual
do povo”. (Hegel. 1993: 574-575).
O fenômeno kid preto (bolsonarismo militar) é uma paródia da
epopeia do modo de ser psíquico do perverso da barbárie da antiguidade? Os kid
pretos não se veem como um fenômeno heroico de um ersatz de epopeia vulgar - no campo político da atual conjuntura lulista?
“Além disso, a ideia do bem que a “República” acolhe e a
partir da qual se determina a ordem da polis e da pysichè, da <cidade>
como da <alma>, apresenta, ao interior dessa nova orientação
<noética>, um traço característico: os interlocutores das entrevistas
socráticas ficariam satisfeitos se Sócrates falasse do bem como ele falara da
justiça da sophrosyné (<temperança). (Gadamer: 34).
Aí já se encontra o grego no campo da civilização do homem
normal com o domínio de si, governo das afecções que produzem o homem perverso
no campo político da antiguidade. Platão diz que o assassino político do modo
de ser psíquico do falso perverso não deve participar da história política da
polis ou do Estado obra de arte. (Platão. 2010: 240).
Schelling é claro na distinção entre civilização e barbárie:
“A força que antes se voltara na epopeia, totalmente para
fora, e que se perdera numa identidade objetiva, voltou-se para dentro, começou
a se limitar; com esse despertar da consciência e com o surgimento da
diferenciação, nasceram os primeiros tons líricos, que logo se desenvolveram
até a mais alta diversidade. O elemento rítmico dos Estados gregos, a clareza
de consciência dos gregos, totalmente voltada para sim mesmos, para sua
existência e seu agir, inflamou as paixões mais nobres que eram dignas da musa
lírica. Na mesma época que a lírica, a música animava as festas e a vida
pública. Em Homero ainda há, inclusive, sacrifícios e cultos divinos sem
música. Da <642> identidade da epopeia homérica também faz parte o
princípio heroico, o princípio da monarquia e da dominação”.
“Depois que a epopeia se desenvolveu totalmente até sua
perfeição e acabamento, iniciou-se a poesia lírica, Com Calino e Arquelau; e,
em comparação com a epopeia, a arte lírica é por isso, até sua última perfeição
e acabamento com Píndaro, poesia totalmente republicana”. (Schelling: 273).
A forma de governo republicana não faz pendant com a tela do
gosto poético lírico. A forma de governo republicana presidencialista não
corresponde a um modo de ser psíquico lírico. Ela é a forma de governo do falso
cínico nas Américas. Donald Trump vai desenvolver este fenômeno do falso
perverso até a fratura total com a atualidade?
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Ao falar do homossexual ou do invertido, Freud aborda o
prostituto como fenômeno do verdadeiro perverso. (Freud. v. 7: 145). No
“História da sexualidade, v. 2, o uso dos prazeres”, Michel Foucault não
destaca o prostituto:
‘Nos textos do Século XIX existe um perfil-tipo do
homossexual ou do invertido: seus gestos, sua postura, a maneira pela qual ele
se enfeita, seu coquetismo, como também a forma e as expressões de seu rosto,
sua anatomia, a morfologia feminina de todo o seu corpo fazem, regularmente,
parte dessa descrição desqualificadora; a qual se refere, ao mesmo tempo, ao
tema de um inversão dos papéis sexuais e ao princípio de um estigma natural
dessa ofensa à natureza; seria de acreditar-se, diziam, que a própria natureza
se faz cumplice da mentira sexual’ [.... Ora, essa imagem, com a aura repulsiva
que a envolve , percorreu séculos; ela já estava muito nitidamente delineada na
literatura-greco-romana da época imperial. Encontra-se no perfil do Efeminatus
traçado pelo autor de uma ‘Physiognomonis anônima do Século IV; na descrição
dos padres de Atargatis , dos quais zomba Apuleu nas ‘Metamorfoses’; na
simbolização que Dion de Prusa propõe do <daimon> da intemperança, numa
de suas conferências sobre a monarquia; ‘na evocação fugaz dos pequenos
retóricos todos perfumados e encaracolados que Epiteto interpela no fundo de
sua sala e aos quais pergunta se são homens ou mulheres”. (Foucault. 1984. V.
2: 21).
Há relação dessas imagens do realmente perverso com a prática
política? o perverso não tinha o direito
à uma práxis política? ele era excluído da vida do aparelho de Estado? O
sujeito da antiguidade é aquele que tem o domínio de si, pois, a vida é um
campo de guerra na alma e na polis-Estado, nas comunidades psíquicas de
significante ou do indivíduo ou do Estado:
“E que esse antagonismo de si para consigo tenha que
estruturar a atitude ética do indivíduo, no que diz respeito aos desejos e aos
prazeres, é o que está claramente afirmado no início das ‘Leis’: a razão dada
para que haja em cada Estado um comando e uma legislação é que, mesmo na paz,
todos os Estados estão em guerra uns com os outros; do mesmo modo, é preciso
entender que, se ‘na vida pública todo homem é para todo homem um inimigo’, na
vida privada ‘cada um , face a si próprio, é um inimigo de si mesmo’; e de todas as vitórias
possíveis de serem obtidas, ‘a primeira e mais gloriosa’ é a que se consegue
‘sobre si mesmo’, ao passo que ‘o mais vergonhoso’ dos fracassos, ‘o mais
desprezível’, ‘consiste em ser vencido por si mesmo’”. (Foucault. 1984. V. 2:
65).
Foucault faz um diálogo latente como Werner Jagger? Ele quer
falar do grego de um modo que não seja o do idealismo alemão, glorificador do
homem normal da antiguidade “ocidental”? Ele quer a subsunção da retórica de
Jagger à um modo de ser psíquico que não seja o do retórico do cosmopolitismo
alemão:
Jagger:
“Desde as primeiras notícias que temos deles, encontramos o
homem no centro do seu pensamento. A forma humana dos seus deuses, o predomínio
evidente do problema da forma humana na sua escultura e na sua pintura, o
movimento consequente da filosofia desde o problema do cosmo até o problema do
homem, que culmina em Sócrates, Platão e Aristóteles; a sua poesia, cujo tema
inesgotável desde Homero até os últimos séculos é o homem e seu duro destino no sentido pleno da palavra;
e, finalmente, o Estado grego cuja essência só pode ser compreendida sob o
ponto de vista da formação do homem e de sua vida inteira; tudo são raios de
uma única e mesma luz, expressões de um sentimento vital antropocêntrico que
não pode ser explicado nem derivado de nenhuma outra coisa e que penetra todas
as formas do espírito grego. Assim, entre os povos, o grego é o
antropoplástico”. (Jagger: 10).
7
A prática política virtual é constituída por uma
plurivocidade de prática política específica:
“A mesma aprendizagem deve tornar capaz de virtude e de
poder. Assegurar a direção de si mesmo, exercer a gestão da própria casa,
participar do governo da cidade são três práticas do mesmo tipo”. (Foucault.
1984. V. 2: 71).
A prática política virtual:
“Recorre-se também ao modelo da vida cívica para definir a
atitude de temperança. A assimilação dos desejos a um povo inferior que se
agita e4 que sempre está procurando se revoltar se não se lhes mantém a rédea,
é um tema conhecido em Platão.; entretanto, a estrita correlação entre
indivíduo e cidade, que sustenta a reflexão da ‘República’, permite desenvolver
inteiramente o modelo ‘cívico’ da temperança e de seu contrário. Nele a ética
dos prazeres é da mesma ordem que a estrutura política:’. Se o indivíduo se
assemelha à polis, não é uma necessidade que se passem nele as mesmas coisas’?;
e o homem será intemperante quando fracassa a estrutura de poder, a arché que
lhe permite vencer e, dominar (kratein) as potências inferiores ; então, ‘uma
servidão e uma baixeza extrema tomarão sua alma; e as partes ‘mais honestas
dessa alma cairão na escravidão e ‘uma minoria, formada pela parte pior e mais
furiosa, nela comandará como senhora e maître. No final do penúltimo livro da
‘República’, após construir o modelo de cidade, Platão reconhece que o filósofo
terá muito pouca oportunidade de encontrar nesse mundo Estados tão perfeitos e
de neles exercer a sua atividade; entretanto, acrescenta ele, o ‘paradigma’ da
polis se encontra no céu para quem quiser contemplá-lo; e o filósofo, olhando-o,
poderá ‘dirigir seu governo particular’ (heauton katoikizein); Pouco importa
que esse Estado esteja realizado em alguma parte ou que esteja ainda por se
realizar: é desse Estado e de nenhum outro que ele seguirá as leis’. A virtude
individual tem que se estruturar como uma polis”. (Foucault. 1984. V. 2:
67-68).
A práxis política do filósofo-rei é parte de uma prática
política virtual totalitária? Karl Popper acha que sim (Popper: 1979. V. 1: cap.
Le philosophe -Roi). Foucault considera que o filosofo-rei não é um fenômeno
retórico da filosofia:
“De fato, nas ‘Leis’, a prescrição de casar na idade que
convém (para os homens , entre vinte e vinte cinco anos), de fazer filhos nas
melhores condições, e de não ter seja o homem ou a mulher- nenhuma relação com
quem quer que seja a não ser com o cônjuge, todas essas injuções não assumem a
forma de uma moral voluntária, mas de uma regulamentação coercitiva; é verdade
que se sublinha várias vezes a dificuldade de legislar nessa matéria, ‘ e o
interesse que haveria em que certas medidas tomam-se a forma de regulamento
apenas se ocorressem desordens e se o maior numero não fosse mais capaz de
temperança [...]. Uniões que, em respeito ás proporções proveitosas ao Estado,
evitariam que os ricos se casassem com os ricos, meticulosas inspeções que
viriam verificar que os jovens casais se preparem efetivamente à sua tarefa
procriadora, a ordem, combinada com a punição, de só fecundar a esposa
legítima, sem ter nenhuma outra relação sexual durante todo o período em que se
está na idade de procriar, tudo isso, que é ligado às estrutura particulares da
polis ideal, é bastante estranho a um estilo de temperança fundado na procura
voluntária da moderação”. (Foucault. 1984b. V. 2: 185-186).
8
É uma platitude que Nietzsche é o AntiPlatão. Se a
civilização platônica é o modo de ser psíquico do homem normal e a barbárie a
comunidade psíquica do significante do perverso grego, então, Nietzsche é do
partido político dessa última:
“Facilmente se advinha onde situar o grande signo de
interrogação para que ele incida sobre o valor da existência. Será o pessimismo
necessariamente signo de declínio, de decadência, de falência dos instintos
lassos e enfraquecidos, como foi no caso dos Hindus? Como está sendo, a julgar
pelas aparências, no nosso caso, no caso dos homens modernos europeus? Ou
haverá um pessimismo da força? Uma predileção intelectual pela aspereza, pelo
horror, pela crueldade, pela incerteza da existência, predileção devida á saúde
excelente, ao excesso de força vital, á excedência da vida? Tão excessiva
plenitude não trará consigo um certo sofrimento? A visão mais penetrante não
será por isso mesmo dotada de uma temeridade irresistível, que busca o terrível
como quem busca o inimigo, que procura um adversário nobre contra o qual possa
experimentar a sua força? Não pretenderá ela saber o que é o <pavor>? Que
significa o mito trágico, precisamente entre os Gregos da época mais alta, mais
forte, mais valorosa? E esse fenômeno prodigioso do espírito dionisíaco? Que
significa a tragédia, filha dele? – Em compensação, aquilo que causou a morte
da tragédia, o socratismo da moral, da dialética, da ponderação e da serenidade
do homem, - sim, o socratismo – não poderá ser tomado justamente por um signo
de decadência, de lassidão, de esgotamento, de anarquismo dissolvente dos
instintos? A <serenidade helênica> dos últimos gregos, não teria sido um
crepúsculo? O esforço epicurista contra o pessimismo, não seria apenas uma
precaução do doente? A própria ciência, sim, a nossa ciência, encarada como
sintoma de vida, que significa ela, afinal? Para quê, ou antes, de que nos vem
toda a ciência? Pois quê? O espírito científico será mais do que receio a
distração em frente do pessimismo? mais do que um expediente engenhoso contra –
a verdade? Ou, para falar moralmente, uma análogo do medo e da hipocrisia? ou,
para falar imoralmente, da astúcia? Ai, Sócrates, Sócrates: era então esse o
teu segredo? O misterioso ironista: era essa talvez a tua ironia? (Nietzsche.
1982: 18-19; 1977: 11-12).
De Nietzsche, o nacional socialista retirou um campo de
ideologias para o combate, a stásis e a pólemos. Ora. Isso é tudo em Nietzche,
a ideologia recobre todo o texto nietzschiano? Se esquece com muita facilidade
e oportunismo a gramática de sentido do mais-gozar que diz ser a comunidade
psíquica de significante do perverso verdadeiro o motor do campo político
europeu - milenar.
9
Hegel descobriu/inventou um conceito de revolução moderna a
partir da gramática de sentido do perverso verdadeiro <Revolução
Francesa>:
“Conforme o primeiro lado, a independência só confere ao
encontrado a forma da individualidade consciente em geral, e, que respeita o
conteúdo, permanece no interior da efetividade universal encontrada. Mas,
conforme o outro lado, a independência confere a essa efetividade a menos uma
modificação peculiar, que não contradiz seu conteúdo essencial, ou seja, uma
modificação pela qual o indivíduo, como efetividade especial e como conteúdo
peculiar, se opõe àquela efetividade universal. Essa oposição vem a tornar-se
crime quando o indivíduo suprassume essa efetividade de uma maneira apenas
singular, ou vem a tornar-se um outro mundo – outro direito, outra lei e outros
costumes, produzidos em lugar dos presentes – quando o indivíduo o faz de
maneira universal e, portanto, para todos”. (Hegel1992:.194).
A transformação histórica no campo político efetivo e
universal adquire duas vias. A primeira a mudança é crime político. A segunda é
a revolução moderna. O que é o indivíduo: Na mudança criminosa política. o
indivíduo é um modo de ser psíquico retórico/falso cínico. Donal Trump quer
produzir uma mudança na estrutura do campo político americano? Ora será um
crime político pois a mudança será a expressão do modo de ser psíquico
retórico/falso cínico que ele é a sínteses do americanismo.
Lenin e Mao são uma alternativa lógica a de Trump. Eles são o
verdadeiro perverso da lógica nietzschiana. Eles são a revolução nietzschiana
da comunidade psíquica de significante/semblância verdadeiro perverso. Assim,
Rússia e China se transformaram no mundo como teatro da revolução. Seria uma
comédia?:
“22. A comédia é, como dissemos, imitação de homens
inferires; não, todavia, quanto a toda a espécie de vícios, mas só quanto
àquela parte do torpe que é o ridículo. O ridículo é apenas certo defeito,
torpeza anódina e inocente; que bem o demonstra, por exemplo, a máscara cómica,
que, sendo feia e disforme, não tem [expressão de] dor”. (Aristóteles.
1990:109).
A comédia pode expressar no rosto do ator a dor, a linguagem
do sofrimento, a doença social e, ao mesmo tempo, o pessimismo da força; ela
pode alcançar um modo de ser psíquico do verdadeiro perverso, na medida em que
caia a máscara, isto é, a ideologia que oculta o cinismo verdadeiro
antiretórico. A cultura em geral gira a partir do choque entre o cosmopolitismo
retórico/cínico falso [do subcampo reacionário/radical] e a revolução cultural
do perverso verdadeiro antiretórico - como manifestação da gramática de sentido
do homem político portador da saúde social de uma nação.
10
Para o grego clássico, o falar do futuro é um problema da
estratégia fatal. Weber diz que a sociologia pode fazer a profecia racional o
futuro. (Weber. 1968:316). Um programa da CNN Brasil convida cientistas sociais
para falar do futuro das relações internacionais, dos povos, do Estado e da
realidade econômica. Eles não leram a “História da sexualidade, v. 2, O cuidado
de si”, de Foucault, nem o Interpretação de sonhos, De Freud.
Para o grego, o futuro é um enigma que necessita de
decifração, seja com o Oráculo, seja com o sonho. O futuro aparece como um
fenômeno da realidade a partir da analogia com a interpretação do sonho. Há um
pressuposto saber de Artemidoro usado para decifrar o sonho. Daí surge a
gramática de sentido tanto do sonho como do futuro da realidade. A gramática de
sentido do ato sexual parte da do significante-semblância <penetração>:
“Ora, esse ato de penetração – coração e foco do sentido para
o sonho, matéria-prima de interpretação e foco do sentido do sonho - é imediatamente
percebido no interior de uma cenografia social. Artemidoro vê o ato sexual
antes de mais nada como um jogo entre superioridade e inferioridade: a
penetração coloca os dois parceiros numa relação de dominação e de submissão;
ela é vitória de um lado e derrota de outro; para um dos parceiros ela é
direito que se exerce, necessidade que é imposta ao outro; ela é status que se
ostenta ou condição que se sofre; é vantagem da qual se lucra ou aceitação de
uma situação cujos benefícios se deixa para outros. O que conduz aos outros”.
(Foucault. 1985: 36-37; 1985:43).
Freud fala do sonho para os povos da antiguidade como a etapa
pré-científica da ciência do sonho:
“o ponto de vista pré-histórico dos sonhos, sem dúvida, ecoou
na atitude adotada para com os sonhos pelos povos da antiguidade clássica.
Aceitavam como axiomático que os sonhos estavam relacionados com o mundo dos
seres super-humanos nos quais acreditavam e que constituíam revelações de
deuses ou demônios. Não poderia haver dúvida, além disso, que, para aquele
que sonhava, os sonhos tinham uma finalidade
importante, que era, via de regra, prever o futuro. A extraordinária variedade
no conteúdo dos sonhos e na impressão que produziam dificultava, todavia, ter
deles qualquer ponto de vista uniforme e tornava necessário classificá-los em
numerosos grupos e subdivisões, de acordo com sua importância e seu grau de
confiança. A posição adotada no tocante aos sonhos por filósofos isolados na
antiguidade dependia, naturalmente, até certo ponto, da atitude dos mesmos em
relação à adivinhação em geral”. (Freud. 1972. Parte 1: 2).
Freud vê uma psicologia quase científica na ciência do sonho
de Aristóteles:
“Nas duas obras de Aristóteles que tratam dos sonhos, eles já
foram objeto de estudo psicológico. Informa-nos as referidas obras que os
sonhos não são enviados pelos deuses e não são de natureza divina, mas que são
‘demoníacos, visto que a natureza é ‘demoníaca’ e não divina. Os sonhos, vale
dizer, não decorrerem de manifestações sobrenaturais, mas seguem as leis do
espírito humano, embora este, é verdade, seja afim ao divino. Define-se os
sonhos como atividade mental de quem dorme, até o ponto em que esteja
adormecido”. (Freud. 1972. Parte 1: 2-3).
Em Aristóteles, há essa fratura com a gramática de sentido de
futuro aberto no sonho antes das luzes da filosofia. Sendo obra do ESPÍRITO, o
sonho é uma tela de imagens/objetos que não é sobre o futuro dos homens:
Antes da época de Aristóteles, os antigos consideravam os
sonhos não como um produto da mente que sonhava, mas como algo introduzido por
uma intervenção divina; e já as duas correntes antagônicas, que iremos
encontrar influenciando opiniões da vida onírica em cada período da história,
se faziam sentir. Traçou-se a distinção entre sonhos verdadeiros e valiosos,
enviados ao indivíduo adormecido para adverti-lo ou predizer-lhe o futuro, e
sonhos vãos, falazes e destituídos de valor, cuja finalidade era desorientá-lo
ou destruí-lo”. (Freud. 1972. Parte 1: 3).
Weber pôs a sociologia no lugar dos deuses na produção da
gramática de sentido racional do futuro? Ora, os <sonhos vãos> são
destituídos de gramática de sentido lógico, eles introduzem a anarquia no sonho
como causa de sofrimento para o sonhador. A anarquia onírica já é um modo de
ser psíquico do perverso no sonho que tem a ver com o mais-gozar extraído do
sofrimento.
11
Sendo o sonho um objeto da psicanálise, Freud parte da
relação da antiguidade com os artistas do Renascimento e do barroco inglês:
“’Parecia então, afinal de conta, que os sonhos não são a
completa insensatez conforme o disseram autoridades como Chaucer, Shakespeare e
Milton. As agregações caóticas de nossa fantasia noturna possuem um significado
e transmitem novos conhecimentos. Como alguma carta cifrada, a inscrição
onírica, quando examinada de perto, perde sua primeira aparência de disparate e
assume o aspecto de uma mensagem séria e inteligível. Ou, para variar
ligeiramente a figura, podemos dizer que como um palimpsesto, o sonho revela,
sob os seus caracteres superficiais destituídos de valor, vestígios de uma
comunicação antiga e precisa”. (Freud. 1972. Vol. 4: 145).
A comunicação antiga refere-se ao sonho como uma espécie de
gramática de sentido:
“Tal ocorro conosco, agora que ultrapassamos a primeira
interpretação de um sonho. Encontramo-nos em plena luz do dia de uma súbita
descoberta. Não se deve assemelhar os sonhos aos sons desregulados que saem de
um instrumento musical atingido pelo gole de alguma força externa em vez de
sê-lo pela mão de quem sabe tocar (cf. pag. 82): não são destituídos de
sentido, não são absurdos; não implicam que uma parcela da nossa reserva de
ideias se ache adormecida, enquanto outra começa a despertar. Ao contrário, são
fenômenos psíquicos de inteira validade – realizações de desejo; põem ser
inseridos na cadeia de atos mentais inteligíveis da vigília; são produzidos por
uma atividade da mente altamente complexa”. (Freud. 1972. V. 4: 131).
Há gramática de sentido no sonho; ela faz pendant com uma
lógica do sonho muito complexa; A lógica do sonho é a realização de desejos. No
entanto, há sonhos desagradáveis, de sofrimento psíquico que parecem refutar a
hipótese de Freud. Ele sai da confusão falando do desejo na realidade latente
ou na realidade manifesta. Estas parecem ser parte da lógica dialética
materialista, pois o latente é a superfície reprofunda da essência e o
manifesto a realidade da superfície superficial do aparecer do sonho como fenômeno.
Assim, a lógica do sonho do sofrimento é da superfície reprofunda. Mas qual
lógica? adianto uma hipótese já trabalhada em vários textos meus. A logica do
sofrimento é a gramática de sentido do modo de ser psíquico do perverso. É a
lógica do mais-gozar ou Mehrlust; é a realização de um desejo, porém, do
excedente de desejo.
O excedente de desejo abre as comportas para a relação do
desejo com a gramática de sentido da forma de governo tirânica. Esta forma
produz o excedente de desejo para o sonhador, cria e recria a gramática de
sentido do mais-gozar na relação do
sonho como tirania (proprietária exclusiva do sonho) e o sonhador. A relação
com a realidade do campo político da sociedade/Estado consiste que a forma de
governo tirânica implica que o indivíduo se submeta a ela como sendo o perverso
verdadeiro. Como mais-gozar, a gramática
de sentido do sofrimento da tirania é aquilo que sustenta essa forma de governo
despótica da atualidade.
Freud:
“O sonho dessa pobre sofredora se assemelha quase a uma
representação concreta de uma frase que leva as pessoas a dizerem em situações
desagradáveis: ‘Devo dizer que podia pensar em algo mais agradável do que
isso’. O sonho proporciona um quadro dessa coisa mais agradável. O Herr Karl
Meyer, ao qual aquela que sonha transplantou suas dores, foi o jovem mais
indiferente de seu conhecimento de quem ela podia recordar-se”, (Freud. 1972.
V. 4: 135).
A lógica da gramática de sentido pode transformar o
desagradável em agradável, a imagem do feio em imagem do belo. Claro, que feio
e belo são da tela de gosto do sonho, são uma questão de gosto. A multidão do
falso cínico pode achar belo a imagem na tela técnica de Donald Trump,
Bolsonaro e Milei. Pode extrair dessa imagem um mais-gozar ,uma realização de
desejo excedente. O campo político é realização de desejo excedente pela
multidão que sonha em uma tela de gosto técnica:
Esses exemplos talvez sejam suficientes para mostrar que os
sonhos que somente podem ser compreendidos como realização de desejos e que
trazem seu sentido em suas faces sem disfarce encontram-se sob as mais
frequentes e variadas condições. Na sua maioria, são sonhos simples e curtos,
que oferecem agradável contraste com as composições confusas e exuberantes que
têm principalmente atraído a atenção das autoridades”. (Freud. 1972. V. 4:
136),
O sonho com disfarce é o sonho ideológica, ideologia de sonho
que oculta o sonho como realização de desejos. Freud fala do sonho da criança
como sonho puro sem ideologia.
12
Ao princípio do mais-gozar corresponde o trabalho excedente
do sonho; o trabalho necessário ideológico (mascaramento do prazer e do
mais-gozar) começa na infância:
“Os sonhos de crianças de pouco idade são, amiúde, puras
realizações de desejos e são, nesse caso, inteiramente desinteressantes em
confronto com os sonhos de adultos. Não levantam problemas para serem
solucionados, mas, por outro lado, são de inestimável importância no provar
que, em sua natureza essencial, os sonhos representam realizações de desejos”.
(Freud. 1972. V. 4: 136)
O campo de ideologias se instala no sonho para como gramática
de sentido de ocultação do ´princípio de prazer ou, sobretudo, de mais-gozar:
“Mas até mesmo observadores descontentes têm insistido que a
dor e o desprazer são mais comuns no sonho que o prazer”. (Freud. 1972. V. 4:
144).
O trabalho excedente produz a mais-valia pública do sonho:
Mehrlust. É a superfície da gramática de sentido da forma de governo no sonho:
“Dificuldade semelhante se depara ao escritor político, que
sem verdades desagradáveis a dizer aos que se acham nas posições de mando. Se
ele as apresenta sem disfarces, as autoridades suprimirão suas palavras –
depois de pronunciadas, se a sua comunicação for oral, mas de antemão, se ele
pretendia imprimi-las. Um escritor tem que estar precavido contra a censura.,
e, por causa dela, deve suavizar e distorcer a expressão de sua opinião. De
acordo com o vigor e a sensibilidade da censura, vê-se compelido a empregar
alusões em vez de referências diretas, ou tem que ocultar seu pronunciamento
objetável sob algum disfarce aparentemente inocente: por exemplo, poderá
descrever uma contenda entre dois mandarins do Celeste Império, quando as
pessoas que têm em mente são funcionários categorizados de seu próprio país.
Quanto mais rigorosa a censura, de maior alcance será o disfarce e, também,
mais engenhoso poderá ser o meio empregado para pôr o leitor no rastro do
verdadeiro sentido”. (Freud. 1972. V. 4: 152).
13
A filosofia em Roma provia com as gramáticas de sentido a
prática social do cuidado de si em busca da felicidade e contra o sofrimento do
corpo e da alma:
“Para os epicuristas, a ‘Carta a Meneceu’ dava acesso ao
princípio de que a filosofia devia ser considerada como exercício permanente
dos cuidados consigo. ‘Que ninguém, sendo jovem, tarde a filosofar, nem velho
se canse da filosofia. Pois para ninguém é demasiado cedo nem demasiado tarde
para assegurar a saúde da alma’. É esse tema epicurista de que convém ter
cuidados consigo mesmo que Sêneca relata em uma de suas cartas: ’Do mesmo modo
que um céu sereno não é suscetível de uma claridade ainda mais viva quando, de
tanto ser varrido pelos ventos, reveste-se de um esplendor sem sombras, assim
também o homem que vela por seu corpo e por sua alma (Hominis corpus aqnimumque
curantis) para construir por meio de ambos a trama de sua felicidade,
encontra-se num estado perfeito e no auge de seus desejos, do momento que sua
alma está sem agitação e seu corpo sem sofrimento’”. (Foucault. 1985. V. 3:
51).
A gramática de sentido cuidados consigo é a luta permanente
contra a falsa perversão na vida
pública:
“Mas que os filósofos recomendem cuidar-se de si não quer
dizer que este zelo esteja reservado para aqueles que escolhem uma vida
semelhante à deles; ou que uma tal atitude só seja indispensável durante o
tempo que se passa junto a eles. É um princípio válido para todos, todo o tempo
e durante toda a vida. Apuleu observa isso: pode-se, sem vergonha nem desonra,
ignorar as regras que permitem pintar e tocar cítara; mas saber ‘aperfeiçoar a
própria alma com a ajuda da razão ‘é uma regra ‘igualmente necessária para
todos os homens’. (Foucault. 1985. V. 3: 53).
A “história de Foucault procura evitar a retórica falso
cínica:
“Tem-se aí um dos pontos mais importantes dessa atividade
consagrada a si mesmo: ela não constitui um exercício de solidão, mas sim uma
verdadeira prática social. E isso, em vários sentidos. Na verdade, ela
frequentemente tomou forma em estruturas mais ou menos institucionalizadas;
assim as comunidades neopitagóricas ou ainda esses grupos epicuristas sobre as
práticas dos quais tem-se algumas informações através de Filodemo: uma
hierarquia reconhecida atribuía, àqueles que estavam mais avançados, a tarefa de
dirigir os outros (quer individualmente, quer de modo mais coletivo); mas
existiam também exercícios comuns que permitiam, nos cuidados que se tinha
consigo, receber ajuda dos outros: a tarefa definida como to di’allelon
sozesthai”. (Foucault. 1985: v. 3: 57).
A comunidade psíquica do significante do perverso é a
estrutura de dominação romana, sendo o dinheiro fetiche:
“Tudo valia dinheiro. Os postos militares que garantiam a
polícia dos c campos e ali preenchiam as funções administrativas faziam os
povoados votarem -lhes gratificações (stephanos). Todo funcionário dava um
jeito para lhe molharem a mão a fim de executar a menor tarefa; a necessidade
de tosar os animais sem os esfolar muito levou à divisão equânime dos lucros;
as propinas acabaram sendo oficialmente
tabeladas e o preço de cada etapa foi afixado nos escritórios. Os
administradores tinham o cuidado de apesentar-se diante de um funcionário ou de
um alto dignitário com um presente na mão; afinal tratava-se de reconhecer com
um símbolo substancial a superioridade dos chefes sobre os comandados”. (Veyne:
: 106-107).
O modo de ser psíquico do perverso romano é uma realidade
irrevogável no aparelho de Estado:
“Exigir pagamentos ilegais constituía o grande negócio dos
governadores de província, que comprovam
o silêncio dos inspetores imperiais. O poder central fazia vista grossa,
bastava-lhe receber sua parte. Pilhar as províncias como governador era, diz
Cícero, ‘o caminho senatorial de enriquecimento’; um caso fenomenal como o de
Verres, que trouxe sua província da Sicília a rédea curta e estabeleceu ali um
terror sangrento, é comparável ao gangsterismo de Estado de alguns presidentes
da América Central”. (Veyne: 107).
O Estado mafioso feudal da atualidade nas Américas é
comparável ao modo de ser psíquico romano quase mafioso. (Bandeira da Silveira.
2024: 418).
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