José Paulo
DO CAPITAL ELETRÔNICO AO CAPITAL CIBERNÉTICO
Em Marx, temos o departamento 1 (o capital de meios de
produção, de bens de consumo produtivos) e o departamento 2 (do capital de
produção de bens de consumo improdutivos). Com Rosa, se acrescenta o
departamento 3: de bens da circulação, produção de dinheiro. (Rosa: 73).
Com o capitalismo globalizado corporativo cibernético se
acrescenta à divisão do trabalho capitalista mundial o DEPARTAMENTO 4. Trata-se
do departamento de capital corporativo cibernético em dois espaços econômicos
em junção e disjunção: capital produtivo corporativo cibernético e capital
corporativo cibernético da sociedade de comunicação.
Depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos
desenvolvem a sociedade de comunicação fazendo pendant com a sociedade do
espetáculo, de um Guy Debord. A sociedade de comunicação é o lugar do capital
eletrônico da publicidade capitalista que usa o excedente crescente do
capitalismo monopolista na <campanha de vendas>. (Baran: 1974:119):
“Há dúvidas sérias quanto ao valor dos programas artísticos
apresentados pelos meios de comunicação de massa e servindo direta ou
indiretamente como veículos de publicidade; mas não há dúvida de que todos eles
poderiam ser apresentados aos consumidores a um custo incomparavelmente menor
do que estes são obrigados a pagar através da publicidade comercial”. (Baran.
1974: 126).
A lógica da venda tem autonomia em relação à lógica do
entretenimento:
“O objetivo de um comercial não é <divertir> o telespectador, e sim <vender> para ele. Horace Schwerin conta que
não existe correlação entre as pessoas gostarem dos comerciais e <serem convencidas a comprar> por eles”. (Ogiluy. 2003: 147).
A lógica da publicidade dominante dos mass media se define
como um regime de imagens eletrônico:
“Nos primeiros tempos da televisão, cometi o erro de confiar
nas palavras para fazer a venda. Eu estava acostumado com o rádio, onde não
existia imagem. Agora sei que na televisão você tem de fazer com que as <imagens> contém a história. O que você <mostra> é mais importante do que o que você <diz>. Palavras e imagens devem caminhar
juntas, reforçando-se mutuamente. A única função das palavras é explicar o que
as imagens estão mostrando”. (Ogiluy. 2003:148)
Associada à um regime de imagens eletrônicas, a <lógica do mostrar>a mercadoria aparece como espetáculo:
“ 37. O mundo presente e ausente que o espetáculo <faz ver> é o mundo da mercadoria dominando
tudo aquilo que é vivido. E o mundo da mercadoria é assim mostrado <como ele é>, pois seu movimento é idêntico ao <distanciamento> dos homens entre si e em relação a
tudo que produzem”. (Debord: 36).
A sociedade do espetáculo não existiria sem o capital
eletrônico:
“4. O espetáculo não é um conjunto de imagens, e sim uma
relação social entre pessoas, mediada por imagens”. (Debord: 16).
O capital eletrônico, também, articula e regula a sociedade
de informação. (Wolton: 19):
“existe correlação rigorosa e necessária entre os dois, na
medida em que a informação é diretamente destruidora ou neutralizadora do
sentido e do significado. A perda de sentido está diretamente ligada à ação
dissolvente, dissuasiva, da informação, dos medias e dos mass media”.
(Baudrillard. 1981:120).
A sociedade de comunicação é aquela da compreensão mutual à
distância (mediada pela técnica ou capital da comunicação) que supõe se
apresenta como <comunicação normativa> pois supõe a existência de regras, de códigos e símbolos
(Walton:17). Trata-se da <gramática da comunicação>.
Uma <comunicação funcional > é a razão comunicacional instrumental do
capital <tout court>, deslizando nas trocas de bens e serviços, fluxos
econômicos, financeiros e de administração econômica. (Wolton: 17). Temos aí
uma gramática da economia.
A vida cotidiana muda radicalmente com a internacionalização do
capital eletrônico nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
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Como indústria da comunicação, o capital eletrônico é o motor
da <mundialização da comunicação> como liame social da sociedade ocidental e extremo-ocidental da <sociedade moderna individualista de massa>. (Wolton: 98-99). O capital eletrônico cria e recria as
aparências de semblância de que a vida dos países desenvolvidos é igual a dos
países subdesenvolvidos.
Na América Latina, a passagem do subdesenvolvimento
tradicional para o subdesenvolvimento com sistema industrial produz a atmosfera
de uma tela gramatical eletrônica na qual o subdesenvolvimento desaparece como
representação da realidade dos fatos. Depois, o capitalismo neoliberal usou a
publicidade nos mass media para falar em <países em desenvolvimento> no lugar de países subdesenvolvidos.
O princípio do igualitarismo entre os receptores vale também
como princípio de igualitarismo entre nações na representação e visibilidade
dos países na mundialização da indústria da comunicação.
A propósito, a televisão entra nos lares de todas as classes
sociais e classes de idade. E ela os
trata como um único público, um público homogêneo. Ela trata os indivíduos como
homólogos da soberania popular na qual as classes se dissolvem no voto, mas não
na representação política produzida pelo voto.
Quem a televisão representa na política? A audiência ou o
capital na política? Os mass media se articulam pela gramática econômica da
indústria de comunicação. Tal gramática faz da televisão um centro do campo de
poderes da mundialização do capital eletrônico existindo nacionalmente. Não há
internacionalização tout court do capital eletrônico como centro de poderes econômico
dos países desenvolvidos de uma mundialização da indústria da comunicação,
voltada para a acumulação capitalista mundial. Os mass media significam uma nacionalização
do capital eletrônico, uma indústria de comunicação nação a nação.
No entanto, a <ideologia da comunicação mundial> é um artefato econômico que organiza a hegemonia do <capitalismo corporativo das multinacionais> nos países dependentes industriais da América Latina. Tal
ideologia foi e é fundamental no estabelecimento e aprofundamento do
capitalismo neoliberal subdesenvolvido em países com sociedade industrial em
colapso.
Aliás, a ideologia da comunicação mundial é um fenômeno de
ocultação da articulação dos grandes países subdesenvolvidos pelo <capitalismo criminoso> (Platt: 19, 45, 101) e <criminostat> (Virilio: 55).
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O príncipe eletrônico se caracteriza pela intervenção dos
mass mediia na eleição presidencial. No Brasil, a eleição de Bolsonaro teve a
intervenção da televisão como ação de uma unidade política de um campo de poderes
da direita.
O príncipe cibernético emerge na crise da covid-19. Ele é a
unidade de uma ação política que tem como forças o capitalismo corporativo
cibernético, o Estado-cientista cibernético natural, as elites científicas de
países desenvolvidos com sociedade industrial cibernética (China no proscênio),
a OMS e elites políticas nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Alguns países se recusam a seguir a orientação científica e
política do príncipe cibernético. A hegemonia deste culmina com a primeira Assembleia
Mundial da Saúde, em 2020, com centenas de governos. As políticas nacionais
fora da hegemonia em tela são representadas como política genocida.
O príncipe cibernético aparece em uma mudança radical do
discurso político.
O discurso político é a junção de fantasia (imaginação) e
realidade dos fatos. Então, é fácil constatar que a covid-19 alterou a
estrutura do discurso político contemporâneo.
O tempo do discurso foi alterado. O tempo se desarticula da
vida presencial e assume a forma de um tempo de uma fantasia cibernética. O
espaço existe virtualmente e já parece como natural o funcionamento digital da
política.
Em maio, ocorre uma ASSEMBLEIA MUNDIAL DA SAÚDE DIGITAL como fato
e artefato do príncipe cibernético.
O discurso político tem como fenômeno principal o Estado-cientista
no lugar do capital. Trata-se do Estado-cientista, cibernético, natural. A
Assembleia da saúde da ONU reúne centenas de países para discutir estratégia e
táticas de combate à pandemia.
Como discurso político, o capitalismo globalizado (ou globalização
econômica) foi substituído pela <globalização do discurso político>, como
príncipe cibernético. Nesta globalização, o Estado nacional tem como tangente o
<modelo corporativo cibernético>.
A adaptação biológica e/ou espiritual ao discurso político
atual é algo tão novo e desconhecido, desconcertante, que os governantes e
população em geral se mostram hostis uns com os outros. A estratégia de “isolamento
social” é um fenômeno que salva vidas, mas, também, põe e repõe novos problemas
para o ser humano – problemas excruciantes.
Como pensar a existência de um campo de afetos sem o contato
físico do cotidiano? A própria ideia de relação social é posta em questão.
Estaríamos frente a frente com o fim da sociedade como fonte de carinho
inesgotável? A sociedade pode existir com um campo de afetos do prisioneiro? O
discurso político cibernético é aquele da penitenciária digital globalizada.
O avesso do discurso do prisioneiro cibernético é o risco de
morte que implode o sistema de saúde público e privado. Jamais a vida humana
dependeu tanto de seus governantes em nível mundial. Do príncipe cibernético.
“Navegar é preciso, viver não é preciso”. Hoje, viver tem que
ser preciso. A vida depende da engenharia cibernética na planificação da
política e da sociedade. Ou, o deixar correr o barco sem engenharia poderá ser
a opção dos povos que não suportarem o ser do discurso político do príncipe cibernético
da terceira década do século XXI.
Há um novo sujeito na gramática da política do contemporâneo.
É o sujeito como prisioneiro de uma penitenciária cibernética globalizada.
Neste tempo político, a liberdade de ir e vir não é mais garantida pelos
direitos fundamentais individuais das Constituições democráticas.
O campo do (s) sujeito (s) encontra-se aturdido.
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Com o príncipe eletrônico, a mesma mensagem dirigida a todo
mundo nunca é recebida da mesma maneira. A televisão tem um centro de
transmissão de mensagens. É o capital eletrônico dividido em partes de si contra
partes de si como indústria da comunicação.
O príncipe cibernético é um ciberespaço anárquico, pois não tinha
um centro hegemônico discursivo até a sociedade covid-19 em colapso. Já apontamos
a natureza do príncipe cibernético. A hegemonia do príncipe eletrônico é
nacional e do príncipe cibernético globalizada.
A globalização da sociedade de comunicação corporativa de
massa se realiza através do príncipe cibernético.
O príncipe eletrônico é feito de capital eletrônico e
receptores ou audiência. Ele funciona pelas aparências de semblância do
princípio da igualdade entre os receptores como se fosse equivalente ao fenômeno
da soberania popular.
Assim como o princípio da igualdade da soberania popular (um
homem um voto) só existe na teoria democrática, não existe na realidade política,
o princípio da igualdade entre os receptores só existe na teoria da
comunicação.
O campo dos receptores-sujeito é heterogeneamente desigual, pois,
ele funciona como leituras da mensagem que o capital eletrônico dirige a ele. O
receptor é um intérprete da mensagem da televisão, que se comporta como um
sofista. Ela é capaz de enviar uma mensagem política a favor de Bolsonaro e
depois enviar uma mensagem contra Bolsonaro. Ela é capaz de atacar Bolsonaro com
mensagens que são o inverso das mensagens de defesa de Bolsonaro. O príncipe
eletrônico é um sofista.
A televisão se dirige a todas as classes sociais e classes de
idade. Trata-se de uma ilusão da televisão querer satisfazer todo mundo. Eis a
ilusão do princípio da igualdade se o sujeito faz parte do príncipe eletrônico.
A televisão quer tocar todo mundo. (Wolton: 103).
O <Grande público>do príncipe eletrônico faz deste o Grande Outro lacaniano no
lugar da soberania popular do sufrágio universal?
O ciberespaço não tem o Grande Outro? o cibernauta se dirige
ao ciberespaço como um campo simbólico no qual ele fala com um Deus mortal que substitui
o Deus mortal de Hobbes: o Estado. (Hobbes: 110)
O príncipe cibernético é o Deus mortal no qual o cibernauta
fala com Deus sobre seus problemas e os problemas da realidade. Trata-se de um
campo anarco-empirista das mil repúblicas autorais que desenha uma
plurivocidade de realidade dos fatos imaginários e reais.
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O príncipe cibernético é um fenômeno que emerge como parte do
departamento 4 do capitalismo corporativo mundial. O departamento 4 é formado
pelo capital corporativo produtivo cibernético e pelo capital corporativo da
sociedade de comunicação cibernética.
O capital corporativo produtivo cibernético existe na
sociedade industrial cibernética que tem como polo mais dinâmico de acumulação
capitalista países da Ásia oriental.
O capital corporativo da comunicação cibernético faz laço entre
os países desenvolvidos e os países subdesenvolvidos. Há um subdesenvolvimento
com capital corporativo cibernético da comunicação. Este funciona como motor de
acumulação capitalista do capitalismo corporativo mundial privado.
A covid-19 não significou uma crise para o capital cibernético
da comunicação. Ao contrário, ele aparece como motor dinâmico da acumulação do
capitalismo corporativo cibernético privado mundial.
A nova ordem capitalista
vai se construindo como ordem capitalista da comunicação cibernética mundial -
tendo como fenômeno principal a hegemonia planetária do príncipe cibernético.
O capital corporativo cibernético faz a junção da estrutura econômica
com a superestrutura ideológica; junção do Ocidente com o Oriente; junção dos
países desenvolvidos entre si e destes com os países subdesenvolvidos.
Na covid-19, o Estado-cientista cibernético natural existe
como uma nova espécie de Estado, ainda não gramaticalizado pelas ciências
humanas dos países desenvolvidos.
Pouco se sabe sobre a gramática do Estado-cientista e sobre a
estrutura e natureza do príncipe cibernético nos países desenvolvidos. Talvez, o fato dessa forma acabada do Estado-cientista
ter sido criada na China venha dificultando a gramaticalização ocidental dele.
Nos Estados unidos, a elite americana fala na criação de uma
sociedade cibernética como estrutura da vida do dia-a-dia. A universidade de
Cambridge já fala de um ano levo em 2021 totalmente digital, se até lá não for
produzida uma vacina contra o novo corona-vírus.
Há um milenarismo cibernético se apossando do mundo da vida
concreto? Mundo concreto definido pela
fenomenologia (Pizzi: 17).
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Capitalismo corporativo
mundial. RJ: Papel & Virtual, 2002
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. gramáticas do capitalismo.
Lisboa: Chiado Books, 2019
Bandeira da Silveira, José Paulo. Subdesenvolvimento hoje. Lisboa:
Chiado Books, 2019
BARAN E SWEEZY, Paul e Paul. Capitalismo monopolista. RJ:
Zahar Editores, 1974
BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et simulation. Paris: Galilée,
1981
DEBORD, Guy. La Société du spectacle. Paris: Gallimard, 1992
HOBBES. Leviatã. Pensadores. SP: Abril Cultural, 1974
OGILUY, David. Confissões de um publicitário. RJ: Bertrand
Brasil, 2003
ROSA LUXEMBURGO. A acumulação do capital. RJ: Zahar Editores,
1970
VIRILIO, Paul. Vitesse et politique. Paris: Galilée, 1977
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017
PIZZI, Jovino. O mundo da vida. Brasil: Unijui, 2006
WOLTON, Dominique. Penser la communication. Paris: Flammarion,
1997