José Paulo
Com o mercantilismo do capital
monopolista internacional (Fioravante; 1976), um Estado mercantilista-liberal
da economia pública multinacional aparece para Galbraith como fundando um novo
contexto mundial. O Estado burguês [aparelho de Estado e poder nacional de
Estado] faz pendant com um outro Estado:
“E estando sujeita às instruções
do cidadão e do eleitor, o Estado não pode estar sujeito a outro poder”.
(Galbraith: 19-20).
A gramática da relação entre empresa do
capital capitalista e o Estado territorial nacional sofre uma mudança
irrevogável:
“No correr dos últimos cinquenta
anos, a concepção neoclássica do Estado foi corrigida para incluir, entre as
suas funções, a necessidade de proporcionar uma supervisão global da economia.
Essa suposição também está sendo considerada superior ao interesse econômico
particular. E reflete igualmente o interesse público geral”. (Galbraith: 20).
O leitor pode ver que aí existe
já o campo das ideologias mercantilistas de um Estado não-burguês, um Estado
que o autor diz ser um Estado transnacional de uma economia pública
mundial:
“Uma linha de argumentação, que
descende do falecido Joseph Schumpeter, sustenta que o oligopólio e o monopólio
são tecnicamente mais progressistas do que a empresa competitiva. Mercê dos seus
lucros monopolísticos podem gastar com o desenvolvimento técnico; animam-se a
fazê-lo porque o poder monopolístico lhes permite guardar maior quantidade de
proveitos resultantes”. (Galbraith: 26).
O capital capitalista liberal de
Estado procura manter a economia pública sob controle da companhia privada. Tal
gramática se torna obsoleta com o Estado mercantilista/liberal do planejamento
público multinacional. Cede-se os anéis para manter os dedos:
“Existe, contudo, a aberração. A
firma comercial procura, naturalmente, influir no mercado, pelo qual, aliás é
escravizado. Pode procurar tarifas que excluam a oferta e, assim, elevem os
preços em seus mercados. Ou quererá que os seus preços sejam sustentados por
compras do governo. Ou tentará induzir o governo a impedir uma inovação que
permita a fabricação de um produto por um menor preço. Ou procurará o apoio ou
a quiescência do governo à sua tentativa de devorar os concorrentes para lograr
o controle dos preços. A economia neoclássica mantém uma atitude vigorosamente
contrária às tarifas, à manutenção artificial dos preços, à supressão a
inovação tecnológica e a tudo o que sugira ajuda ou aquiescência do governo ao
monopólio. Todos esses expedientes, que pressupõem o ajustamento do mercado em
benefício da empresa, são os clássicos expedientes utilizados para conseguir o
apoio público ao objetivo particular”. (Galbraith: 20).
O Estado feudal
mercantilista-liberal é a conciliação barroca do Estado liberal com o Estado
mercantilista na atual conjuntura de transição da época da globalização
neoclássica burguesa - para a globalização feudal mercantilista/liberal.
Planejamento, poder e cooperação
consciente em um contexto de contexto inconsciente designa o Estado
mercantilista/liberal transnacional:
“Dessa maneira o sistema de
planejamento transcende os limites nacionais e torna-se transnacional. ‘As
companhias multinacionais são um ersatz para o mercado como método de organizar
o intercâmbio internacional. (elas são)...ilhas de poder consciente num
contexto de cooperação inconsciente’. Não admira que tenham crescido
rapidamente no último quarto de século. Quando compreendemos a natureza do
sistema de planejamento, percebemos a naturalidade com que elas se ajustam aos
sus objetivos em operações internacionais” . (Galbraith: 180).
A crítica da gramática do
mercantilismo/liberal requer uma longa citação sobre o laço social entre o
Estado transnacional desterritorializado e o Estado territorial nacional:
“A relação entre a companhia
multinacional e a soberania dos governos nacionais agora também se esclarece. A
primeira debilita consideravelmente a segunda. Não por seu caráter
transnacional; mas porque a debilitação da soberania – a acomodação do Estado aos
objetivos e necessidades da estrutura técnica da companhia – é a própria
essência das operações de planejamento. A companhia estrangeira vai para um
país e enfraquece a soberania do Estado”. (Galbraith: 183).
A soberania do Estado territorial
tem que dividir a soberania com o Estado desterritorializado no campo político
nacional territorial. Observe-se que a relação técnica de produção dentro do
Estado transnacional abole a distinção entre estrutura econômica e
superestrutura como Estado e ideologia. O campo das ideologias se torna
desterritorializado por uma prática política virtual do Estado da
multinacional. Aí surge o fenômeno de uma classe dirigente virtual.
Segue o problema da soberania do
Estado nacional territorial:
“as firmas nacionais de dimensões
e organizações semelhantes, que já estão nesse país, já estão fazendo o mesmo.
A companhia estrangeira é mais visível. Mais visível, portanto, será também o
choque dela com a soberania do Estado. Quando o governo francês ajuda a Ford a
instalar na França, nenhum francês deixa de notá-lo. Quando ele responde de
maneira parecida às necessidades da Renault ou da Citroen, ninguém dá muita
atenção a isso. Mas ninguém que se interesse pela realidade deve alimentar
dúvidas a respeito. A companhia multinacional não ataca a soberania do Estado
[nacional] por ser estrangeira, mas por ser essa a tendencia do sistema de
planejamento. Convém frisar mais uma vez que o Estado moderno não é o comitê
executivo da burguesia, mas é, muito mais, o comitê executivo da estrutura
técnica”. (Galbraith: 183-184).
A gramática do capital
capitalista desterritorializa o Estado nacional territorial. Por outro lado, o
próprio governo territorial desterritorializa o Estado nacional; o <sistema
de planejamento> multinacional é metonímia de Estado modernista virtual
transnacional. O Estado modernista virtual transnacional ´é o comitê executivo
das relações técnicas de produção virtuais, pois, desterritorializadas.
2
De Octavio Ianni, A sociologia da
globalização não foi gramaticalizada, seja pela sociedade civil territorial,
seja pelo Estado nacional como aparelhos de hegemonias em uma sucessão de
governos territoriais. Assim, a discussão universitária para a produção de um
campo de ideologias científicas do século XXI se tornou letra morta no campo da
cultura do gosto brasileiro:
“As condições para a formulação e
implementação de projetos nacionais são drasticamente afetadas pela
globalização. Ou melhor, os projetos nacionais somente se tornam possíveis,
como imaginação e execução, desde que contemplem as novas e poderosas
determinações ‘externas’, transnacionais e propriamente globais. A partir da
época em que a globalização se constitui em uma nova realidade, conformando uma
nova totalidade histórica, quando as fronteiras são modificadas ou anuladas, a
soberania transforma-se em figura de retórica. Objetivamente, a sociedade
nacional revela-se uma província da sociedade global. Por mais desenvolvida,
sedimentada e complexa que seja a sociedade nacional, mesmo assim ela se
transforma em subsistema, segmento ou província de uma totalidade histórica e
geográfica mais ampla, abrangente, complexa, problemática, contraditória”.
(Ianni: 115).
A totalidade histórica geográfica
é o campo político da cultura de gosto mundial regido por uma plurivocidade de
tela verbal narrativa, como a da sociologia. Porém, uma relação dialética e
materialista articula o Estado virtual global e o Estado territorial. Este
perde a vontade de poder na produção das ideologias do
territorial-nacional. Em Ianni, a
sociedade é o palco da história. Daí a multinacional aparecer como paradigma da
sociedade global em uma aporia com a sociedade nacional. E não como uma relação
entre o Estado territorial e o Estado desterritorializado. A gramática virtual
dessa nova estrutura de laços sociais provoca o exaurir-se do campo das
ideologias científicas territorial/nacional:
“Note-se que o paradigma clássico
das ciências sociais está sedimentado e arraigado no pensamento e imaginário
dos cientistas sociais. Está codificado em tratados e manuais, nas
universidades e instituições de pesquisa, em revistas especializadas e coleções
de livros, ensaios e monografias, sacolas de pensamento e controvérsias
metodológicas. Há todo um vocabulário comum a que todas as ciências sociais
recorrem com frequência ou sempre”.(Ianni: 102).
Ianni fala dos aparelhos de
hegemonia moleculares e institucionais de Estado que fabricam a gramática ou
vocabulário da ciência do homem. Tal gramática comum é a fonte verbal de
imagens textualizadas dos fenômenos do campo político da cultura de gosto - no
domínio das ideologias científicas do homem:
“São expressões que, em
praticamente todos os casos, significam ou conotam algo relativo à sociedade
nacional, história, geografia, demografia, sociedade, economia, cultura,
linguística, religião, Estado, nação, mercado, moeda, fatores de produção,
forças produtivas, planejamento, capital, tecnologia, mão-de-obra. Força de
trabalho, divisão do trabalho social, emprego, desemprego, subemprego,
marginalidade [...], legitimidade, legalidade, governabilidade, projeto,
estatização, desestatização [...], identidade, diversidade, provincianismo,
separatismo, centralismo, federalismo, trabalhismo, populismo ...,
nacionalidade, etnia, xenofobia, racismo, autoritarismo, fascismo, nazismo,
socialismo, ... hegemonia. É claro que são noções, e outras que poderiam ser lembradas,
nem são sempre aplicadas na mesma forma, por diferentes cientistas sociais, nem
se circunscrevem apenas à sociedade nacional. Aliás, com frequência são
aplicadas à situações extranacionais, internacionais, transnacionais, e
mundiais. Mas a raiz delas foi e continua a ser a sociedade nacional, com os
seus dilemas, como emblemas do paradigma clássico”. (Ianni: 102-103).
Ianni fala dos aparelhos de
hegemonia do <discurso universitário> lacaniano no campo político da
cultura de gosto mundial, que ainda não haviam sido cancelados pelo discurso,
seja neobarroco, seja neogrotesco dos aparelhos ideológicos <mídias comerciais
do Estado pós-modernista territorial-virtual.
3
O livro de Ianni é o primeiro
ensaio que revela um campo de ideologias territoriais do Estado virtual
pós-modernista mundial. Retomei os problemas ideológicos de Octavio no meu
“Teorias global do capitalismo”. Hoje, os efeitos da gramática virtual/territorial
mudam a história do planeta na formação social territorial/virtual. Falo do
Brasil e do bloco econômico de nações territoriais na realidade virtual Brics.
No comando do, BRICS, Dilma
Rousseff faz um governo virtual/territorial para o Sul capaz de abalar a
hegemonia do Norte. Não é possível mais pensar a historia mundial sem Dilma e
o, BRICS como aparelho de hegemonia do Estado feudal modernista, que é a fusão
do Estado territorial com a classe dirigente virtual mundial. (Lévy: 228). A
gramática do mercantilismo-liberal tem sua história montada na Europa; o campo
do capital mercantilista nasce na aurora da vida europeia moderna.
<Mercantilismo> significa a transferência do interesse de lucro do
capital para a ´política:
“O Estado procede como se
estivesse única e exclusivamente integrado por empresários capitalistas.
(Weber. 1968: 304; 1984: 1053).
“O campo de poder se define pelo
poder mercantilista do rei e do estamento político com a resistência dos
protestantes, pequeno empresário e Parlamento. Trata-se do modelo econômico
<mercantilismo monopolizador estamental>”. (Bandeira da Silveira. 2020:
cap. 13, parte 2).
É o Estado feudal do capital
mercantilista, tendo como agentes o rei e a aristocracia feudal. O Estado
mercantilista do capital europeu, isto é, do capital monopolista de Estado é do
final do século XIX e primeira metade do século XX:
“No final do século XIX, o
capitalismo sofre uma mudança que põe o capitalismo liberal inglês na
defensiva. A acumulação de capital passa a ter como polos avançados uma reunião
de países desenvolvidos, que exploram países subdesenvolvidos no colonialismo
europeu”. (Bandira da Silveira. 2020: cap. 13).
A Europa se transforma nas
relações internacionais entre Estados territoriais nacionais:
O sistema de Estados fortes
mercantilista europeu é o terceiro aspecto acrescentado à nova estrutura do
capitalismo pós-liberal, estrutura imperialista e colonialista. (Bandeira da
Silveira. 2020: cap. 13). O imperialismo colonialista se desdobra em uma espécie
de capitalismo monopolista de Estado:
“O imperialismo neomercantilista
tem características que não se repetirão na época do neomercantilismo asiático
do século XXI”. (Bandeira da Silveira. 2020: cap. 13).
Alguns fenômenos foram por min
assinalados em 2020:
“O campo de poder da globalização
econômica neoliberal vê a ascensão da revolução cibernética asiática. Fenômenos
extraordinários nascem daí. O Estado cientista cibernético, natural e a
sintetização de marxismo e capitalismo político corporativo, eis o que aparece
como eventos inéditos na história mundial”. (Bandeira da Silveira. 2020: cap.
13).
Hoje, outros fenômenos foram
descobertos como a gramática virtual/territorial do Estado tributário, feudal,
virtual/territorial asiático.
4
O campo das ideologias nas
Américas tem o discurso capitalista com estrutura dominante na esquerda e
direita. Na esquerda todo o mal no mundo se deve ao capitalismo. Então, escolhi
um economista com simpatias pelo socialismo para falar da época da origem do
mercantilismo do capital multinacional na década de 1940. O que é o
capitalismo?
Schumpeter diz:
“A abertura de novos mercados –
estrangeiros ou nacionais – e o desenvolvimento organizacional, da oficina
artesanal aos conglomerados como o U. S. Steel, ilustram o mesmo processo de
mutação industrial – se me permitem o uso do termo biológico – que incessantemente
revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro, incessantemente
destruindo a velha, incessantemente criando uma nova. Esse processo de
Destruição Criativa é o fato essencial acerca do capitalismo. É nisso que
consiste o capitalismo e é aí que têm de viver todas as empresas
capitalistas”. (Schumpeter. 1976:
112-113).
Se a destruição criativa é
essencial, o motor é:
“O impulso fundamental que inicia
e mantém o movimento da máquina capitalista decorre dos novos bens de consumo,
dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados, das novas
formas de organização industrial que a empresa capitalista cria”. (Schumpeter.
1976: 112).
Com a globalização liberal pós-modernista,
parece que a gramática da destruição criativa industrial deixou de ser o motor
do desenvolvimento capitalista; uma aliança da multinacional com o capital
financeiro ocidental se preocupou em determinar o fim do Estado territorial
nacional; é uma época de crescimento estacionário (Schumpeter: 117) para a
indústria territorial; os países desenvolvidos e subdesenvolvidos viram seu
Estado territorial nacional se decompor em pedaços de aparelhos repressivos e
em aparelhos ideológicos - sob a dominação do capital capitalista; os efeitos
desses fenômenos bloquearam a passagem das formas ideológicas do século XX
[como os partidos políticos etc.] para formas ideológicas do século XXI; porém,
outros fenômenos do século XX provocaram a desterritorialização do Estado
nacional nas Américas.
O <capitalismo criminoso>
de S. Platt é um conjunto de práticas de uma gramática econômica territorial:
lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, suborno e corrupção, pirataria, tráfico
de seres humanos, financiamento do terrorismo, evasão/elisão fiscais, economias
ilegais como madeira, ouro, animais na Amazônia. O Banco é o agente financeiro dessa acumulação de capital
criminoso. Os efeitos no campo político territorial são a criação da região da
extrema direita nas “nações” e internacionalmente. Esta região da extrema
direita tem outros fenômeno heteróclitos.
Schumpeter não falou do fenômeno
criminoso nos Estados territoriais?
Schumpeter:
“Quanto ao resto, o leitor deve
refletir que, mesmo ao tratar de ações indubitavelmente criminosas, todo juiz e
todo júri civilizado levam em consideração os propósitos finais que motivaram o
crime e a diferença que faz quando uma ação criminosa tem ou não efeitos
considerados socialmente desejáveis”.
“Outra objeção seria mais
pertinente. Se a empresa só pode ter êxito através de tais meios, isso não é
uma prova de que ela não pode gerar um ganho social? Pode-se apresentar uma
argumentação muito simples em apoio a essa visão. Mas ela está sujeita a uma
severa condição ceteris paribus. Ou seja, é verdadeira para as condições
praticamente equivalentes a excluir o processo de criação destrutiva – a
realidade capitalista”. (Schumpeter. 1976: 12).
Ora, o capital criminoso não é
capital capitalista; o capital criminoso cria e recria e financia a região da
extrema-direita no campo político territorial das Américas. No Brasil, o
capital criminoso criou uma estrutura de dominação política na Amazônia que é
60% do território brasileiro. eis, factualmente a desterritorialização do
Estado brasileiro.
5
A definição do Estado completa é: aparelhos de
violência legal, aparelhos ideológicos, aparelhos de hegemonia, aparelho
tributário. O Estado tributário feudal aparece com um estado de direitos para o
dominante em um modo de produção tributário. O Estado tributário mercantilista
define um período de transição:
A expressão do <capitalismo
mercantilista> para descrever o período que na Europa vai da Renascença à
revolução industrial (1600-1800) está talvez na origem de muitos erros de
análise. A expressão é ambígua, porque na realidade este é um período de
transição. Aparecerá, a nossos olhos, como o da transição ao capitalismo”.
(Amin: 24).
A característica da transição é a
conciliação barroca entre o feudalismo e o mercantilismo um ersatz como
gramática de simulacro de simulação de capitalismo; tal fenômeno é a condensação
das relações técnicas de produção no Estado feudal mercantilista. O velho e o
novo anunciam a longa transição para a revolução do capital capitalista
industrial:
Segue Amin:
“Mas até a revolução industrial,
o modo de capitalista não existe de fato. o período é na realidade
caracterizado por: 1) persistência da dominância do modo de produção feudal nas
formações da época; 2) desenvolvimento do comércio a longa distância [comércio
atlântico, no essencial]; 3) a consequência deste desenvolvimento sobre o modo de
produção feudal que se desagrega. É unicamente esta terceira característica que
lhe dá a natureza da transição particular que o comércio a longa distancia o
pode desagregar”. (Amin: 24).
A transição da gramática do capital
mercantilista capitalista industrial para uma nova forma de gramática tem, na
atualidade, o Estado feudal mercantilista concorrencial [concorrencial, isto é,
um ersatz ou gramática do simulacro de simulação liberal] como condutor da
transição para um novo modo de produção a partir das relações técnicas de
produção cibernéticas. O comércio mundial subsumido à velocidade das relações
técnicas de produção cibernética é um fator determinante na longa transição da
atualidade para uma nova gramática de modo de produção, e circulação:
“Com efeito, é apenas no modo de
produção capitalista que o comércio se torna uma atividade capitalista tal como
a produção industrial, e a partir daí aparece o capital comercial como parcela
do capital social. Desde então, o capital comercial participa na perequação
geral dos lucros. O lucro do capital comercial provém portanto da
redistribuição da mais-valia gerada em uma forma específica: o lucro do
capital. O comerciante pré-capitalista retira seu lucro de um monopólio. No
comércio a longa distância, este monopólio permite uma transferência de
excedente de uma sociedade a outra”. (Amin: 25).
6
A ideia lacaniana da verdade como
estrutura de ficção (Lacan. S. 16:186) não se aplica à gramática da transição
paraconsistente para se pensar o futuro:
“Em indagações acuradas são substituídas por
hipóteses ou teorias que funcionem mais convenientemente em seus papéis de
elementos de sistematização e de previsão; podem, com propriedade, ser
denominadas, com Vaihinger, como ficções. [Exemplo distintivo e atual de ficção
é a teoria do átomo de Bohr. Para Vaihinger, aliás, qualquer teoria ou
hipótese, em ciência, não passa de ficção]. ao se tratar de ficções, é
imprescindível atentar-se a operadores que traduzam noções como as da crença e
de verificabilidade [...]: as fórmulas que exprimem ficções carecem de valor de
verdade [...}”. (Newton da Costa: 160).
O que se refere ao futuro:
“Um mosquito posará em meu nariz
daqui a quinze dias, em tal hora e tal lugar, não podem ser, hoje, nem
verdadeiros nem falsos, pois, em hipótese contrária, isto acarretaria que o
futuro estaria determinado – é o velho problema dos futuros contingentes. Assim,
surge naturalmente, a ideia de se introduzir outro valor de verdade, além de
verdadeiro e falso, a saber, indeterminado, [ou quiça possível]. Enunciados
como (F) são, no momento, indeterminados, se não quisermos aceitar forma
demasiadamente forte de determinismo. Observemos que Lukasiewicz distingue,
cuidadosamente, entre o princípio da causalidade e a tese determinista: não há
incompatibilidade em aceitarmos aquele e em negarmos esta última”. (Newton da
Costa: 166).
O problema lógico é a contradição
na prática política da transição. Ora, a gramática paraconsistente admite o
princípio da contradição na prática política do Estado feudal
territorial/virtual [ou mercantilista/liberal] paraconsistente da atualidade:
“Desde Heráclito, passando por
Hegel, Marx e Lenin, e, em nossos dias, por Wittgenstein, tem havido filósofos
admitindo que a contradição pode ser aceita em teorias e contextos racionais
que expressam conhecimentos legítimos”. (Newton da Costa: 170).
Assim a contradição na transição
é a conciliação barroca dos contrários, que permitem a conciliação do velho e
do novo. A conciliação barroca paraconsistente do mercantilismo com o
liberalismo cria uma região objetiva no campo político da transição de hoje.
7
Como o discurso evangélico de
Marx e Engels (Lacan. S. 20: 32-33), a gramática da civilização econômica de
Schumpeter é dialético-materialista barroco. Essa parte dedico a discussão da
transição paraconsistente barroca de hoje.
“Nosso argumento, todavia, vai
além dos casos de novos conglomerados, métodos e indústrias. Grupos antigos e
industriais estabelecidos, sejam ou não atacados, diretamente, também vivem sob
o vento perene. Existem situações, no processo de destruição criativa em que
muitas firmas desaparecem, mas se conseguissem vencer determinadas tempestades,
teriam uma vida vigorosa e útil. Fora tais crises gerais ou depressões,
aparecem situações específicas em que a rápida mudança de contexto –
característica desse processo – desorganiza de tal modo e por tanto tempo uma
indústria que lhe inflige perdas disfuncionais, criando desemprego evitável.
Por fim não tem sentido tentar manter indefinidamente indústrias obsoletas; mas
tem sentido evitar que elas desmoronem violentamente e construir um caminho que
pode tornar-se centro de efeitos depressivos cumulativos, numa retirada
civilizada, ordeira. (Schumpeter: 121).
O campo político/econômico do
processo civilizatório necessita de um hegemonikón ou eu hegemônico como o
<general intellect gramatical> na sociedade do conhecimento:
“E assim, aos poucos, ela para de
enviar bens para o exterior e, em vez disso, exporta capital, tecnologia e
gestão – e torna-se uma multinacional”.
“Cada vez mais grandes empresas
do mundo passaram a considerar o globo todo como seus mercados
<naturais>, e não apenas seus países de origem”. (Heiibroner: 239).
Hoje o mercantilismo/liberal
concorre no território dos Estados nacionais.
Thurow diz:
As empresas irão participar do
jogo com base nas qualificações que empregarem, nos investimentos de capital
que fizerem, em sua perícia técnica e em sua capacidade para comprar
globalmente e vender novos produtos. Novas empresas que cresçam depressa e se
transformem em multinacionais serão uma parte importante do sucesso. Essas
novas empresas não irão surgir sem empreendedores. Os regulamentos sociais e as
atitudes terão de permitir flexibilidade industrial para que apareçam
empreendedores e novas empresas”. (Thurow: 95).
A multinacional normal é um fenômeno do processo civilizatório
schumpeteriano. Ela cria e recria um campo político/corporativo feudal, virtual
em contradição com a economia territorial O campo da multinacional faz do
general intellect gramatical o hegemonikón ou eu hegemônico de um Estado feudal
mercantilista/liberal, virtual:
“No final do século XX e início
do século XXI , seis novas tecnologias – microeletrônica, computadores,
telecomunicações, novos materiais artificiais, robótica e biotecnologia – estão
interagindo para criar um novo mundo econômico, muito diferente. Avanços nas
ciências básicas subjacentes a estas seis áreas têm criado novas tecnologias
que permitiram a emergência de todo um conjunto de grandes e novos setores:
computadores, semicondutores, lasers. Essas mesmas tecnologias proporcionaram
oportunidades para a reinvenção de velhos setores da economia: o varejo via
Internet supera o varejo territorial; os telefones celulares estão por toda
parte. Novas coisas podem ser feitas: aparecem plantas e animais produzidos
pela engenharia genética; pela primeira vez na história humana, tornar-se
possível uma economia global. Esta é uma era de setores criados pelo poder da
mente humana”. (Thurow: 16)
É uma revolução na estrutura das
relações técnicas de produção dentro do Estado feudal mercantilista/liberal,
tendo com motor o general intellect gramatical:
“O general intellect é o caminho
para pensar uma clareira aberta por Marx. Hoje vivemos em uma conjuntura do
mercantilismo do capital do G.I. G asiático. a hegemonia do capitalismo chinês
ergue um Estado territorial industrial nacional como motor da construção da
realidade mundial”. (Bandeira da Silveira. 2023: cap. 48, parte 3).
O capital capitalista asiático faz pendant com
a gramática do mercantilismo/liberal do Estado feudal territorial chinês.
8
Não se deve crer que a
contradição entre o capital capitalista e o mercantilismo/liberal, ou entre
mercantilismo e liberalismo invalide a análise como se essas contradições
estabelecessem o bloqueamento do progresso das relações de produção técnicas e
da ciência natural, por analogia da empresa moderna versus o
mercantilismo/liberal da multinacional:
“Uma vez mais, é tentador
levantar a questão do fato. A primeira coisa que faz uma empresa moderna, logo
que sente poder sustentá-lo, é estabelecer um departamento de pesquisa no qual
todos os membros sabem que seu pão de cada dia depende de seu êxito e esforço a
mais em descobrir e inventar melhorias. Essa prática [do GIG}, evidentemente
não sugere aversão ao progresso técnico. Nem podemos, em resposta, referir-nos
aos casos em que patentes adquiridas por grandes corporações não tenham sido
logo usadas ou não tenham sido usadas de maneira alguma. Pois pode haver ótimas
razões para isso; por exemplo, o processo patenteado pode mostrar-se ruim, ao
final, ou, ao menos, pode não permitir sua aplicação em bases comerciais. Nem
os inventores, nem os economistas pesquisadores, nem os funcionários
governamentais são juízes isentos de tais fatos, e de suas censuras ou de seus
relatórios pode-se facilmente tirar uma imagem, uma impressão muito
distorcida”. (Schumpeter: 129).
A relação entre o general
intellect gramatical (GIG) e a gramática do mercantilismo/liberal é superior a
relação do GIG com a empresa do capital capitalista. É o general intellect
gramatical empresarial do mercantilismo/liberal que funciona como motor da
competição entre as corporações modernas ou multinacionais. O maior GIG
encontra-se na China.
9
O pós-liberalismo começa no final
do século XIX e início do século XX. Autores se debruçaram sobre essa época e
falaram da tela gramatical que emerge da história. Schumpeter vê no monopólio o
fenômeno que revela contexto pós-liberal. O ponto de vista dele é a hegemonia da
grande empresa privada monopolista
“Por que então toda essa conversa
sobre monopólio? [...]. As pessoas falam que existe monopólio de uma coisa ou
outra num país mesmo que a indústria em questão seja altamente competitiva. Mas
isso não é tudo. Economistas, agentes governamentais, jornalistas e políticos
estadunidenses obviamente amam a palavra, pois ela se tornou um termo de
opróbio que, com certeza, levanta a hostilidade pública contra qualquer
interesse assim rotulado. No mundo anglo-americano, o monopólio tem sido
amaldiçoado e associado como exploração disfuncional desde que, nos séculos XVI
e XVII, se tornou prática administrativa inglesa e criar grande número de
posições de monopólio que, por um lado, respondiam bastante bem ao padrão
teórico de comportamento monopolista e, por outro lado, justificavam plenamente
a onda de indignação que impressionou até memo a grande Elizabeth”. (Schumpeter:
132-133).
Observe leitor, que Schumpeter
fala do mercantilismo nacional europeu clássico dos séculos XVI e XVII. Ora,
nos EUA, o campo das ideologias liberal reage com violência de seu poder simbólico (Bourdieu:9)
ao novo mercantilismo do capital capitalista que substitui o <capitalismo
monopolista de Estado> da etapa pós-liberal. Bukharin fala dos EUA pós
primeira guerra mundial:
“Os EUA fornecem-nos um exemplo
de consolidação e desenvolvimento de um vasto truste capitalista nacional em
vias de assimilar países e regiões anteriormente dependentes da Europa.
Paralelamente à ampliação das relações mundiais da América, constata-se nesse
´país um crescimento intensivo de coesão nacional.” (Bukharin: 139).
Qual a distinção do mercantilismo
do início do século para esse novo mercantilismo:
“Se a guerra não pode deter o
curso geral do desenvolvimento do capital mundial e se, ao contrário, expressa
um crescimento, no mais alto nível, do processo de centralização, em
compensação influi também sobre a estrutura das economias nacionais isoladas
com o fito de aumentar a centralização nos limites de cada corpo nacional e
organizar, paralelamente a um gasto considerável de forças produtivas, a
economia nacional, colocando-a sempre mais sob o poder conjugado do capital
financeiro e do Estado”. (Bukharin: 140-141).
A passagem do mercantilismo
europeu do Estado financeiro para o mercantilismo estadunidense na década de
1940 ainda não é conhecido na América Latina. Bem. Sombart criou a gramática do
imperialismo europeu imperialista e colonialista:
“O imperialismo, cuja expressão
econômica é o neo-mercantilismo, tem posto a disposição do capitalismo [isto
tem, por o momento, só um sentido geral] os recursos de um forte poder
político; o capitalismo enganado e atraiçoado por um forte sistema de Estado,
alcança por sua vez a maturidade, formando um sistema de Estados igualmente
forte. As ideias liberais da livre concorrência entre as economias privadas se
têm mostrado inadequadas para o capitalismo [em suas repercussões no mercado
mundial].”. (Sombart: 83).
O capital monopolista acaba com as ilusões
liberais estadunidense no fim da primeira metade do século XX. A transformação
do campo das ideologias cientificas estadunidense tem em Baran e Sweezy a obra
“Capitalismo monopolista”. A história do monopólio estadunidense é uma
preocupação para explicar o bloqueio do progresso técnico sem competição entre
empresas modernas:
“Se os efeitos depressivos do
crescimento do monopólio tivessem funcionado sem controle, a economia
estadunidense teria entrado em um período de estagnação muito antes do fim do
século XX, e seria improvável a sobrevivência do capitalismo na segunda metade
do século XX. Que estímulos externos poderosos barravam, então, esses efeitos
depressivos e tornaram viável o rápido crescimento econômico durante as últimas
décadas do século XIX e, com significativas interrupções, durante os primeiros
dois terços do século XX? Em nossa opinião, esses estímulos são de dois tipos:
1) inovações que marcam época; 2) guerras e seus efeitos”. (Baran: 219).
A Segunda Guerra Mundial
desintegrou o sistema de Estados nacionais territoriais do neomercantilismo
europeu.
O mercantilismo americano da
moderna sociedade anônima gigante específico da grande empresa é o início do
mercantilismo pós-capitalismo monopolista de Estado. Aqui não há mais a junção
entre capital financeiro e Estado territorial nacional. (Baran: 25).
‘
10
No início da década de 1940, o
futuro da gramática do mercantilismo da multinacional aparece como fato
consumado:
“Assim, não é suficiente
argumentar que, como a concorrência perfeita, é impossível nas modernas
condições industriais – ou porque sempre tenha sido impossível -, o
estabelecimento ou a unidade de controle de grande escala deve ser aceito como
um mal necessário, inseparável do progresso técnico, que não pode ser sabotado
por ele devido às forças inerentes a seu aparelho produtivo. O que temos de
aceitar é que ele se tornou a máquina mais poderosa desse progresso técnico e,
em particular, da expansão a longo prazo da produção mundial. Isso se deu não a
despeito, mas, em grande parte, através dessa estratégia que parece tão
restritiva quando vista em cada caso, isolado e do ponto de vista individual do
tempo. A esse respeito, a concorrência perfeita é não apenas impossível, mas
também inferior, e não tem títulos para ser apresentada como modelo de
eficiência. É, portanto, um erro basear a teoria da regulação governamental da
industria no princípio de que a grande empresa deveria ser obrigada a funcionar
como o faria a indústria respectiva em concorrência perfeita. E os socialistas
deveriam confiar, para suas críticas, nas virtudes de uma economia socialista,
e não nas do modelo liberal”. (Schumpeter: 140-141).
O campo das ideologias do
mercantilismo/liberal foi aberto por Schumpeter Galbraith. (Robson: 282)
“O segundo legado da teoria da
concorrência imperfeita a nova ortodoxia também está relacionado com a admissão
de que a concorrência de preços deixa de operar sob condições de oligopólio.
Subsiste a concorrência sob outras formas, e os custos de publicidade e de
venda de cada oligopolista tendem a aumentar continuamente por o simples motivo
de que vão aumentando os dos demais, tal como sucede com os gastos de
armamentos. A <renda nacional a
preços de mercado> pretende dar uma medida dos bens e serviços que
contribuem ao bem-estar nacional, porém, sob as condições modernas – sobretudo
nos Estados Unidos - , uma apreciável proporção da mesma representa o serviço
de convencer aos consumidores para que comprem”. (Robson: 282).
Há a subsunção do campo das
ideologias liberal ao campo das ideologias mercantil/liberal:
“Depois de todo esse debate,
jamais poderá restabelecer a formosa
simplicidade da doutrina segundo a qual o capitalismo de laisser-faire
apresenta uma tendencia natural a produzir o máximo benefício para a comunidade;
e se chega a estabelecer uma nova ortodoxia, esta terá que ser muito mais
sofisticada que a antiga” (Robson: 282).
A globalização liberal das
décadas de 1980-90 foi uma intervenção do campo das ideologias liberais
americanas na economia planetária. Foi um fenômeno do imperialismo
estadunidense?
11
Em sua crítica da concepção
política de mundo economicista do imperialismo (Schumpeter. 1984: 43),
Schumpeter define o imperialismo como <vontade de vencer> (Shumpeter.
1984: 44)0 ou como concepção política de mundo como vontade de poder: a procura
da expansão pela expansão, o combate pelo combate, a dominação pela dominação:
“o imperialismo é a disposição,
desprovida de objetivos, que manifesta um Estado à expansão pela força, além de
todo limite passivo de ser definível”. (Schumpeter. 1984: 44). Rigorosamente, o
imperialismo criou e recriou o Estado suicidário (Virilio: 49) nuclear. O
imperialismo criou e recriou um campo heteróclito mitológico diabólico (Godin:
732) nas relações internacionais do Ocidente e Oriente. Assim, o imperialismo
aparece, hoje, como uma tela verbal de gosto narrativo da guerra como épico e
do horror grotesco. (Kayser:119-120). A tela digital do cinema de hoje
apresenta esse humor grotesco do horror que não para de funcionar no cérebro da
juventude. A juventude gosta do épico e do grotesco.
O campo de ideologias
verbal-visual pós-modernista é o suporte do Estado burguês pós-modernista. Os
jogos de linguagem remetem o Estado pós-modernista para o contexto filosófico
pragmático de Richard Rorty:
“Le pragmatisme est caractérisé
par l’abandon de l’idée de un point de vue neutre – objetif, universal,
transcendente...- à partir duquel il serait possible et nécesaire de juger en
vérité et la verité [du bien fondé] de ce qui s’énonce en fonction , au sein et
à propos de différents contextes historiques pratiques toujours associés à de interêts et donc à de point de vue
particuliers”. (Hottois: 75).
Por outrolado, a crítica da gramática
do mercantilismo/liberal contempla os interesses da sociedade civil territorial
e da virtual e do Estado territorial e do Estado virtual no campo político da
cultura local e mundial.
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