segunda-feira, 29 de julho de 2024

Crítica da gramática do mercantilismo/liberal

 

José Paulo 

 

Com o mercantilismo do capital monopolista internacional (Fioravante; 1976), um Estado mercantilista-liberal da economia pública multinacional aparece para Galbraith como fundando um novo contexto mundial. O Estado burguês [aparelho de Estado e poder nacional de Estado] faz pendant com um outro Estado:

“E estando sujeita às instruções do cidadão e do eleitor, o Estado não pode estar sujeito a outro poder”. (Galbraith: 19-20).

 A gramática da relação entre empresa do capital capitalista e o Estado territorial nacional sofre uma mudança irrevogável:

“No correr dos últimos cinquenta anos, a concepção neoclássica do Estado foi corrigida para incluir, entre as suas funções, a necessidade de proporcionar uma supervisão global da economia. Essa suposição também está sendo considerada superior ao interesse econômico particular. E reflete igualmente o interesse público geral”. (Galbraith: 20).

O leitor pode ver que aí existe já o campo das ideologias mercantilistas de um Estado não-burguês, um Estado que o autor diz ser um Estado transnacional de uma economia pública mundial: 

“Uma linha de argumentação, que descende do falecido Joseph Schumpeter, sustenta que o oligopólio e o monopólio são tecnicamente mais progressistas do que a empresa competitiva. Mercê dos seus lucros monopolísticos podem gastar com o desenvolvimento técnico; animam-se a fazê-lo porque o poder monopolístico lhes permite guardar maior quantidade de proveitos resultantes”. (Galbraith: 26).

O capital capitalista liberal de Estado procura manter a economia pública sob controle da companhia privada. Tal gramática se torna obsoleta com o Estado mercantilista/liberal do planejamento público multinacional. Cede-se os anéis para manter os dedos:

“Existe, contudo, a aberração. A firma comercial procura, naturalmente, influir no mercado, pelo qual, aliás é escravizado. Pode procurar tarifas que excluam a oferta e, assim, elevem os preços em seus mercados. Ou quererá que os seus preços sejam sustentados por compras do governo. Ou tentará induzir o governo a impedir uma inovação que permita a fabricação de um produto por um menor preço. Ou procurará o apoio ou a quiescência do governo à sua tentativa de devorar os concorrentes para lograr o controle dos preços. A economia neoclássica mantém uma atitude vigorosamente contrária às tarifas, à manutenção artificial dos preços, à supressão a inovação tecnológica e a tudo o que sugira ajuda ou aquiescência do governo ao monopólio. Todos esses expedientes, que pressupõem o ajustamento do mercado em benefício da empresa, são os clássicos expedientes utilizados para conseguir o apoio público ao objetivo particular”. (Galbraith: 20).

O Estado feudal mercantilista-liberal é a conciliação barroca do Estado liberal com o Estado mercantilista na atual conjuntura de transição da época da globalização neoclássica burguesa - para a globalização feudal mercantilista/liberal.   

Planejamento, poder e cooperação consciente em um contexto de contexto inconsciente designa o Estado mercantilista/liberal transnacional:

“Dessa maneira o sistema de planejamento transcende os limites nacionais e torna-se transnacional. ‘As companhias multinacionais são um ersatz para o mercado como método de organizar o intercâmbio internacional. (elas são)...ilhas de poder consciente num contexto de cooperação inconsciente’. Não admira que tenham crescido rapidamente no último quarto de século. Quando compreendemos a natureza do sistema de planejamento, percebemos a naturalidade com que elas se ajustam aos sus objetivos em operações internacionais” . (Galbraith: 180).

A crítica da gramática do mercantilismo/liberal requer uma longa citação sobre o laço social entre o Estado transnacional desterritorializado e o Estado territorial nacional:

“A relação entre a companhia multinacional e a soberania dos governos nacionais agora também se esclarece. A primeira debilita consideravelmente a segunda. Não por seu caráter transnacional; mas porque a debilitação da soberania – a acomodação do Estado aos objetivos e necessidades da estrutura técnica da companhia – é a própria essência das operações de planejamento. A companhia estrangeira vai para um país e enfraquece a soberania do Estado”. (Galbraith: 183).

A soberania do Estado territorial tem que dividir a soberania com o Estado desterritorializado no campo político nacional territorial. Observe-se que a relação técnica de produção dentro do Estado transnacional abole a distinção entre estrutura econômica e superestrutura como Estado e ideologia. O campo das ideologias se torna desterritorializado por uma prática política virtual do Estado da multinacional. Aí surge o fenômeno de uma classe dirigente virtual.

Segue o problema da soberania do Estado nacional territorial:

“as firmas nacionais de dimensões e organizações semelhantes, que já estão nesse país, já estão fazendo o mesmo. A companhia estrangeira é mais visível. Mais visível, portanto, será também o choque dela com a soberania do Estado. Quando o governo francês ajuda a Ford a instalar na França, nenhum francês deixa de notá-lo. Quando ele responde de maneira parecida às necessidades da Renault ou da Citroen, ninguém dá muita atenção a isso. Mas ninguém que se interesse pela realidade deve alimentar dúvidas a respeito. A companhia multinacional não ataca a soberania do Estado [nacional] por ser estrangeira, mas por ser essa a tendencia do sistema de planejamento. Convém frisar mais uma vez que o Estado moderno não é o comitê executivo da burguesia, mas é, muito mais, o comitê executivo da estrutura técnica”. (Galbraith: 183-184).   

A gramática do capital capitalista desterritorializa o Estado nacional territorial. Por outro lado, o próprio governo territorial desterritorializa o Estado nacional; o <sistema de planejamento> multinacional é metonímia de Estado modernista virtual transnacional. O Estado modernista virtual transnacional ´é o comitê executivo das relações técnicas de produção virtuais, pois, desterritorializadas.

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De Octavio Ianni, A sociologia da globalização não foi gramaticalizada, seja pela sociedade civil territorial, seja pelo Estado nacional como aparelhos de hegemonias em uma sucessão de governos territoriais. Assim, a discussão universitária para a produção de um campo de ideologias científicas do século XXI se tornou letra morta no campo da cultura do gosto brasileiro:

 “As condições para a formulação e implementação de projetos nacionais são drasticamente afetadas pela globalização. Ou melhor, os projetos nacionais somente se tornam possíveis, como imaginação e execução, desde que contemplem as novas e poderosas determinações ‘externas’, transnacionais e propriamente globais. A partir da época em que a globalização se constitui em uma nova realidade, conformando uma nova totalidade histórica, quando as fronteiras são modificadas ou anuladas, a soberania transforma-se em figura de retórica. Objetivamente, a sociedade nacional revela-se uma província da sociedade global. Por mais desenvolvida, sedimentada e complexa que seja a sociedade nacional, mesmo assim ela se transforma em subsistema, segmento ou província de uma totalidade histórica e geográfica mais ampla, abrangente, complexa, problemática, contraditória”. (Ianni: 115).

A totalidade histórica geográfica é o campo político da cultura de gosto mundial regido por uma plurivocidade de tela verbal narrativa, como a da sociologia. Porém, uma relação dialética e materialista articula o Estado virtual global e o Estado territorial. Este perde a vontade de poder na produção das ideologias do territorial-nacional.   Em Ianni, a sociedade é o palco da história. Daí a multinacional aparecer como paradigma da sociedade global em uma aporia com a sociedade nacional. E não como uma relação entre o Estado territorial e o Estado desterritorializado. A gramática virtual dessa nova estrutura de laços sociais provoca o exaurir-se do campo das ideologias científicas territorial/nacional:

“Note-se que o paradigma clássico das ciências sociais está sedimentado e arraigado no pensamento e imaginário dos cientistas sociais. Está codificado em tratados e manuais, nas universidades e instituições de pesquisa, em revistas especializadas e coleções de livros, ensaios e monografias, sacolas de pensamento e controvérsias metodológicas. Há todo um vocabulário comum a que todas as ciências sociais recorrem com frequência ou sempre”.(Ianni: 102).

Ianni fala dos aparelhos de hegemonia moleculares e institucionais de Estado que fabricam a gramática ou vocabulário da ciência do homem. Tal gramática comum é a fonte verbal de imagens textualizadas dos fenômenos do campo político da cultura de gosto - no domínio das ideologias científicas do homem:

“São expressões que, em praticamente todos os casos, significam ou conotam algo relativo à sociedade nacional, história, geografia, demografia, sociedade, economia, cultura, linguística, religião, Estado, nação, mercado, moeda, fatores de produção, forças produtivas, planejamento, capital, tecnologia, mão-de-obra. Força de trabalho, divisão do trabalho social, emprego, desemprego, subemprego, marginalidade [...], legitimidade, legalidade, governabilidade, projeto, estatização, desestatização [...], identidade, diversidade, provincianismo, separatismo, centralismo, federalismo, trabalhismo, populismo ..., nacionalidade, etnia, xenofobia, racismo, autoritarismo, fascismo, nazismo, socialismo, ... hegemonia. É claro que são noções, e outras que poderiam ser lembradas, nem são sempre aplicadas na mesma forma, por diferentes cientistas sociais, nem se circunscrevem apenas à sociedade nacional. Aliás, com frequência são aplicadas à situações extranacionais, internacionais, transnacionais, e mundiais. Mas a raiz delas foi e continua a ser a sociedade nacional, com os seus dilemas, como emblemas do paradigma clássico”. (Ianni: 102-103).   

Ianni fala dos aparelhos de hegemonia do <discurso universitário> lacaniano no campo político da cultura de gosto mundial, que ainda não haviam sido cancelados pelo discurso, seja neobarroco, seja neogrotesco dos aparelhos ideológicos <mídias comerciais do Estado pós-modernista territorial-virtual.  

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O livro de Ianni é o primeiro ensaio que revela um campo de ideologias territoriais do Estado virtual pós-modernista mundial. Retomei os problemas ideológicos de Octavio no meu “Teorias global do capitalismo”. Hoje, os efeitos da gramática virtual/territorial mudam a história do planeta na formação social territorial/virtual. Falo do Brasil e do bloco econômico de nações territoriais na realidade virtual Brics.

No comando do, BRICS, Dilma Rousseff faz um governo virtual/territorial para o Sul capaz de abalar a hegemonia do Norte. Não é possível mais pensar a historia mundial sem Dilma e o, BRICS como aparelho de hegemonia do Estado feudal modernista, que é a fusão do Estado territorial com a classe dirigente virtual mundial. (Lévy: 228). A gramática do mercantilismo-liberal tem sua história montada na Europa; o campo do capital mercantilista nasce na aurora da vida europeia moderna. <Mercantilismo> significa a transferência do interesse de lucro do capital para a ´política:

“O Estado procede como se estivesse única e exclusivamente integrado por empresários capitalistas. (Weber. 1968: 304; 1984: 1053).

“O campo de poder se define pelo poder mercantilista do rei e do estamento político com a resistência dos protestantes, pequeno empresário e Parlamento. Trata-se do modelo econômico <mercantilismo monopolizador estamental>”. (Bandeira da Silveira. 2020: cap. 13, parte 2).

É o Estado feudal do capital mercantilista, tendo como agentes o rei e a aristocracia feudal. O Estado mercantilista do capital europeu, isto é, do capital monopolista de Estado é do final do século XIX e primeira metade do século XX:

“No final do século XIX, o capitalismo sofre uma mudança que põe o capitalismo liberal inglês na defensiva. A acumulação de capital passa a ter como polos avançados uma reunião de países desenvolvidos, que exploram países subdesenvolvidos no colonialismo europeu”. (Bandira da Silveira. 2020: cap. 13).                  

A Europa se transforma nas relações internacionais entre Estados territoriais nacionais:

O sistema de Estados fortes mercantilista europeu é o terceiro aspecto acrescentado à nova estrutura do capitalismo pós-liberal, estrutura imperialista e colonialista. (Bandeira da Silveira. 2020: cap. 13). O imperialismo colonialista se desdobra em uma espécie de capitalismo monopolista de Estado:

“O imperialismo neomercantilista tem características que não se repetirão na época do neomercantilismo asiático do século XXI”. (Bandeira da Silveira. 2020: cap. 13).

Alguns fenômenos foram por min assinalados em 2020:

“O campo de poder da globalização econômica neoliberal vê a ascensão da revolução cibernética asiática. Fenômenos extraordinários nascem daí. O Estado cientista cibernético, natural e a sintetização de marxismo e capitalismo político corporativo, eis o que aparece como eventos inéditos na história mundial”. (Bandeira da Silveira. 2020: cap. 13).

Hoje, outros fenômenos foram descobertos como a gramática virtual/territorial do Estado tributário, feudal, virtual/territorial asiático.     

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O campo das ideologias nas Américas tem o discurso capitalista com estrutura dominante na esquerda e direita. Na esquerda todo o mal no mundo se deve ao capitalismo. Então, escolhi um economista com simpatias pelo socialismo para falar da época da origem do mercantilismo do capital multinacional na década de 1940. O que é o capitalismo?

Schumpeter diz:

“A abertura de novos mercados – estrangeiros ou nacionais – e o desenvolvimento organizacional, da oficina artesanal aos conglomerados como o U. S. Steel, ilustram o mesmo processo de mutação industrial – se me permitem o uso do termo biológico – que incessantemente revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha, incessantemente criando uma nova. Esse processo de Destruição Criativa é o fato essencial acerca do capitalismo. É nisso que consiste o capitalismo e é aí que têm de viver todas as empresas capitalistas”.  (Schumpeter. 1976: 112-113).

Se a destruição criativa é essencial, o motor é:

“O impulso fundamental que inicia e mantém o movimento da máquina capitalista decorre dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados, das novas formas de organização industrial que a empresa capitalista cria”. (Schumpeter. 1976: 112).

Com a globalização liberal pós-modernista, parece que a gramática da destruição criativa industrial deixou de ser o motor do desenvolvimento capitalista; uma aliança da multinacional com o capital financeiro ocidental se preocupou em determinar o fim do Estado territorial nacional; é uma época de crescimento estacionário (Schumpeter: 117) para a indústria territorial; os países desenvolvidos e subdesenvolvidos viram seu Estado territorial nacional se decompor em pedaços de aparelhos repressivos e em aparelhos ideológicos - sob a dominação do capital capitalista; os efeitos desses fenômenos bloquearam a passagem das formas ideológicas do século XX [como os partidos políticos etc.] para formas ideológicas do século XXI; porém, outros fenômenos do século XX provocaram a desterritorialização do Estado nacional nas Américas.

O <capitalismo criminoso> de S. Platt é um conjunto de práticas de uma gramática econômica territorial: lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, suborno e corrupção, pirataria, tráfico de seres humanos, financiamento do terrorismo, evasão/elisão fiscais, economias ilegais como madeira, ouro, animais na Amazônia. O Banco é o  agente financeiro dessa acumulação de capital criminoso. Os efeitos no campo político territorial são a criação da região da extrema direita nas “nações” e internacionalmente. Esta região da extrema direita tem outros fenômeno heteróclitos.

Schumpeter não falou do fenômeno criminoso nos Estados territoriais?

Schumpeter:

“Quanto ao resto, o leitor deve refletir que, mesmo ao tratar de ações indubitavelmente criminosas, todo juiz e todo júri civilizado levam em consideração os propósitos finais que motivaram o crime e a diferença que faz quando uma ação criminosa tem ou não efeitos considerados socialmente desejáveis”.

“Outra objeção seria mais pertinente. Se a empresa só pode ter êxito através de tais meios, isso não é uma prova de que ela não pode gerar um ganho social? Pode-se apresentar uma argumentação muito simples em apoio a essa visão. Mas ela está sujeita a uma severa condição ceteris paribus. Ou seja, é verdadeira para as condições praticamente equivalentes a excluir o processo de criação destrutiva – a realidade capitalista”. (Schumpeter. 1976: 12).

Ora, o capital criminoso não é capital capitalista; o capital criminoso cria e recria e financia a região da extrema-direita no campo político territorial das Américas. No Brasil, o capital criminoso criou uma estrutura de dominação política na Amazônia que é 60% do território brasileiro. eis, factualmente a desterritorialização do Estado brasileiro.                              

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 A definição do Estado completa é: aparelhos de violência legal, aparelhos ideológicos, aparelhos de hegemonia, aparelho tributário. O Estado tributário feudal aparece com um estado de direitos para o dominante em um modo de produção tributário. O Estado tributário mercantilista define um período de transição:

A expressão do <capitalismo mercantilista> para descrever o período que na Europa vai da Renascença à revolução industrial (1600-1800) está talvez na origem de muitos erros de análise. A expressão é ambígua, porque na realidade este é um período de transição. Aparecerá, a nossos olhos, como o da transição ao capitalismo”. (Amin: 24).

A característica da transição é a conciliação barroca entre o feudalismo e o mercantilismo um ersatz como gramática de simulacro de simulação de capitalismo; tal fenômeno é a condensação das relações técnicas de produção no Estado feudal mercantilista. O velho e o novo anunciam a longa transição para a revolução do capital capitalista industrial:

Segue Amin:

“Mas até a revolução industrial, o modo de capitalista não existe de fato. o período é na realidade caracterizado por: 1) persistência da dominância do modo de produção feudal nas formações da época; 2) desenvolvimento do comércio a longa distância [comércio atlântico, no essencial]; 3) a consequência deste desenvolvimento sobre o modo de produção feudal que se desagrega. É unicamente esta terceira característica que lhe dá a natureza da transição particular que o comércio a longa distancia o pode desagregar”. (Amin: 24).

 A transição da gramática do capital mercantilista capitalista industrial para uma nova forma de gramática tem, na atualidade, o Estado feudal mercantilista concorrencial [concorrencial, isto é, um ersatz ou gramática do simulacro de simulação liberal] como condutor da transição para um novo modo de produção a partir das relações técnicas de produção cibernéticas. O comércio mundial subsumido à velocidade das relações técnicas de produção cibernética é um fator determinante na longa transição da atualidade para uma nova gramática de modo de produção, e circulação:

“Com efeito, é apenas no modo de produção capitalista que o comércio se torna uma atividade capitalista tal como a produção industrial, e a partir daí aparece o capital comercial como parcela do capital social. Desde então, o capital comercial participa na perequação geral dos lucros. O lucro do capital comercial provém portanto da redistribuição da mais-valia gerada em uma forma específica: o lucro do capital. O comerciante pré-capitalista retira seu lucro de um monopólio. No comércio a longa distância, este monopólio permite uma transferência de excedente de uma sociedade a outra”. (Amin: 25).

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A ideia lacaniana da verdade como estrutura de ficção (Lacan. S. 16:186) não se aplica à gramática da transição paraconsistente para se pensar o futuro:

 “Em indagações acuradas são substituídas por hipóteses ou teorias que funcionem mais convenientemente em seus papéis de elementos de sistematização e de previsão; podem, com propriedade, ser denominadas, com Vaihinger, como ficções. [Exemplo distintivo e atual de ficção é a teoria do átomo de Bohr. Para Vaihinger, aliás, qualquer teoria ou hipótese, em ciência, não passa de ficção]. ao se tratar de ficções, é imprescindível atentar-se a operadores que traduzam noções como as da crença e de verificabilidade [...]: as fórmulas que exprimem ficções carecem de valor de verdade [...}”. (Newton da Costa: 160).          

O que se refere ao futuro:

“Um mosquito posará em meu nariz daqui a quinze dias, em tal hora e tal lugar, não podem ser, hoje, nem verdadeiros nem falsos, pois, em hipótese contrária, isto acarretaria que o futuro estaria determinado – é o velho problema dos futuros contingentes. Assim, surge naturalmente, a ideia de se introduzir outro valor de verdade, além de verdadeiro e falso, a saber, indeterminado, [ou quiça possível]. Enunciados como (F) são, no momento, indeterminados, se não quisermos aceitar forma demasiadamente forte de determinismo. Observemos que Lukasiewicz distingue, cuidadosamente, entre o princípio da causalidade e a tese determinista: não há incompatibilidade em aceitarmos aquele e em negarmos esta última”. (Newton da Costa: 166).

O problema lógico é a contradição na prática política da transição. Ora, a gramática paraconsistente admite o princípio da contradição na prática política do Estado feudal territorial/virtual [ou mercantilista/liberal] paraconsistente da atualidade:

“Desde Heráclito, passando por Hegel, Marx e Lenin, e, em nossos dias, por Wittgenstein, tem havido filósofos admitindo que a contradição pode ser aceita em teorias e contextos racionais que expressam conhecimentos legítimos”. (Newton da Costa: 170).         

Assim a contradição na transição é a conciliação barroca dos contrários, que permitem a conciliação do velho e do novo. A conciliação barroca paraconsistente do mercantilismo com o liberalismo cria uma região objetiva no campo político da transição de hoje.

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Como o discurso evangélico de Marx e Engels (Lacan. S. 20: 32-33), a gramática da civilização econômica de Schumpeter é dialético-materialista barroco. Essa parte dedico a discussão da transição paraconsistente barroca de hoje.

“Nosso argumento, todavia, vai além dos casos de novos conglomerados, métodos e indústrias. Grupos antigos e industriais estabelecidos, sejam ou não atacados, diretamente, também vivem sob o vento perene. Existem situações, no processo de destruição criativa em que muitas firmas desaparecem, mas se conseguissem vencer determinadas tempestades, teriam uma vida vigorosa e útil. Fora tais crises gerais ou depressões, aparecem situações específicas em que a rápida mudança de contexto – característica desse processo – desorganiza de tal modo e por tanto tempo uma indústria que lhe inflige perdas disfuncionais, criando desemprego evitável. Por fim não tem sentido tentar manter indefinidamente indústrias obsoletas; mas tem sentido evitar que elas desmoronem violentamente e construir um caminho que pode tornar-se centro de efeitos depressivos cumulativos, numa retirada civilizada, ordeira. (Schumpeter: 121).

O campo político/econômico do processo civilizatório necessita de um hegemonikón ou eu hegemônico como o <general intellect gramatical> na sociedade do conhecimento:

“E assim, aos poucos, ela para de enviar bens para o exterior e, em vez disso, exporta capital, tecnologia e gestão – e torna-se uma multinacional”.

“Cada vez mais grandes empresas do mundo passaram a considerar o globo todo como seus mercados <naturais>, e não apenas seus países de origem”. (Heiibroner: 239).

Hoje o mercantilismo/liberal concorre no território dos Estados nacionais.

Thurow diz:

As empresas irão participar do jogo com base nas qualificações que empregarem, nos investimentos de capital que fizerem, em sua perícia técnica e em sua capacidade para comprar globalmente e vender novos produtos. Novas empresas que cresçam depressa e se transformem em multinacionais serão uma parte importante do sucesso. Essas novas empresas não irão surgir sem empreendedores. Os regulamentos sociais e as atitudes terão de permitir flexibilidade industrial para que apareçam empreendedores e novas empresas”. (Thurow: 95).

  A multinacional normal é um fenômeno do processo civilizatório schumpeteriano. Ela cria e recria um campo político/corporativo feudal, virtual em contradição com a economia territorial O campo da multinacional faz do general intellect gramatical o hegemonikón ou eu hegemônico de um Estado feudal mercantilista/liberal, virtual:

“No final do século XX e início do século XXI , seis novas tecnologias – microeletrônica, computadores, telecomunicações, novos materiais artificiais, robótica e biotecnologia – estão interagindo para criar um novo mundo econômico, muito diferente. Avanços nas ciências básicas subjacentes a estas seis áreas têm criado novas tecnologias que permitiram a emergência de todo um conjunto de grandes e novos setores: computadores, semicondutores, lasers. Essas mesmas tecnologias proporcionaram oportunidades para a reinvenção de velhos setores da economia: o varejo via Internet supera o varejo territorial; os telefones celulares estão por toda parte. Novas coisas podem ser feitas: aparecem plantas e animais produzidos pela engenharia genética; pela primeira vez na história humana, tornar-se possível uma economia global. Esta é uma era de setores criados pelo poder da mente humana”. (Thurow: 16)

É uma revolução na estrutura das relações técnicas de produção dentro do Estado feudal mercantilista/liberal, tendo com motor o general intellect gramatical:

“O general intellect é o caminho para pensar uma clareira aberta por Marx. Hoje vivemos em uma conjuntura do mercantilismo do capital do G.I. G asiático. a hegemonia do capitalismo chinês ergue um Estado territorial industrial nacional como motor da construção da realidade mundial”. (Bandeira da Silveira. 2023: cap. 48, parte 3).

 O capital capitalista asiático faz pendant com a gramática do mercantilismo/liberal do Estado feudal territorial chinês.

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Não se deve crer que a contradição entre o capital capitalista e o mercantilismo/liberal, ou entre mercantilismo e liberalismo invalide a análise como se essas contradições estabelecessem o bloqueamento do progresso das relações de produção técnicas e da ciência natural, por analogia da empresa moderna versus o mercantilismo/liberal da multinacional:

“Uma vez mais, é tentador levantar a questão do fato. A primeira coisa que faz uma empresa moderna, logo que sente poder sustentá-lo, é estabelecer um departamento de pesquisa no qual todos os membros sabem que seu pão de cada dia depende de seu êxito e esforço a mais em descobrir e inventar melhorias. Essa prática [do GIG}, evidentemente não sugere aversão ao progresso técnico. Nem podemos, em resposta, referir-nos aos casos em que patentes adquiridas por grandes corporações não tenham sido logo usadas ou não tenham sido usadas de maneira alguma. Pois pode haver ótimas razões para isso; por exemplo, o processo patenteado pode mostrar-se ruim, ao final, ou, ao menos, pode não permitir sua aplicação em bases comerciais. Nem os inventores, nem os economistas pesquisadores, nem os funcionários governamentais são juízes isentos de tais fatos, e de suas censuras ou de seus relatórios pode-se facilmente tirar uma imagem, uma impressão muito distorcida”. (Schumpeter: 129).

A relação entre o general intellect gramatical (GIG) e a gramática do mercantilismo/liberal é superior a relação do GIG com a empresa do capital capitalista. É o general intellect gramatical empresarial do mercantilismo/liberal que funciona como motor da competição entre as corporações modernas ou multinacionais. O maior GIG encontra-se na China.    

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O pós-liberalismo começa no final do século XIX e início do século XX. Autores se debruçaram sobre essa época e falaram da tela gramatical que emerge da história. Schumpeter vê no monopólio o fenômeno que revela contexto pós-liberal. O ponto de vista dele é a hegemonia da grande empresa privada monopolista

“Por que então toda essa conversa sobre monopólio? [...]. As pessoas falam que existe monopólio de uma coisa ou outra num país mesmo que a indústria em questão seja altamente competitiva. Mas isso não é tudo. Economistas, agentes governamentais, jornalistas e políticos estadunidenses obviamente amam a palavra, pois ela se tornou um termo de opróbio que, com certeza, levanta a hostilidade pública contra qualquer interesse assim rotulado. No mundo anglo-americano, o monopólio tem sido amaldiçoado e associado como exploração disfuncional desde que, nos séculos XVI e XVII, se tornou prática administrativa inglesa e criar grande número de posições de monopólio que, por um lado, respondiam bastante bem ao padrão teórico de comportamento monopolista e, por outro lado, justificavam plenamente a onda de indignação que impressionou até memo a grande Elizabeth”. (Schumpeter: 132-133). 

Observe leitor, que Schumpeter fala do mercantilismo nacional europeu clássico dos séculos XVI e XVII. Ora, nos EUA, o campo das ideologias liberal reage com  violência de seu poder simbólico (Bourdieu:9) ao novo mercantilismo do capital capitalista que substitui o <capitalismo monopolista de Estado> da etapa pós-liberal. Bukharin fala dos EUA pós primeira guerra mundial:

“Os EUA fornecem-nos um exemplo de consolidação e desenvolvimento de um vasto truste capitalista nacional em vias de assimilar países e regiões anteriormente dependentes da Europa. Paralelamente à ampliação das relações mundiais da América, constata-se nesse ´país um crescimento intensivo de coesão nacional.” (Bukharin: 139).

Qual a distinção do mercantilismo do início do século para esse novo mercantilismo:

“Se a guerra não pode deter o curso geral do desenvolvimento do capital mundial e se, ao contrário, expressa um crescimento, no mais alto nível, do processo de centralização, em compensação influi também sobre a estrutura das economias nacionais isoladas com o fito de aumentar a centralização nos limites de cada corpo nacional e organizar, paralelamente a um gasto considerável de forças produtivas, a economia nacional, colocando-a sempre mais sob o poder conjugado do capital financeiro e do Estado”. (Bukharin: 140-141).

A passagem do mercantilismo europeu do Estado financeiro para o mercantilismo estadunidense na década de 1940 ainda não é conhecido na América Latina. Bem. Sombart criou a gramática do imperialismo europeu imperialista e colonialista:

“O imperialismo, cuja expressão econômica é o neo-mercantilismo, tem posto a disposição do capitalismo [isto tem, por o momento, só um sentido geral] os recursos de um forte poder político; o capitalismo enganado e atraiçoado por um forte sistema de Estado, alcança por sua vez a maturidade, formando um sistema de Estados igualmente forte. As ideias liberais da livre concorrência entre as economias privadas se têm mostrado inadequadas para o capitalismo [em suas repercussões no mercado mundial].”. (Sombart: 83).    

 O capital monopolista acaba com as ilusões liberais estadunidense no fim da primeira metade do século XX. A transformação do campo das ideologias cientificas estadunidense tem em Baran e Sweezy a obra “Capitalismo monopolista”. A história do monopólio estadunidense é uma preocupação para explicar o bloqueio do progresso técnico sem competição entre empresas modernas:

“Se os efeitos depressivos do crescimento do monopólio tivessem funcionado sem controle, a economia estadunidense teria entrado em um período de estagnação muito antes do fim do século XX, e seria improvável a sobrevivência do capitalismo na segunda metade do século XX. Que estímulos externos poderosos barravam, então, esses efeitos depressivos e tornaram viável o rápido crescimento econômico durante as últimas décadas do século XIX e, com significativas interrupções, durante os primeiros dois terços do século XX? Em nossa opinião, esses estímulos são de dois tipos: 1) inovações que marcam época; 2) guerras e seus efeitos”. (Baran: 219).

A Segunda Guerra Mundial desintegrou o sistema de Estados nacionais territoriais do neomercantilismo europeu.

O mercantilismo americano da moderna sociedade anônima gigante específico da grande empresa é o início do mercantilismo pós-capitalismo monopolista de Estado. Aqui não há mais a junção entre capital financeiro e Estado territorial nacional. (Baran: 25).    

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No início da década de 1940, o futuro da gramática do mercantilismo da multinacional aparece como fato consumado:

“Assim, não é suficiente argumentar que, como a concorrência perfeita, é impossível nas modernas condições industriais – ou porque sempre tenha sido impossível -, o estabelecimento ou a unidade de controle de grande escala deve ser aceito como um mal necessário, inseparável do progresso técnico, que não pode ser sabotado por ele devido às forças inerentes a seu aparelho produtivo. O que temos de aceitar é que ele se tornou a máquina mais poderosa desse progresso técnico e, em particular, da expansão a longo prazo da produção mundial. Isso se deu não a despeito, mas, em grande parte, através dessa estratégia que parece tão restritiva quando vista em cada caso, isolado e do ponto de vista individual do tempo. A esse respeito, a concorrência perfeita é não apenas impossível, mas também inferior, e não tem títulos para ser apresentada como modelo de eficiência. É, portanto, um erro basear a teoria da regulação governamental da industria no princípio de que a grande empresa deveria ser obrigada a funcionar como o faria a indústria respectiva em concorrência perfeita. E os socialistas deveriam confiar, para suas críticas, nas virtudes de uma economia socialista, e não nas do modelo liberal”. (Schumpeter: 140-141).   

O campo das ideologias do mercantilismo/liberal foi aberto por Schumpeter Galbraith. (Robson: 282)

“O segundo legado da teoria da concorrência imperfeita a nova ortodoxia também está relacionado com a admissão de que a concorrência de preços deixa de operar sob condições de oligopólio. Subsiste a concorrência sob outras formas, e os custos de publicidade e de venda de cada oligopolista tendem a aumentar continuamente por o simples motivo de que vão aumentando os dos demais, tal como sucede com os gastos de armamentos. A   <renda nacional a preços de mercado> pretende dar uma medida dos bens e serviços que contribuem ao bem-estar nacional, porém, sob as condições modernas – sobretudo nos Estados Unidos - , uma apreciável proporção da mesma representa o serviço de convencer aos consumidores para que comprem”. (Robson: 282).

Há a subsunção do campo das ideologias liberal ao campo das ideologias mercantil/liberal:

“Depois de todo esse debate, jamais poderá restabelecer a   formosa simplicidade da doutrina segundo a qual o capitalismo de laisser-faire apresenta uma tendencia natural a produzir o máximo benefício para a comunidade; e se chega a estabelecer uma nova ortodoxia, esta terá que ser muito mais sofisticada que a antiga” (Robson: 282).

A globalização liberal das décadas de 1980-90 foi uma intervenção do campo das ideologias liberais americanas na economia planetária. Foi um fenômeno do imperialismo estadunidense?       

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Em sua crítica da concepção política de mundo economicista do imperialismo (Schumpeter. 1984: 43), Schumpeter define o imperialismo como <vontade de vencer> (Shumpeter. 1984: 44)0 ou como concepção política de mundo como vontade de poder: a procura da expansão pela expansão, o combate pelo combate, a dominação pela dominação:

“o imperialismo é a disposição, desprovida de objetivos, que manifesta um Estado à expansão pela força, além de todo limite passivo de ser definível”. (Schumpeter. 1984: 44). Rigorosamente, o imperialismo criou e recriou o Estado suicidário (Virilio: 49) nuclear. O imperialismo criou e recriou um campo heteróclito mitológico diabólico (Godin: 732) nas relações internacionais do Ocidente e Oriente. Assim, o imperialismo aparece, hoje, como uma tela verbal de gosto narrativo da guerra como épico e do horror grotesco. (Kayser:119-120). A tela digital do cinema de hoje apresenta esse humor grotesco do horror que não para de funcionar no cérebro da juventude. A juventude gosta do épico e do grotesco.

O campo de ideologias verbal-visual pós-modernista é o suporte do Estado burguês pós-modernista. Os jogos de linguagem remetem o Estado pós-modernista para o contexto filosófico pragmático de Richard Rorty:

“Le pragmatisme est caractérisé par l’abandon de l’idée de un point de vue neutre – objetif, universal, transcendente...- à partir duquel il serait possible et nécesaire de juger en vérité et la verité [du bien fondé] de ce qui s’énonce en fonction , au sein et à propos de différents contextes historiques pratiques toujours associés  à de interêts et donc à de point de vue particuliers”. (Hottois: 75).

Por outrolado, a crítica da gramática do mercantilismo/liberal contempla os interesses da sociedade civil territorial e da virtual e do Estado territorial e do Estado virtual no campo político da cultura local e mundial.

 

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quinta-feira, 25 de julho de 2024

Pós-modernismo - ontem e hoje

 

José Paulo 

 

O que é o pós-modernismo para a ciência política dialética-materialista?

Ele aparece como um aparelho de hegemonia de um Estado pós-modernista territorial? Ou ele existe com uma máquina de guerra ideológica da globalização burguês-virtual?

A máquina de guerra pós-modernista transforma o campo político da cultura do gosto em um estado de anarquia generalizado? O sujeito é um efeito do significante:

“Mais de uma coisa no mundo é passível do efeito do significante. Tudo o que está no mundo só se torna fato, propriamente, quando com ele se articula o significante. Nunca, jamais surge sujeito algum até que o fato seja dito”. (Lacan. S.16: 65).

O significante é sinônimo de discurso e este de gramática. Portanto, a subjetividade é efeito de sentido do dito da trela gramatical. Deleuze deixou um livro sobre a lógica do sentido. Trata-se de dizer que o grau zero do sentido é a anarquia no campo político; um campo sem gramática, sem tela verbal narrativa atualizada no aparelho de hegemonia de um Estado. A máquina de guerra ideológica pós-modernista busca o grau zero de efeito de sentido no campo político da cultura do gosto. Daí o campo das ideologias pós—modernistas  falarem em fim do sujeito, da subjetividade moderna e qualquer subjetividade, fim da verdade. Trata-se do fim do aparelho de hegemonia que funciona partir da verdade criada pela tela verbal narrativa no campo político da cultura do gosto: verdade ou clássica, ou barroca, ou gótica ou grotesca.

Deleuze fala do fim da lógica do sentido?

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O sentido “é o exprimível ou o expresso da proposição e o atributo da coisa”. (Deleuze:23):

“O expresso não se parece de forma alguma com a expressão. O sentido se atribui, mas não é absolutamente atributo da proposição, é atributo da coisa ou do estado de coisa. O atributo da proposição é o predicado, por exemplo, um predicado qualitativo como verde. Ele se atribui ao sujeito da proposição. Mas o atributo da coisa é o verbo verdejar, por exemplo, ou antes, o acontecimento expresso por este verbo [...]. Verde designa uma qualidade, uma mistura de coisas, uma mistura de árvore e de ar em que uma clorofila coexiste com todas as partes da folha. Verdejar, ao contrário, não é uma qualidade na coisa, mas um atributo que se diz da coisa e que não existe fora da proposição que o exprime designando a coisa”. (Deleuze: 22).

O sentido faz pendant com a tela verbal narrativa:

“Como diz Bergson, não vamos dos sons às imagens e das imagens ao sentido: instalamo-nos logo ‘de saída’ em pleno sentido. O sentido é como a esfera em que estou instalado para operar as designações possíveis e mesmo para pensar suas condições. O sentido está sempre pressuposto desde que eu começo a falar; eu não poderia começar sem esta pressuposição”. (Deleuze: 31).

O sentido é um efeito do pressuposto da própria gramática em funcionamento da prática política no campo político da cultura do gosto:

“Para cada um de seus nomes, a linguagem deve conter um nome para o sentido deste nome. Esta proliferação infinita de entidades verbais é conhecida como paradoxo de Frege”. (Deleuze: 32).

O funcionamento do paradoxo na prática política a desintegra?

“Não se pode eliminar o paradoxo do sistema do Grundgesetze der Arithmetik a não ser modificando-o, isto é, transformando-o em outro sistema!”. (Newton da Costa: 222).

O efeito de sentido paradoxal da tela verbal narrativa é o motor da transformação da prática política em um contexto. Como aparelho de hegemonia, a prática política pode sustentar o Estado territorial nacional (Dumézil:39, 40) como Estado gestor da mais-valia pública (Lacan. S. 16: 30, 29) para o dominado. Como máquina de guerra ideológica, a prática política se apropria da mais-valia pública para o dominante. Há um paradoxo entre o sustentar para o dominado e o sustentar para o dominante. Trata-se de um paradoxo que pode desintegrar a prática política como Estado territorial na forma de regime - sem alterar a gramática verbal narrativa do campo político.

A gramática do estoicismo permite vincular o sentido com a fantasia; ela é:

Impressão produzida por agentes externos no núcleo da alma, algo assim como uma impressão sigilar”. (Elorduy:33).

O hegemonikón ou eu político pode ser o agente que imprime um efeito de sentido [no campo político do indivíduo ou da multidão] como fantasia de gosto [barroco, grotesco etc.] capaz de pilotar a prática política:

 “A parte principal da alma, o hegemonikón, é o núcleo central de energia que comunica suas forças respectivas a cada um dos sensórios. Embora os sensórios não se identifiquem com a posição anatômica do organismo, senão que são ‘espíritos racionais emitidos aos órgãos desde a mente”. (Elorduy: 37).

Há analogia do efeito de sentido verbal narrativo com a prática política real:

“Os sentidos são como esses tentáculos ou ‘como galhos que se arrancam daquela parte principal como o tronco, julgando a alma como um rei das coisas que lhe anunciam os sentidos por suas sensações”. (Elorduy: 41).   

Daí o pressuposto saber da gramática, pois, na prática política, as sensações têm como soberano a alma ou, mais precisamente, o hegemonikón:

“A comparação do rei – baseada na sinonímia entre realeza e hegemonia [...]. prova que ‘o sentido interior leva vantagem (praestat) em relação aos sentidos externos, dos quais é superior (moderator) e juiz’. Por conseguinte, demonstra que ‘a razão leva vantagem a todos os demais no homem; e si há algo superior a ela, é Deus”. (Elorduy: 41).

  Na prática política, o efeito de sentido da fantasia Deus é superior ao efeito de sentido da fantasia razão. Daí Hobbes falar do Estado como <Deus mortal>. (Hobbes:110). O Estado virtual é a coroa, ou seja, gramática sobreposta ao Estado territorial; a coroa é o símbolo imortal da prática política - em qualquer campo político da cultura do gosto.  Sem a tela de juízo de gosto, há o grau zero da prática política como efeito de sentido da fantasia.   

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O pós-modernismo aparece como uma máquina de guerra semiológica/ideológica do Norte copiada pelos professores universitários do Sul:

“A semiologia mostra-nos, no universo dos signos, o universo das ideologias que se refletem nos modos comunicativos pré-constituídos”. (Eco: XVIII).

Harvey diz sem margem à dúvidas:

“O projeto teológico pós-moderno é reafirmar a verdade de Deus sem abandonar os poderes da razão”. (Harvey: 47).

O Estado virtual burguês pós-modernista é um fenômeno de uma tela metafísica, daí, nas Américas ele ter como “classe-apoio” massas evangélicas e a classe média fascista das grandes capitais, estas com a hegemonia sobre o lumpesinato policial das classes baixas. Um Foucault pós-modernista (Harvey: 50) e um Heidegger também [este através de Derrida} (Harvey:53), todos são peças da montagem da máquina da guerra ideológica que se transforma em um aparelho de hegemonia universitário do Estado burguês territorial pós-modernista. No campo político da cultura do gosto, o sujeito esquizo é a subjetividade que corresponde ao Estado burguês pós-modernista:

“Jameson (1984) explora esse tema com um efeito bem revelador. Ele usa a descrição de Lacan da esquizofrenia como desordem linguística, como uma ruptura na cadeia significativa de sentido que cria uma frase simples; quando essa cadeia se rompe, ‘temos esquizofrenia na forma de um agregado de significantes distintos e não relacionados entre si’”. (Harvey: 56).   

Essa é a prática política essencial do Estado burguês pós-modernista no campo político da cultura do gosto. Ela cria e recria um campo de ideologias pós-modernistas como abolição do sentido no horizonte da prática, da experiencia do agente. Assim, o tempo político deixa de regular o campo político:

“Se a persona é fabricada por meio de ‘certa unificação temporal do passado e do futuro com o presente que tenho diante de mim’, e se as frases seguem a mesma trajetória, a incapacidade de unificar passado, presente e futuro na frase assinala uma incapacidade semelhante de ‘unificar o passado, o presente e o futuro da nossa própria experiencia biográfica ou vida psíquica’. (Harvey: 56).

Tal fato significa a desintegração da tela verbal narrativa como soberana na prática política de uma forma de regime da democracia feudal modernista do dominado. A tela digital toma o lugar, na prática política, da tela verbal narrativa. A tela digital é a lógica do simulacro de simulação (Baudrellard: 1981: 177), do efeito de sentido no campo político da cultura do gosto. Assim, o barroco é sobrepujado pelo neobarroco (Calabrese; 1988) e o grotesco pelo neogrotesco (Rosen: 1991; Sodré; 1992).

Nas Américas, a massa social esquizo aparece desintegrando a topologia da narrativa tradicional [de 1988, no Brasil] esquerda e direita no campo político. Essa multidão esquizo [como abolição do princípio da não-contradição na prática política] é a sustentação do Estado territorial burguês pós-modernista liberal.

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O campo político é também uma tela de juízo de gosto:

“Mas – visto com ‘dada’ sob o ângulo da relação estética – essa lógica dos significantes determina o processo aberto da interpretação, no sentido de que a mensagem, como fonte oferecida a destinatário, propõe, também, com forma significante a preencher, os níveis que já articulam grupos de significados (denotados e conotados). Estruturando-se ambiguamente em relação ao código e transformando continuamente suas denotações em conotações, a mensagem estética compele-nos a experimentar sobre si léxicos e códigos sempre diferentes. Nesse sentido, fazemos continuamente confluir para dentro da sua forma vazia novos significados, controlados por uma lógica dos significantes que mantém tensa uma dialética entre a liberdade da interpretação e a fidelidade ao contexto estruturado da mensagem. E só assim se compreende por que, em todo o caso, a contemplação da obra de arte suscita em nós aquela impressão de riqueza emotiva, de conhecimento sempre novo a aprofundado, que impelia Croce a falar de cosmicidade”. (Eco: 68)       

 O artista tem um lugar na prática política da cultura do gosto; ele cria as gramáticas a partir das quais surge o campo político das ideologias. Ele também é o intérprete da gramática da prática política. O Estado burguês pós-modernista liberal se serve de uma estética vinculada à lógica do significante simulacro de simulação. Não é a estética pela estética, e sim uma estetização generalizada da obra de arte:

“ao final desta história da estética, a cultura democrática de ponta a ponta orientada para o fechamento do mundo, tende a se estruturar segundo três momentos: no campo da arte, a obra só pode ser um prolongamento do artista e, se ela ainda é um mundo, só pode ser um microcosmo engendrado por esse pequeno demiurgo que é o gênio”. (Ferry: 341).

Com o Estado burguês pós-modernista, a obra de arte não é mais uma interpretação do campo político da cultura do gosto. Por outro lado, a tela estética engendra uma região heterogênea (Cascardi:356) neobarroco e uma região reprofunda heteróclita (neogrotesco) no campo sublunar da política.

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Lyotard fez a filosofia do Estado burguês pós-modernista virtual. Ela anuncia o colapso do metarrelato marxismo-leninismo e da tela metafísica universitária no campo político da cultura mundial:

“considera-se pós-moderna a incredulidade em relação ao metarrelato. É, sem dúvida, um efeito do progresso das ciências; mas este progresso, por sua vez, as supõe. Ao desuso do dispositivo metanarrativo de legitimação corresponde, sobretudo, a crise da filosofia metafísica e da instituição universitária que dela dependia”. (Lyotard. 1986: XVI).

O aparelho de hegemonia Lyotard invade o campo político da cultura com a gramática dos <jogos de linguagem>:

‘Três observações precisam ser feitas a respeito do jogos de linguagem. A primeira é que suas regras não possuem sua legitimação nelas mesmas, mas constituem objeto de um contrato explícito ou não entre os jogadores [o que não significa, todavia, que estes as inventem]. A segunda é que na ausência de regras não existe jogo, que uma modificação, por mínima que seja, de uma regra, modifica a natureza do jogo; e que um ‘lance’ ou um enunciado que não satisfaça as regras, não pertence ao jogo definido por elas. A terceira observação acaba de ser inferida: todo enunciado deve ser considerado como um ‘lance’ feito num jogo”. (Lyotard. 1986: 17).

A gramática do Estado pós-modernista transforma a fala em um ato de guerra molecular na prática política:

‘Esta última observação leva a admitir um primeiro princípio que alicerça todo o nosso método: é que falar é combater, no sentido de jogar, e que os atos de linguagem provêm de uma agonística geral. Isto não significa necessariamente que se joga para ganhar. Pode-se realizar um lance pelo prazer de inventá-lo”. (Lyotard. 1986: 17).

Na ciência política dialética-materialista, a gramática dos jogos de linguagem na prática política brasileira faz pendant com o surgimento da burguesia política com Lula e o PT. Só que o uso dessa gramática se atualiza como uma estratégia de transformação do monopólio do governo federal nas mãos do lulismo. Assim, como ato de guerra política, os jogos de linguagem do lulismo usam a lógica do simulacro de simulação para conquistar a soberania popular; tal fenômeno desintegra a forma de governo baseada na alternância de dois partidos políticos: PT e PSDB. A crise da forma de governo desembocaria em golpe de Estado e dois governos que fundam o Estado territorial, burguês, pós-modernista e fascista.

 O Estado pós-modernista provoca um curto-circuito nas gramáticas da prática política do aparelho de hegemonia

“ - Em primeiro lugar, a arte não é livre. Existe liberdade dentro de coerções de qualquer nível, consciente e inconsciente. Mas, em segundo lugar a estética é uma arte, a arte de produzir prazer puro [desinteressado] ou de senti-lo. A retórica é uma arte de persuasão. A história é uma arte de narrar o verdadeiro. E interpretar é a arte hermenêutica, talvez, a mais difícil de todas. Suas regras são quase desconhecidas. Conhecem-se, sobretudo, as negativas: nada acrescentar à coisa interpretada, não fazê-la dizer o contrário do que diz, não ignorar as interpretações anteriores, não impor uma interpretação como definitiva. A tradição de leitura da Torá esboçou algo como regras positivas, distinguindo, no texto da Escritura, seus sentidos literais, secreto, moral e alegórico”. (Lyotard. 1996:39).

Como o rei de Zizek, a prática política pós-modernista emerge do real do campo político da cultura (Zizek: 42-43). O Estado pós-modernista virtual é o ersatz do rei, ele é real. Ele é um aparelho de hegemonia que não conquista a soberania popular por telas verbais narrativas e sim pela tela da sedução digital. Baudrillard fez a ciência do Estado sedutor?

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A prática ´política é: a relação ficcional representante/representado ou soberania popular; a relação de hegemonia virtual elite/massa; a relação de dominação territorial burguesia política multidão pós-modernista. Na última, a sedução se tornou a gramática do Estado écran , na definição feliz de Régis Debray.

A ciência pós-modernista de Baudrillard fala do paradigma da <sedução> como um ato de guerra de jogos de caligrafia contra o paradigma da produção na prática política do Estado pós-modernista:

“Produzir é materializar à força o que é de uma outra ordem; da ordem do segredo e da sedução. A sedução é sempre em todo lugar o que se opõe à produção. A sedução retira alguma coisa da ordem do visível”. (Baudrillard. 1991: 43).

Há uma relação de superioridade lógica na articulação da prática política pós-modernista burguesa em relação à antiga prática moderna do capital capitalista:

“A questão da superioridade profunda das lógicas de desafio e de sedução sobre as lógicas econômicas do sexo e da produção permanece inteira”. (Baudrillard. 1991: 51).

No lugar da gramática do poder na articulação dominante/dominado, a gramática da sedução faz da prática política uma relação populista entre o Estado sedutor e as massas pós-modernistas:

“A sedução é mais forte do que o poder, pois, um processo reversível e mortal, ao passo que o poder se quer irreversível como o valor, cumulativo e imortal como ele. Compartilha todas as ilusões do real e da produção; quer-se da ordem do real e oscila assim no imaginário e na superstição de si mesmo [com ajuda das teorias que o analisam, embora para contestá-lo]. A sedução não é da ordem do real. Nunca é da ordem da força nem da relação de força. Mas precisamente por isso é quem envolve todo o processo real do poder assim como toda a ordem real da produção, dessa reversibilidade e desacumulação ininterruptas sem as quais não haveria poder ou produção”. (Baudrillard. 1991: 56).

A reversibilidade da gramática da sedução é capaz de transformar a classe média fascista em um lumpesinato policial e a burguesia política em uma lúmpen-burguesia nos países subdesenvolvidos da América do Sul. A gramática da sedução é o fim de efeito de sentido no discurso político:

“Todo discurso de sentido quer dar fim às aparências, eis aí seu engano e sua impostura. Mas também um projeto impossível: inexoravelmente o discurso está entregue a sua própria aparência, portanto, às apostas da sedução e a seu próprio fracasso como discurso. [...]. O que ocorre em primeiro lugar quando um discurso seduz a si mesmo, forma original pela qual ele se absorve e se esvazia de seu sentido para melhor fascinar os outros, sedução arcaica da linguagem”. (Baudrillard. 1991: 62).

O aparelho de sedução da gramática baudrillardiano fala do fim da prática política em geral, do fim da política e do Estado territorial nacional na Europa da União Europeia. Um discurso de um contexto especificamente europeu?  

Com efeito, a globalização pós-modernista burguesa desintegrou o Estado nacional no Ocidente/Oriente, excetuando a China e a Índia, entre as grandes potências asiáticas. A ciência do Estado baudrillariana é aquela do fim do Estado nacional, repito. Aí temos, afinal, o fim da prática política autêntica substituída por uma prática do simulacro de simulação da política moderna?

A prática política pós-modernista do além da época pós-moderna (Bandeira da Silveira; 2024a), de fato, é um agir estratégico: simulação, dissimulação,  simulacro de simulação, enganar, mentir, produção de ilusão etc. (McCarthy: 333). O poder estratégico articula a relação da representação entre lúmpen-burguesia e classes médias neogrotescas; tal fenômeno já remete para a região escura da superfície reprofunda da prática política, onde todos os gatos são pardos, mas devoram os ratos.   

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No livro “O Estado sedutor”, Regis Debray diz que o Estado é invisível e inaudível:

“C’est précisément parce que l’État est en lui-même invisibli et inaudible qu’il doit à tout prix se faire voit et entendre par métaphores. Se signaler à l’attention de tous par des signes convenus, observables et tangibles. Sans cette signalisation, la croyance n’aurait ni objet ni relais”> (Dabray: 66).

Com efeito, o Estado territorial é uma tela verbal narrativa de aparelhos [repressivos, ideológicos, de hegemonia} que por efeitos de sua prática política muito real imprime sua imagem textual no cérebro do homem, mulher, criança. O aparelho legislativo penal age sobre o corpo humano molecular e não apenas como aparelho de signos metafóricos ou metonímicos. A relação da gramática penal com o corpo/alma produz a subjetividade do prisioneiro. Sem me alongar, a figura do presidente da república existe como um efeito sobre a constituição da subjetividade política da população, na medida em que ele é conhecido/reconhecido na gramática da vaidade das pequenas diferenças nacionais. O Estado cria e recria as regiões estáticas do campo político que se atualiza na soberania popular e na multidão política na rua. A tela estética é um fenômeno que interpela o gosto político real do indivíduo e da multidão.

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O Estado virtual burguês está presente na realidade do indivíduo através das telas digitais, no cotidiano. Ele faz a vida verdejar assim como  azular da paisagem do olho pelo sol. Ele pode ser usado para se periodizar a época da <lógica cultural do capitalismo tardio>?:

“Um dos problemas frequentemente associados a hipótese de periodização é que estas tendem a obliterar a diferença e a projetar a ideia de um período histórico como uma massa homogênea [demarcada em cada lado por uma inexplicável metamorfose cronológica e por sinais de pontuação]. No entanto, essa é precisamente a razão pela qual me parece essencial entender o pós-modernismo não como um estilo, mas como uma dominante cultural: uma concepção que dá margem à presença e à coexistência de uma serie de características que, apesar de subordinadas uma às outras, são bem diferentes”. (Jameson: 29).

O contexto do pós-modernismo se caracteriza pela plurivocidade de tela de juízo de gosto [que remetem o individuo e a multidão par as regiões políticas do barroco, grotesco etc.] fazendo pendant como a prática política do Estado virtual burguês. Um outro contexto se abriu na terceira década do século XXI?   

“O Estado feudal da atualidade requer uma discussão da relação entre a imagem textualizada da atualidade e o campo do pressuposto saber moderno. Por exemplo. A crítica da modernidade de Marx ainda é o paradigma do pressuposto saber para se conhecer a atualidade? Marx parte de algo além da autonomia relativa das esferas: economia, política, cultura. A cultura e a política são englobadas na ideia de Forma ideológica. (Marx. Pensadores: 136). Hegel fala da cultura reflexiva (Hegel. 1955: v. 2: 29) que não oculta a realidade e não é produção de ilusão. Com o Estado hegeliano no campo político/estético, a política não precisa ser agente histórico de produção de ilusão. O Estado pode ser um fenômeno da manifestação da verdade de uma época”. (Bandeira da Silveira. 2024: 76).      

                                              MERCANTILISMO-LIBERAL FEUDAL MUNDIAL

Ao estudar a Revolução Francesa, Tocqueville descobriu o segredo da transição de uma época para outra. Trata-se da conciliação barroca entre o novo e o antigo regime, no que eles têm de conciliável. Hoje, vivemos a transição do liberalismo ocidental para o mercantilismo asiático. A globalização feudal-burguesa liberal tinha como meta a desintegração do Estado territorial nacional. A União Europeia se tornou o símbolo maior dessa meta inalcançável.

A Ásia desenvolveu a gramática do mercantilismo-liberal feudal. A China, a gramática do mercantilismo-liberal para o dominado nas relações internacionais. Assim, o planeta se vê diante de um processo dialético-materialista com um duplo aspecto: o aspecto dominante é a gramática do mercantilismo do século XXI. O aspecto dominado é a gramática do liberalismo asiático do dominado, atual. Portanto, uma outra imagem textual do mundo emerge da história planetária asiática.

A globalização asiática mercantilista-liberal feudal significa direitos materiais para os países dominados ao lado dos direitos materiais para as grandes potências. Assim, a estratégia consiste em revogar a estrutura de dominação ideológica na economia conhecida pelo par desenvolvido/subdesenvolvido [centro/periferia]. Uma outra imagem textual do mundo vai sendo tecida na globalização exitosa que faz pendant com o Estado territorial nacional.

Na globalização mercantilista-liberal feudal, a história encontrará uma relação que não seja de dominação brutalista entre o Estado virtual feudal modernista e o Estado territorial nacional. Um período de transformação reprofunda na superestrutura das ideologias aparece como o acontecimento que levará o planeta da hegemonia das ideologias liberais do século XX para a hegemonia das ideologias mercantilistas-liberal do século XXI. Bem, cada país terá que empreender esse caminho épico. Vejam que a transição nos EUA já rendeu a tentativa de assassinato de Donald Trump. Donald acusa Joe Biden e vice-presidente de terem conspirado com o serviço secreto para matá-lo.

Vivemos uma época na qual os partidos políticos são formas ideológicas liberal do século XX. A transformação dos partidos políticos em forma ideológica do século XXI já é parte do desenvolvimento da democracia feudal mercantilista-liberal.

 

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Além da época posmoderna. EUA: amazon, 2024a   

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