Nascida no Estado do Acre, Marina
é um ser da floresta Amazônica. Mestiça, ela representa o povo brasileiro no
palco da política. Gilberto Freyre articulou o significante cultura brasileira
como mestiçagem cultural, hibridismo cultural, como o povo mestiço no palco da
cultura. Marina vai além da cultura brasileira, pois pode se tornar o signo da
mestiçagem política. Ela pode dar um novo sentido e uma nova função ao
significante oligarquia política híbrida. De uma família pobre, que trabalhava
nos seringais da floresta amazônica, contraiu várias doenças tropicais e foi contaminada
por metais pesados da poluição dos rios provocada pela indústria oligárquica do
garimpo. Hegel disse uma vez, em algum lugar, que a história era um vale de
lágrimas. Marina viveu individualmente na pele tal fórmula hegeliana.
Analfabeta até os 16 anos, hoje é formada em história. Amiga e companheira de Chico
Mendes, fez com ele as lutas épicas contra a oligarquia amazônica em defesa da
floresta. Sua ideologia viva é a ideologia do povo da floresta: o ecologismo
prático. Uma lenda urbana diz que depois do assassinato de Chico Mendes pela
oligarquia e sob a iminência de ser assassinada, Lula a retirou da floresta
para ser uma representante do PT no Congresso Nacional.
Uma pessoa religiosa com uma fé
infinita em Deus, Marina pode ser o significante manifesto da religação entre
religião e política no Brasil da política mundial. Com ela, a política pode
ser percebida como o amálgama manifesto entre razão e inconsciente político. A
revolta contra esta produção do contemporâneo pode se transformar em puro
niilismo modernista. No “Manifesto da Poesia do Pau-Brasil”, Oswald de Andrade
escreveu: “tinha havido a inversão de tudo, a invasão de tudo”. Antes a frase ia além do conteúdo; agora é
conteúdo que vai além da frase.
Como ministra do Meio Ambiente no
governo Lula, Marina se opôs à política predatória para o meio ambiente desse governo sob o comando de Dilma Roussef primeiro como ministra da Energia, depois como toda poderosa ministra da Casa Civil. O choque com Dilma resultou
na sua saída do governo Lula. Saiu do PT e se candidatou à presidente da República
em 2010, se constituindo na terceira via entre PT e PSDB ao receber cerca de 20
milhões de votos. Nesta campanha, transformou a luta local contra a oligarquia
amazônica numa luta nacional contra a nova oligarquia capitalista rural brasileira
(capitalismo de commodities), conhecida no jornalismo e nos meios burgueses como agronegócio.
Na eleição de 2014 para a presidência da República, ela sai candidata pelo PSB. Trata-se de um partido com fortes ligações
com o agronegócio. Mas provavelmente o partido dirigente será o Rede
Sustentabilidade. A Justiça eleitoral incluindo os cartórios não poderá mais
bloquear a criação legal do Rede Sustentabilidade. Com a desintegração da indústria
brasileira, a nova oligarquia capitalista rural parece ser a correia de
transmissão empírica para o encaixe da hegemonia da oligarquia financeira
mundial sobre o bloco no poder no Brasil. Tal encaixe foi realizado no e pelo
governo Dilma Rousseff. Neste governo, o Estado brasileiro voltou a ser o
aparelho de poder do capital financeiro mundial. Como Marina vai usar o poder
de Estado para dotar a política brasileira de uma autonomia relativa em relação
à hegemonia da oligarquia financeira mundial no bloco no poder brasileiro? Em
1968, os estudantes carregavam fachas nas ruas de Paris com a frase: “a
imaginação no poder”. Os eleitores de Marina acreditam que ela é dotada de uma faculdade de imaginação que poderá transformar
a política brasileira. A imaginação política fez de Marina a única política
brasileira com fortes ligações com o movimento da multidão de junho de 2013.
A democracia brasileira tem sido
comandada pela lógica privada do inconsciente político. Trata-se de uma forma de
democracia despótica. Marina pode alterar esta forma? É possível fazer a democracia
no Brasil se transformar em forma de governo dirigida pela lógica pública do
inconsciente político pela lógica do bem comum? A experiência de instalação da democracia justa precisa começar em algum elo da cadeia mundial com a crise da democracia
representativa na política mundial. Marina e o Rede Sustentabilidade
podem dirigir tal luta? Podem ao menos tentar! Realizar tal ato político implica
em encontrar um caminho, que neutralize o Estado brasileiro como comitê da
oligarquia financeira mundial através de sua vassala: a nova oligarquia
capitalista rural brasileira. O encaixe do Brasil com o capitalismo corporativo
mundial pode ser o instrumento de uma reindustrialização e um ponto de força
para alterar o domínio inflexível do capital financeiro mundial sobre o Estado
brasileiro. Talvez o capitalismo de Estado misto do setor de energia possa ser
um aliado nesta empreitada, ele que na ditadura militar foi um pilar de
sustentação burguesa de tal regime. Seria a redenção do capitalismo de Estado que se tornaria um pilar da democracia dirigida pela lógica do bem comum. O Pré-Sal
poderá ser um instrumento econômico de grande utilidade política se for posto a
serviço da democracia pós-moderna do século XXI.
Uma questão polêmica é a ligação
de Marina com a religião evangélica. As religiões monoteísta são a força
dirigente de uma revolução conservadora na política mundial. Trata-se de uma
contrarrevolução, pois ela avança no recuo e fuga da revolução secular do mundo
moderno. A revolução conservadora instaura a política mundial como uma
dialética entre a razão e o inconsciente político. Esta é uma leitura possível
da produção do mundo contemporâneo. Marina não parece ser a capitã de uma
pequena embarcação que navega entre Cila e Caríbdes? Ao contrário de Dilma, Marina
não será um instrumento cínico e oportunista da contrarrevolução religiosa
mundial no Brasil. Ela poderá ser o sujeito do equilíbrio de antagonismo
gilbertiano na política brasileira do século XXI. Equilíbrio da dialética entre razão e inconsciente político na política mundial.
Por sua ligação espiritual com a
multidão de junho de 2013, Marina se constitui no espaço político como uma
força que se opõe à instalação pelo PT do
governo despótico ou Urstaat. O PT de
Dilma Rousseff acabou de recriar o temido serviço de inteligência do exército
que atuou na ditadura militar muitas vezes como terrorismo de Estado. Segundo o ministro da Defesa, tal agência estatal deveria servir para vigiar, observar e infiltrar
os movimentos sociais de rua das grandes cidades e os movimentos sociais
rebeldes do campo. Trata-se de uma agência da montagem do Urstaat que terá como principal função agir sobre as multidões para
domá-las, e, quem sabe, desarticulá-las. No plano político formal, os inimigos
do governo petista serão o objeto privilegiado da ação desta abjeta agência do
exército brasileiro. As forças do governo no Congresso Nacional aliadas do
governo Dilma acabaram de gerar uma lei que militariza a Guarda Municipal. O
governo petista de São Paulo do "marxista" Fernando Haddad foi o primeiro
município a armar a sua Guarda Municipal. Trata-se de uma lei que articula a
oligarquia brasileira como uma força armada na política local. De fato,
trata-se da repetição do coronelismo com a instalação de uma jagunçada estatal.
Nos sertões do Nordeste e de Minas Gerais, a Guarda Municipal do Estado petista
assumirá a forma do coronelismo. Este modelo poderá servir para a instalação de
cópias do coronelismo estatal em regiões como o Norte e o Centro-Oeste. Em
todas as regiões apontadas, a Guarda Municipal poderá ser o instrumento das
lutas clânicas, das lutas oligárquicas, repetindo o estado de guerra civil
larvar do Brasil colonial. Tais fenômenos supracitados são a ponta do iceberg
do Urstaat brasileiro. A instalação
da democracia justa significa necessariamente a desmontagem do governo
despótico.
Nas relações internacionais, o
ecologismo prático brasileiro pode ser o instrumento para a retomada da luta
ecológica na política mundial. É preciso que o desejo ecológico se transforme em
uma vontade governamental em vários elos da cadeia política mundial que subsuma
a vontade capitalista oligárquica mundial, causa que sobredetermina a cadeia de
causas que convergem para transformar o planeta em uma lata de lixo global. Marina
pode se aliar à Obama e ao governo chinês para construir tal vontade ecológica
na política mundial.
O Fausto de Alexandr Sokorov acaba com Fausto rasgando o contrato com o diabo que prometia a alma deste herói moderno para as forças do inferno. A oligarquia
política brasileira pretende que Marina assine uma nova “Carta ao Povo Brasileiro” que a torne um instrumento do poder oligárquico. A oligarquia brasileira vai
querer transformar Marina em um Lula de saia. Se Marina pode ser a figura freudiana do
grande homem de saia, um Moisés na política brasileira, ela pode muito bem rasgar
o contrato (o pacto oligárquico) que é a repetição da soberania do discurso do
mestre colonial na política brasileira do século XXI:
Hic Rhodus, hic salta